O amor que se espalha por todo ambiente

Eu pensei em colocar isso em alguma história, num conto, mas seria o punch mais sem graça do mundo. E o que é pior: moralista. Então a única maneira de não soar assim é falar disso na primeira pessoa, contar a verdade.

Mesmo nas minhas fases mais “científicas”, eu nunca deixei de conhecer pessoas místicas. Digamos que é algo a meu respeito que tentei muito me afastar, mas nunca tive sucesso. Ao mesmo tempo, sempre tive facilidade de ter amizade com ateus (os legais que não ficam te chamando de idiota por não ser, claro), porque meu temperamento, digamos assim, parece mais com o deles do que com o pessoal das místicas. Eu sou do tipo que ouve na segunda conversa sobre o contato da pessoa com ETs. Tenho amigos que tem uma intimidade com o “outro lado” que pra eles nem existe lado nenhum, é tudo a mesma coisa. Quantas giras eu já assisti e as pessoas do meu lado têm que ficar se segurando na cadeira pra não incorporar, ou que perceberam que havia coisas especialmente incríveis aquele dia, e euzinha só fico achando o batuque interessante. A verdade é que eu sou terrivelmente estável, como um bonequinho que você recorta e só munda o fundo – eu sou sempre a mesma, em todos os cenários.

O que eu senti aquele dia é esquisito justamente porque não sou uma pessoa que fica sentindo ambientes por aí, muito menos ainda quando vou comprar fruta. Explico: a pandemia e a necessidade de achar uma Pet Shop perto de casa me fizeram passar a frequentar um mini-centrinho. Anos morando naquela região e eu não fazia ideia de que havia uma parte de comércio barateza ali por perto. Passei anos achando que a minha única opção de comércio era uma padaria cara que tinha subindo a minha rua. Durante a pandemia, abriu um hortifruti entre a minha casa e a padaria. E é isso. Diziam que havia um comércio “pra lá”, apontando pra uma rua sem saída e uma região onde eu nunca passava porque não era caminho. Quando tive que procurar uma clínica pra operar a Dúnia, descobri que a rua sem saída tinha um caminho que passava pelo meio do mato e foi aí que meus horizontes se expandiram e achei o tal comércio, clínica, comércio barateza, Pet Shop e, como contarei agora, mais um hortifruti.

Dava uma meia hora pra ir e pra voltar pro Pet Shop, o ponto mais distante da minha caminhada. Eu gostava de ir sem pressa, olhava as lojas, as pessoas, esfriava a cabeça. Eu estava voltando com o pacote dos ossinhos e acho que até parei num supermercado pra comprar uma coisinha. Sabe aqueles dias que você está enrolando e não quer voltar pra casa ainda? Olhei de longe uma casinha meio feia, toda aberta, e umas frutas em promoção na frente. Estava sempre muito bem provida de frutas, mas aquelas estava bonitas, em promoção e tal, resolvi entrar. O lugar era muito simples. Uns dois ou três cômodos bem abertos, balcões com frutas, paredes de alvenaria nuas. Um homem sozinho estava atrás de um balcão feioso e acho que assistia TV. Eu peguei minhas frutas e, quando fui falar com ele, eu senti um amor tão grande, talvez o maior de toda a minha vida. Não que eu tenha sentido amor por ele, eu senti um amor imenso no ambiente. Aquele homem tinha uma vibração de amor tão grande e tão palpável que eu senti imediatamente e fiquei sem palavras. Era um dia normal, nem frio e nem quente, sem chuva. Eu não estava em crise, inferno astral, passando por processo terapêutico, nada. Não havia nada demais na aparência dele, era um homem com cerca de cinquenta anos e feições árabes. Ele viu que uma das frutas que eu peguei estava feia e trocou por outra. Era tudo tão simples e ele parecia gostar das frutas, gostar de trabalhar com comida, não sei. Lidar com alimento é algo sagrado, pensei. Conversamos um pouco, ele foi gentil, mas também nada demais. Até teria prolongado a conversa, mas não tinha porquê. Eu saí de lá tocada como quem viveu uma experiência mística.

Era meio fora de mão, então levei pelo menos um mês para voltar. Tentei ir com espírito científico, sem expectativas, e senti exatamente a mesma coisa – um amor imenso que preenchia todo ambiente. O que fazemos quando encontramos alguém assim? Eu fiquei pensando que, por ser meio árabe, quem sabe ele tenha atingido um estado de bhakti yoga (yoga devocional) muito forte. Era um pai de família, pensei que bacana deve ser ter um pai assim, um marido assim, um vizinho assim. Será que eles sabiam, ou será que viam apenas alguém que tinha um hortifruti feioso? Não seria possível, chegar perto dele e não sentir. Eu me perguntei se o correto era falar alguma coisa, mostrar que eu percebia quem ele era, mas tudo o que eu pensei me soou muito infantil – um pai de família, vendendo frutas e vem uma louca e diz que ele deve ser um grande devoto. Não alteraria a vida dele em nada e me deixaria com vergonha pra voltar lá outro dia. Ele me tratou com a mesma gentileza-educada-porém-nada-demais de antes, comprei minhas frutas e fui embora. Semanas depois, eu me mudei.