Por mais que se sinta a morte de alguém, estar num funeral nos conscientiza da impossibilidade até física de passar o tempo todo no luto. O corpo cansa. A gente cansa de chorar, de sentir pena, de lembrar. E cansa também de ficar sentado ou de ficar de pé. E sente fome. Depois de comer precisa ir no banheiro. Não temos queixas do serviço que ofereceram ao meu sogro. A funerária fica num prédio novo, bonito, de três andares. Cada andar tem um ou dois salões, ou seja, pode ter vários funerais ao mesmo tempo. Naquela madrugada fomos apenas nós, no térreo. Meu sogro ficou numa capela simples, que era sem luxos mas bastante confortável: a antessala tinha chão de porcelanato, sofás de couro branco, mesinha de café, lugar para colocar as bolsas. Na recepção, há pelo menos funcionário disponível 24h. Há até a possibilidade da família solicitar um banheiro onde possa tomar banho. O banheiro comum, que fica no andar, é limpo. Lá tem dois reservados, uma pia, sabonete líquido e papéis para secar a mão, que saem naqueles negócios com sensor de movimento.
Fiquei boa parte da tarde e da noite lá, mas o Luiz não quis ficar de madrugada e voltamos para casa. A intenção era descansar depois de um dia inteiro de correria, mas a verdade é que a gente quase não conseguiu dormir. Pelo menos ficamos quentinhos – meu sogro morreu num dos fins de semana mais frios e chuvosos do ano, o que deu ao seu funeral uma cara ainda mais triste. Minha cunhada e minha sogra ficaram lá a noite toda, assim como alguns outros parentes. No meio dessa madrugada insone, lá pelas 3h, minha cunhada precisou ir ao banheiro. Saiu da capela, passou pela recepção e foi ao banheiro. Tudo silencioso e vazio. Enquanto estava no reservado, ouviu um barulho. Era o sensor de papel, liberando dois papéis toalhas. “Que estranho”, ela pensou, “quem será que entrou aqui só pra pegar papel toalha?”. Sem dizer que ela não havia ouvido o som da porta. Quando saiu do banheiro, não havia ninguém, só as toalhas liberadas. Lavou as mãos, secou com as toalhas que estavam ali e perguntou na recepção se alguém fora no banheiro depois dela. Ninguém. Ou alguém.