Talentosos

Eu li uma entrevista de um artista que ficou indignado quando uma crítica famosa disse que Van Gogh é Van Gogh por causa das cartas. Mas que aí ele leu, se encantou, e passou a concordar com ela. Aí eu me senti obrigada a ler. Eu era meio indiferente ao trabalho de Van Gogh, que conheço desde sempre, assim como a Mona Lisa. A crítica tinha razão, sem que isso queria dizer que Van Gogh é ruim ou mera publicidade. É que depois de ler as cartas, a gente tem vontade de encontrar com ele e chorar abraçados. Ele não é um desses filhos da mãe que começam uma atividade e ela lhe sai natural, com um talento luminoso que ninguém duvida. Acho que a maioria dos artistas sente sua aptidão como um amor não correspondido, que somos muito mais apreciadores sensíveis do que realmente talentosos (como disse a Moleskine, aqui). Ele, como nós, sente que

E as vezes nos falta o desejo de nos relançarmos em cheio na arte e de nos estabelecermos para fazê-lo. Sabemos que somos cavalos de carga, e sabemos que será novamente a mesma carga que teremos que levar. E então perdemos a vontade, e preferíamos viver numa campina ao sol, um rio, a companhia de outros cavalos também livres, e o ato de procriação.
E talvez, no fundo, a doença venha um pouco disto, não me surpreenderia. Não mais nos revoltamos contra as coisas e também não nos resignamos, ficamos doentes e isto nunca passará, e precisamente isto nós não conseguimos remediar.
Não sei quem chamou este estado de: estar atingido pela morte e pela imortalidade. A carga que arrastamos deve ser útil a pessoas que não conhecemos. E aí está, se acreditamos numa arte nova, nos artistas do futuro, nossos pressentimentos não estão errados. (….) E nós que, pelo quanto sou levado a crer, não estamos de modo algum perto de morrer, sentimos contudo que a coisa é maior que nós, e mais longa do que nossa vida.

Ou, de maneira menos poética:

Frequentemente me aflige que a pintura seja como uma amante ruim que tivéssemos, que gasta, continua gastando, e nunca está satisfeita, e me ocorre dizer que, se por acaso de tempos em tempos há um estudo razoável, seria muito mais barato compra-lo de outro.

Cartas a Theo, p. 248

Eu lembrei desse trecho quando o Ulisses falou que ele não é um bom bailarino. Mesmo assim, ele dança há quase dez anos. Eu não tenho condições de falar “deixe de modéstia, você é ótimo”, porque nunca vi, não sei. E o fato dele dançar há tanto tempo também não garante que ele seja talentoso, apenas que é um apaixonado. Mas ele, eu e tantos outros persistimos só por isso. Há dias em que nos sentimos expressivos, elegantes, maravilhosos. Mas essa crença é facilmente desmentida quando erramos, alguém ao lado faz com facilidade o que nos parece difícil, surge um novo talento, vemos outros ou a nós mesmos num video. Caímos então num fosso, no fosso do medo da falta de talento, e lamentamos esse amor que nos suga a paz de espírito. Que seria muito mais fácil simplesmente não ter começado, muito mais lógico dar as costas a tudo isso e seguir nossa vida, sermos meros expectadores. Mas nós não embora. Nunca, nunca, nunca.

4 x 7

A Anne adaptou o meme e eu resolvi adaptar também. Respondi apenas os itens onde consegui listar 7 coisas e deixei o resto (muita coisa) de fora. Também não vou passar pra ninguém, responde aí se você quiser.

7 coisas pra fazer antes de morrer
1. Viajar pela Europa com o Luiz 2. Me mudar de Curitiba 3. Aprender a tocar cello 4. Voltar a esculpir 5. Arranjar um irmãozinho pra Dúnia 6. Ser regularmente remunerada por algo que faço 7. Ler alguma coisa do Bolaño.

7 coisas que mais digo
1. Affe! 2. Virge Mary! 3. Ploft. 4. Então tá então. 5. Merda. 6. Guay! 7. Comassim, Bial?

7 defeitos meus
1. Rancorosa 2. Intolerante 3. Impulsiva 4. Compulsiva 5. Inconstante 6. Insegura 7. Orgulhosa 8. Perfeccionista 9. Ansiosa 10. Excesso de auto-crítica…

7 coisas que amo
1. Minha casa, minha vida, meus amores. 2. Escrever. 3. Pão com manteiga. 4. Fazer algo inédito. 5. Estar em movimento. 6. Ficar sozinha 7. Rir.

Beleza escatológica

Casamento é compartilhar.

– Luiz, hoje de manhã eu fiz um cocozão tão ão, mas tão ão, que ele era até bonito. Quase tirei uma foto pra te mostrar.
– (balança a cabeça com ar de reprovação) Uma foto, do cocô?
– É, pra você ver o cocozão. Não era um cocô qualquer, era um cocô bonito. Pensei também em deixar ele lá, mas até a hora que você chegasse ele já teria se desfeito.
– (indignado) E como é que um cocô pode ser bonito?
– Ele era assim (mostra com as mãos) comprido, grosso, de um tom de marrom todo uniforme…

Casamento é aprendizagem.

Curso

Estava falando no twitter com a Fal sobre a quantidade de cursos e pós que existem hoje em dia. Que eu meio que soy contra. Primeiro porque acho que tempo em casa, relaxado, também é útil e filosófico. Pra aprender as coisas é preciso tempo pra requentar, olhar para o teto, estar com a família. Depois, porque vejo que muitos desses cursos são apenas papéis, títulos, linhas pra colocar no currículo. Aulas de porcaria para alunos que não estão nem aí pro conteúdo. Pra um idiota qualquer contar a quantidade de cursos e achar que isso prova alguma coisa sobre a vida profissional de alguém.

Aí lembrei de uma história, do tempo que eu fazia psico.

Bem, já disse que entrei no curso de psico pobre e ferrada. Continuando a história, na grade do curso dizia que eu teria aulas de manhã e de tarde, o que não era verdade. Eu tinha aulas à noite também. A cada semestre minha grade horária mudava totalmente e algumas aulas eram na Santos Andrade, outras na Reitoria e no início do curso tinha umas no Centro Politécnico. Ou seja, era semi-impossível arranjar um emprego, porque empregador nenhum tinha saco pra tanta irregularidade. Apesar disso, eu fui secretária uma época. E fiz vários estágios (quase nunca remunerados), do primeiro ao último ano de curso.

Como a maioria das ciências humanas, dá pra dizer que não existe A Psicologia. Existem várias linhas, que partem de pressupostos diferentes, têm objetivos diferentes, que enxergam o homem de maneira diferente. Como é bem típico meu – e só fui descobrir mais tarde -, eu me interessava por tudo e não era capaz de abraçar nada. Porque achar uma linha interessante não me impedia de ver os limites dela e eu simplesmente não conseguia ignorar os defeitos, dogmatizar. O curso ia rolando, as pessoas virando psicanalistas, comportamentais, junguianas, sistêmicas e eu lá, me interessando por tudo e por nada. Algumas coisas soavam bem em teoria e eram ruins na prática, outras tinham uma proposta radical na teoria e uma prática convencional, algumas eram tão difíceis de aplicar que se tornavam inviáveis… Uma das linhas que despertou minha simpatia, talvez por tê-la conhecido através de um autor muito bom, foi a Bioenergética.

Na mesma época que me interessei por bioenergética, duas amigas bem chegadas começaram a fazer curso de formação justamente nisso. Era um curso que durava dois anos e se não me engano tinha um fim de semana por mês de aulas. No final do curso, elas estariam aptas a serem terapeutas de bioenergética. Eu fiquei com vontade mas de jeito nenhum podia pagar o curso. Já era difícil estar na faculdade e me faltava dinheiro até para o xerox. De maneira semelhante, quis fazer curso de Neuropsicologia e não tinha dinheiro, de Psicodrama e não tinha dinheiro, e pra qualquer psico-curso pago eu não tinha dinheiro. E tudo era pago, acredite. Até alguns estágios eram pagos (isso mesmo, o aluno pagava pra ter a honra de fazer estágio). O autor interessantíssimo dessa linha, que servia de base para todo o curso, era Alexander Lowen. Me conformei em não fazer curso de formação, mas eu realmente queria estudar a bioenergética. Pedi para minhas amigas me mostrarem a biografia do curso e li sozinha os livros que estavam indicados.

Um dia, depois de ter lido os livros, fui procurar minhas amigas com uma dúvida. Era uma coisa que o livro não explicava, então imaginei que elas que estavam aprendendo as coisas na prática, de maneira mais avançada, poderiam me responder. Ou perguntar pra algum professor. Até vou reproduzir a dúvida aqui:

– No livro diz que o tipo esquizo têm a parte superior do corpo diferente da inferior, que tanto pode ser cheia em cima e magra embaixo como o contrário. E que no tipo histérico, a parte de cima é magra e a debaixo pesada. Então, como distinguir esquizo com a parte debaixo pesada de um histérico?

Minhas amigas arregalaram os olhos. Disseram que elas não sabiam, que nem tinham se dado conta disso. Que elas não tinham lido os livros, que estavam acompanhando as aulas e o ritmo era do curso era mais devagar. Enfim, que:

– A partir de hoje a gente não vai te contar mais nada. Porque você nem está fazendo curso e já sabe mais do que a gente.

Como eram minha amigas, eu não levei à sério. Imagine, as mesmas amigas que iam comigo até a loja de doces comprar amendoim japonês. As que eu via como irmãs, éramos um grupinho. Mas dito e feito: elas nunca mais falaram de bioenergética comigo. E me esconderam outras oportunidades, ao longo dos anos, para que eu não passasse na frente delas. Em conhecimento e experiência, claro, porque em certificados não precisava. Hoje elas estão bem, obrigada. Uma passou num concurso público e a outra é uma respeitada professora-doutora de duas grandes faculdades.

No armário

Um dia olhei para o meu passado e percebi que sempre tive amigos gays, embora nunca tenha dado preferencia a baladas gays e nem levantado qualquer bandeira. Como disse uma vez a Fal, acho muito esquisito quem fala “o meu amigo gay”, como se fosse um acessório, uma bolsa. Eu era amiga do Juan, do João, assim como hoje sou amiga do André. Eles serem gays é apenas uma de suas características. E eu sei que é dessa forma que o Luiz enxerga meus amigos, porque ele mesmo não tinha convívio com gays antes de me conhecer. Aconteceu naturalmente: quando ia me buscar, quando conhecia quem trabalhava comigo ou encontravamos meus amigos numa festa, lá estava algum gay. Alguns mais simpáticos ou sérios ou engraçados do que os outros, como quaisquer pessoas.

Situação difícil mesmo eu fico com os gays não assumidos. Oras, depois de tanto tempo de convívio, meu gaydar é ótimo e o do Luiz consegue ser ainda melhor. Nós não precisamos que um homem comece a rebolar e falar “amapoammm” pra saber que ele é gay. Em geral, bastam alguns segundos. Com gays, especialmente na hora de dançar, eu me sinto mais livre pra chegar perto, tocar, olhar no olho, deixar que encoste em mim – dá pra sentir quando alguém faz isso sem desejo. E o Luiz não tem ciúmes de quem não se interessa por mim. Só que teoricamente às vezes eu faço isso com um hetero… Nada contra, cada um sabe o que fazer e o que dizer da sua vida. Se alguém se finge de hetero perto de mim, eu finjo que acredito. Um dia o Luiz chega num ensaio, numa conversa ou me vê tirando foto, e me perguntam: “Mas… o seu marido não se importa, ele não vai se aborrecer?” – minha vontade é responder: “Que nada, bee, ele não tem ciúmes de quem é do babado!”

Uma sucessão de problemas

São duas professoras e não têm parentes aqui em Curitiba. Uma delas, solteira, vivia com os pais de mais de oitenta anos e a mãe com a saúde muito comprometida. A outra, casada, estava sempre por perto da mãe. Na mesma época, o pai da solteira foi diagnosticado com câncer de próstata e a mãe da casada precisava tirar o útero. Só que poucas pessoas souberam do caso do câncer. Ela contou para quem interessava e algumas pessoas de confiança, desmarcou as aulas, sumiu por uns tempos e depois voltou. A casada contou o problema para todos a sua volta, com os aspectos médicos envolvidos, ressaltou o quanto ela é sozinha, que tudo fica nas costas dela, o prejuízo que teria desmarcando as aulas, o incômodo, etc. Quando voltou, ressaltou a amiga maravilhosa que mandou sopa, as alunas atenciosas que mandaram cestas de café da manhã, as pessoas educadas que ligaram e umas (eu, por exemplo) foram decepcionantes e insensíveis ao extremo por se conformarem em receber notícias por terceiros. O câncer do pai da outra? Ela nem registrou, estava muito ocupada.

E todo ano é assim, todo ano o destino apronta uma morte, uma operação, um problema de saúde, uma correria com marido, filho, parentes próximos ou distantes. Os períodos de calmaria são sempre curtos. Mesmo cursos interessantes têm o ônus de desmarcar coisas, sair correndo, custar caro e nunca trazem o reconhecimento que deveriam até mesmo por parte dos alunos. Por tudo isso, ela precisa sempre de muitas orelhas, muitos confidentes e apoio porque uma vida atribulada dessas não é fácil. Aquela professora solteira do início da história um dia falou, na tentativa de dar um toque: “Na sua vida tudo está sempre ruim, você está sempre cheia de problemas, né?”. Como resposta, obteve um sentido – “Sim, minha vida é uma sucessão de problemas”.

Se não aguenta, por que veio?

Estava tudo bem – eu e mais uns quinze dançariamos uma coreografia grande, trabalhada há meses, com algumas trocas de lugares. Tinha gente das duas turmas de básico e alguns do intermediário. Aí o espetáculo foi chegando perto e surgiu mais uma turma de básico, com apenas duas bailaoras, com uma outra coreografia. Uma entrada curtinha com mudanças interessantes de fluxo, imediatamente anterior à nossa entrada. Eu achava a coreografia bonita e tentava aprender, de longe. Pouco mais de uma semana antes do espetáculo, a professora disse que eu poderia pedir pro professor me ensinar, e se eu pegasse a coreografia a tempo poderia me apresentar com elas. Várias pessoas gostaram da idéia e a coreografia que só tinha duas pessoas passou a ter cinco. O sentimento de felicidade foi pequeno comparado ao stress, a responsabilidade e meu perfeccionismo psicótico. Passei a ir todos os dias na escola, pra ensaiar com as duas turmas. Antes eu nem estava ligando pro espetáculo – agora passei a ter insônia, intestino desregulado, crises de insegurança e passo dias inteiros surtada, sapateando em casa, no ponto de ônibus, em qualquer lugar e momento.

Tivesse ficado quietinha no meu canto e estaria feliz, dançando no meio da multidão. Mas não: eu queria mais. Consegui e agora estou desse jeito. Eu vim, agora tenho que mostrar que aguento.

PS: Escrevi esse texto na noite de quarta, no auge do desespero. No dia seguinte estava cansada (surtar esgota!) e com a cabeça mais fria. Coloquei em prática uns conselhos de um amigo, botei fé num detalhe que não tinha entendido e o passo sa-i-u. Depois de dias de luta, de repetição exaustiva, o meu corpo finalmente entendeu. Gostaria de saber explicar em palavras essa característica gritante da inteligência corporal – a coisa é ou não é. E agora finalmente é.

Dos cantantes de España

Eu antes tinha um orgulho bobo, não sei se nacionalista, de não dar valor à cultura latina. Aí aprendi espanhol pra valer – no convívio com latinos e espanhóis – e percebi que quem sai perdendo com isso somos nós. Somos uma ilha. Nossos vizinhos lêem livros de editoras de vários países; nós temos poucas editoras e nem nos beneficiamos com as edições portuguesas, porque são penosas de ler. Isso sem falar das viagens, da arte, da música, do humor. Desde então, passei a garimpar o universo de em castellano que existe lá fora.

O contato com um amigo espanhol me fez conhecer duas excelentes cantoras, muito conhecidas… pra quem fala espanhol. Vejam como foi interessante: ele colocou esta música e esta música no facebook dele. Eu ouvi, me encantei, coloquei no meu. O Alessandro ouviu, se encantou, colocou no facebook dele. Amigos dele se encantaram e colocaram nas suas páginas. Pra você perceber o quanto ela é boa. Com vocês, Bebe, uma cantora do norte da Espanha:
Num outro tom, com forma de cantar, está Chambao. Aldaluza, nos soa oriental e moderninha. Confesso que Bebe é mais o meu gênero por suas letras e maneiras mais intimistas. Chambao tem uma batida mais dançante, sintetizada. Bebe a gente ouve trancado no quarto e Chambao ao sair com os amigos. A música que coloquei aqui me encanta por ser romantica, sensual, alegre e nem um tiquinho vulgar. Algo que parece impossível na atual música brasileira:

E o dueto delas é lindo, o encontro de duas pessoas que se gostam. A música que elas cantam lembra muito a música flamenca mais tradicional, até pelo uso do cajón. Viva España!

Jogo do curriculo

Eu nunca tomei um porre.
Eu já roubei travesseiro de avião.
Eu nunca calculo o troco sem olhar para as mãos.
Eu já fui a um show de funk.
Eu nunca cheguei perto de uma vaca.

Eu já gostei de carne tostadinha por fora e sangrando por dentro.

Eu nunca quebrei qualquer parte do meu corpo.
Eu já usei vermelho intenso com amarelo ovo numa roupa. E os anos 80 já tinham passado.
Eu nunca dei uma segunda chance depois de ter terminado.
Eu já fui considerada gorda e anoréxica mais ou menos com o mesmo peso.
Eu nunca fui a um velório.
Eu já rasguei lente de contato dentro do olho.
Eu nunca gostei de Legião Urbana.
Eu já fui intimada a virar médium.
Eu nunca dormi com um homem de proporções ajumentadas no orgão sexual.
Eu já entrei num lugar onde não estava hospedada e tomei banho.
Eu nunca fui a uma festa de 15 anos.
Eu já fui chamada de “gênio da nova geração”.
Eu nunca tomei remédio de tarja preta.
Eu já tentei gostar de futebol.
Eu nunca pendurei poster de cantor ou banda no meu quarto.
Eu já me vi sozinha, sem falar a língua nativa e quase sem dinheiro.
Eu nunca fiz depilação à brasileira.
Eu já comi (a fruta) cacau.
Eu nunca disse não às drogas – ninguém nunca me ofereceu.
Eu já tive um rato de estimação.

Idéia da MarianaW, roubada e livremente adaptada pela Tina.

Erro

Alguns dos meus amigos nem sabem, enquanto outros tem a impressão de que eu entrei na faculdade e larguei. É porque eu nunca toco no assunto e realmente gosto que as pessoas ignorem que eu sou formada em psicologia. Sabe aquela pessoa sempre pronta a oferecer um ombro amigo e faz tudo para ajudar os outros? Então, essa não sou eu. Assim como não gosto de analisar os outros, não cito Freud, não saio por aí ditando regras. Um dos milhares de motivos que me fizeram abandonar a psicologia é justamente essa expectativa em torno dos psicólogos. Expectativa – justiça seja feita – criada por eles mesmos, que adoram ter as pessoas em volta pedindo conselhos.

Alguns acham que eu sou sensível porque sou psicóloga e que (no meu coração) eu nunca abandonei a área. Acreditar que alguém é sensível porque fez psicologia é o mesmo que acreditar que alguém é bom em matemática porque fez engenharia. Se elas vissem como os psicólogos reagem quando sabem que eu abandonei a área… Nenhum deles é indiferente; alguns falam mal de tudo o que eu fiz na vida, já teve gente contestando a validade da sociologia e a maioria conclui que foi até bom, porque não sou madura e iluminada o suficiente. Não que a coisa seja melhor entre não-psicólogos. Os místicos me acusam de não estar cumprindo minha missão na terra, que estou me recusando a ajudar as pessoas e que serei cobrada no meu post-morten. Tudo porque abandonei uma profissão com muito status em prol de coisas que as pessoas não levam tão à sério.

Foi no curso de sociologia que eu conheci o Alf. Ele toca violão, fotografa e é outro com esse comichão artístico. Outro que rasgaria o diploma e largaria tudo sem hesitar se tivesse chance de viver de arte. Só que ele tem o diploma com mais status do mundo: medicina.
– Pô, Alf, se eu já ouço um monte por ter abandonado a psicologia, imagina você! A profissão mais nobre que existe, a profissão que salva vidas!

Ele me contou das viagens que fez, para fora do Brasil e para as regiões mais pobres do Brasil, as portas fechadas dentro da própria família quando manifestou a vontade de não ser mais médico, as muitas tentativas. Não sei dizer para onde a conversa foi, porque o Alf é daquelas pessoas que você resolve dar um oi e quando percebe já está há quase uma hora de pé, no meio do caminho. Nessa conversa ou em outra, falei

– Quanto tempo a gente perdeu, né? Escolhendo um curso errado, nos arrependendo. Se lá na época do vestibular a gente já tivesse clareza de quem é…
– Hum… Eu acho que não, que não poderiamos fazer diferente. Quando a gente escolhe fazer vestibular, são tantos fatores envolvidos, tanta expectativa nossa e da família.

Realmente, minha vida não era fácil quando decidi fazer psicologia. Claro que eu gostava de muitas coisas, praticamente todos os cursos de ciências humanas me atraiam. Na minha família, ter curso superior nunca foi uma escolha. Todos meus primos eram formados, todos meus tios eram formados, até minha vó era formada. Minha mãe era formada em duas faculdades, mas não contava muito porque naquelas alturas ela já havia se tornado A Pobre. A que recebia ajuda, a que tinha colocado os filhos em escola pública, a que nunca jantava fora, a que não tinha casa quitada, quanto mais casa na praia. A única dos seis irmãos que não seria aceita no Curitibano. Se eu virasse mãe solteira, ou drogada ou não entrasse na faculdade e nunca fosse ninguém na vida, não seria propriamente um choque. Porque eu não era como meus primos, talhados para carreiras de sucesso. Nem ao menos como meu irmão, praticamente adotado pelos meus tios. Se eu fizesse filosofia, todos diriam “que bom, pelo menos ela vai ter algum diploma”.

Não, eu precisava fazer psicologia.

Sorvete de creme

De todos os sabores do mundo, sem dúvida o sorvete de creme está entre os mais dispensáveis. Pra começar, que sabor é o creme? Nenhum, não existe fruta creme. Se creme for aquelas coisas que a gente coloca em coberturas, geralmente só para fazer uma nuvem fofa, a resposta continua a mesma: creme não tem gosto nenhum. No máximo é algo doce. O que é meio básico, porque não estamos no Japão pra tomar sorvete salgado. Como se não bastasse a simples ofensa do sabor creme existir entre os sorvetes, criou-se o hábito de acrescentar uma bola de sorvete de creme junto com as sobremesas. Sempre a de creme, como se outros sabores não fossem nobres o suficiente. O valor da sobremesa com uma misera bola de creme é quase o valor de um pote de sorvete. Não vale a pena. Além de acrescentar calorias inúteis, o sorvete diminuirá o prazer da sobremesa. Aquela bola derretendo nos leva a comer mais rápido.

Falta aqui uma frase de efeito para concluir o texto. Mas isso não é uma campanha, e sim um post leve para manter o equilíbrio do blog.

Selo Dardos

Selos de blogs são por puro merecimento. Nada te impede de entrar na página de alguém, copiar e colocar no blog. Da mesma forma que nada impede uma pessoa de entrar numa loja e mandar gravar o seu nome numa medalha… O meu troféu-selo eu ganhei da Borboleta (clica lá, porque a entrega foi linda): Prêmio Dardos, que é um

reconhecimento aos ideais que cada blogueiro emprega ao transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais etc., que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, e suas palavras. Esse selo foi criado com a intenção de promover a confraternização entre os blogueiros, sendo uma forma de demonstrar o carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web.

Óia as regras:

1. Exibir a imagem do selo no blog;
2. Revelar o link do blog que me premiou;
3. Escolher blogueiros pra premiar;

Regra 2 ok. Regra 1 semi Ok. Sou bem burrona pra mexer aqui. Só sei fazer as coisas que vem mastigadinhas, no blogger. Não sei colocar selo na barra lateral. Já tentei colocar outras coisas e não foi. Então vai ter que ser só nesse post mesmo, uma pena.

Regra 3 – tentarei ser inesperada. Mesmo porque eu sei que o Alessandro, o Charlles e o Milton não colocariam selos nos blogs deles. Então escolhi outros três:

Chicuta – Por querer ser vilão, pela questão dos valores só que ao contrário.

Leonardo – Por estar sempre preocupado com a questão ética, colocando-a em perspectiva.

Anne – Pelas poesias, videos, citações em conta-gotas.

Tanta maturidade

“Como você é madura”. Eu era uma criança muito madura, uma adolescente muito madura. E os muitos adultos que me tornavam a caçula da turma sempre me disseram isso, como um elogio. Mas eu desconfiava que não era tão bom. Não pra mim, pelo menos. Quando olho para trás, não consigo deixar que em cada uma das vezes que fui elogiada, ajudei o clima a se manter bom e todos dormirem em paz quando talvez não devessem. Ser chamada de madura era o prêmio que me davam por facilitar as coisas pros outros e sofrer as consequencias sozinha.

Meu sogro tem uma expressão ótima, algo como ” é só o trabalho de ficar e desficar”. Eu acho que a maturidade tem esse lado, quando a gente percebe que só vai ter o trabalho de se irritar, sofrer, espernear e que tudo voltará ao normal depois. Não que não deva, não que não faça parte da natureza humana. Mas aí se decide economizar o caminho do drama a tal ponto de tentar ignorar que algo aconteceu. Se é para se aborrecer, que seja apenas de um dia para o outro. Pra na manhã seguinte chegar com o sapo digerido, tão educado e eficiente quanto antes. É o que todos os outros maduros esperam – afinal, todos engolimos sapos, dos mais variados tamanhos e sabores, o tempo todo. Cobrar maturidade tem essa face, de exigir dos outros a mesma crueldade que já praticamos conosco.

Artista

Eu não sei como é ser diferente, uma certa pretensão artística sempre me acompanhou. Por motivos que não adianta lamentar, eu jamais tive oportunidade, quando criança, de fazer qualquer curso. Se você parar para pensar, nas grandes áreas artísticas a pessoa sempre deve ter começado na infância; imagine minha situação. Tenho paixão por piano e inveja declarada a todos aqueles que sabem tocar qualquer instrumento musical. Eu tentei tocar piano durante a faculdade, pagando com dinheiro de estágio. Mas estágios chegam ao fim… Eu era uma criança que desenhava bem; hoje dá pra dizer que eu sei copiar, que sei olhar como desenhista. E talvez seja esse olhar que tenha me tornado uma escultora rápida. Eu sentava na frente do barro e depois de umas três horas intensas de trabalho a escultura estava quase pronta. Aí eu deixava o trabalho descansar para vê-lo de outra forma no dia seguinte. Mais algumas horas e fim. Há poucos anos surgiu a dança. Passei por ballet, moderno, contemporâneo e agora estou no flamenco. Não sei medir meu grau de aptidão; sei que o prazer que sinto é tão grande que se mistura com quem eu sou.

Mas a vida… a vida é uma caixinha de surpresas. Apesar de todo meu esforço, minha paixão e possível talento, nenhuma dessas atividades deu frutos. Um dia fiquei definitivamente sem dinheiro e não pude mais pagar a escola de piano; até tinha um amigo disposto a me dar aulas de graça, mas eu não tinha onde estudar. Minhas esculturas foram para várias exposições, já encantaram muitas pessoas por fotos e pessoalmente, mas jamais consegui vendê-las. Parei de fazer por falta de espaço; o número delas tem diminuido somente porque comecei a presentear as pessoas. Não sei o que me aguarda na dança; só sei que sempre pagarei para dançar. Porque os custos – transporte, estadia, figurino, divulgação, etc- todo ficam a cargo do bailarino; os lugares apenas cedem o espaço. As pessoas se apresentam apenas pelo prazer de mostrar seu trabalho.

Em todas as minhas atividades, sempre quis dizer algo. Acho que o objetivo da arte é atingir as pessoas, transmitir algo, emocionar. No fim das contas, todas as formas de manifestação artística que escolhi foram quase escondidas – pouca gente soube, pouca gente viu. Minha única atividade que disse algo para alguém sai tão simples e natural que custei a dar valor: minha escrita. E a pessoa a quem atinjo é você, leitor.

Cordélia – Os primeiros
não somos a ficar sobre braseiros
com boas intenções. Rei oprimido,
por ti, somente, falta-me o sentido,
que eu, por mim, poderia, carrancuda,
enfrentar as carrancas da Fortuna.
Tais irmãs e tais filhas não veremos?

Lear – Não, não, não, não! Levai-nos para o cárcere.
Nós dois, sozinhos, cantaremos como
pásssaros na gaiola. No momento
de a benção me pedires, eu me ajoelho
e te imploro perdão.

Shakespeare/ Rei Lear, Ato V cena III

Minha filha

Estávamos numa pet shop, comprando ração. Me interesso por um stand que penso ter amostra grátis de ração super premium. Adoro levar amostra grátis de ração super premium. Eis que surge por detrás dos pacotes vermelhos uma mulher toda de vermelho:

(Eu) O que é isso?

(Mulher de vermelho) É que estamos fazendo uma super promoção de Doguitos. Todos pela metade do preço.

(Eu) Ah! E quanto está?

(MV) Qualquer pacote por não-lembro-quantos reais.
(Eu) Hum, não seria má idéia. Faz tempo que a gente não compra um desses para a Dúnia.

Começo a apalpar os pacotes, em busca da melhor relação custo-benefício:

(MV) Temos esse em formato de costelinha, que eles adoram. Tem o canudinho, que eles também adoram. Esse é o tablete, que faz muito sucesso. É como se fosse um churrasco pra eles. Chega fim de semana a minha filhinha já fica feliz, sabendo que nós comemos a nossa carne e damos essa pra ela.

Olho de novo pra mulher e comprovo que apesar de ser mais baixa e magra do que eu, já está passada dos 40.

(Eu) Er… Eu acho que vou ficar com esse aqui, de costelinha.
(MV) Ah, ela vai adorar. Um petisco de costelinha, ainda mais vindo da mamãezinha dela.

É assim mesmo?