Estava falando no twitter com a
Fal sobre a quantidade de cursos e pós que existem hoje em dia. Que eu meio que soy contra. Primeiro porque acho que tempo em casa, relaxado, também é útil e filosófico. Pra aprender as coisas é preciso tempo pra requentar, olhar para o teto, estar com a família. Depois, porque vejo que muitos desses cursos são apenas papéis, títulos, linhas pra colocar no currículo. Aulas de porcaria para alunos que não estão nem aí pro conteúdo. Pra um idiota qualquer contar a quantidade de cursos e achar que isso prova alguma coisa sobre a vida profissional de alguém.
Aí lembrei de uma história, do tempo que eu fazia psico.
Bem, já disse que
entrei no curso de psico pobre e ferrada. Continuando a história, na grade do curso dizia que eu teria aulas de manhã e de tarde, o que não era verdade. Eu tinha aulas à noite também. A cada semestre minha grade horária mudava totalmente e algumas aulas eram na Santos Andrade, outras na Reitoria e no início do curso tinha umas no Centro Politécnico. Ou seja, era semi-impossível arranjar um emprego, porque empregador nenhum tinha saco pra tanta irregularidade. Apesar disso, eu fui secretária uma época. E fiz vários estágios (quase nunca remunerados), do primeiro ao último ano de curso.
Como a maioria das ciências humanas, dá pra dizer que não existe A Psicologia. Existem várias linhas, que partem de pressupostos diferentes, têm objetivos diferentes, que enxergam o homem de maneira diferente. Como é bem típico meu – e só fui descobrir mais tarde -, eu me interessava por tudo e não era capaz de abraçar nada. Porque achar uma linha interessante não me impedia de ver os limites dela e eu simplesmente não conseguia ignorar os defeitos, dogmatizar. O curso ia rolando, as pessoas virando psicanalistas, comportamentais, junguianas, sistêmicas e eu lá, me interessando por tudo e por nada. Algumas coisas soavam bem em teoria e eram ruins na prática, outras tinham uma proposta radical na teoria e uma prática convencional, algumas eram tão difíceis de aplicar que se tornavam inviáveis… Uma das linhas que despertou minha simpatia, talvez por tê-la conhecido através de um autor muito bom, foi a
Bioenergética.
Na mesma época que me interessei por bioenergética, duas amigas bem chegadas começaram a fazer curso de formação justamente nisso. Era um curso que durava dois anos e se não me engano tinha um fim de semana por mês de aulas. No final do curso, elas estariam aptas a serem terapeutas de bioenergética. Eu fiquei com vontade mas de jeito nenhum podia pagar o curso. Já era difícil estar na faculdade e me faltava dinheiro até para o xerox. De maneira semelhante, quis fazer curso de
Neuropsicologia e não tinha dinheiro, de
Psicodrama e não tinha dinheiro, e pra qualquer psico-curso pago eu não tinha dinheiro. E tudo era pago, acredite. Até alguns estágios eram pagos (isso mesmo, o aluno pagava pra ter a honra de fazer estágio). O autor interessantíssimo dessa linha, que servia de base para todo o curso, era
Alexander Lowen. Me conformei em não fazer curso de formação, mas eu realmente queria estudar a bioenergética. Pedi para minhas amigas me mostrarem a biografia do curso e li sozinha os livros que estavam indicados.
Um dia, depois de ter lido os livros, fui procurar minhas amigas com uma dúvida. Era uma coisa que o livro não explicava, então imaginei que elas que estavam aprendendo as coisas na prática, de maneira mais avançada, poderiam me responder. Ou perguntar pra algum professor. Até vou reproduzir a dúvida aqui:
– No livro diz que o tipo esquizo têm a parte superior do corpo diferente da inferior, que tanto pode ser cheia em cima e magra embaixo como o contrário. E que no tipo histérico, a parte de cima é magra e a debaixo pesada. Então, como distinguir esquizo com a parte debaixo pesada de um histérico?
Minhas amigas arregalaram os olhos. Disseram que elas não sabiam, que nem tinham se dado conta disso. Que elas não tinham lido os livros, que estavam acompanhando as aulas e o ritmo era do curso era mais devagar. Enfim, que:
– A partir de hoje a gente não vai te contar mais nada. Porque você nem está fazendo curso e já sabe mais do que a gente.
Como eram minha amigas, eu não levei à sério. Imagine, as mesmas amigas que iam comigo até a loja de doces comprar amendoim japonês. As que eu via como irmãs,
éramos um grupinho. Mas dito e feito: elas nunca mais falaram de bioenergética comigo. E me esconderam outras oportunidades, ao longo dos anos, para que eu não passasse na frente delas. Em conhecimento e experiência, claro, porque em certificados não precisava. Hoje elas estão bem, obrigada. Uma passou num concurso público e a outra é uma respeitada professora-doutora de duas grandes faculdades.
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