Eu nunca fui do time que achou que não existiu ditadura, eu fui criada numa casa onde se ouvia Chico Buarque e se explicava que eram músicas de uma época que não se podia falar abertamente, que notícias eram substituídas por receitas de bolo, que pessoas sumiam e reapareciam “suicidadas”. Por isso, nunca senti necessidade de ler sobre a ditadura. Mas estou sempre lendo alguma coisa, e passo por períodos maníacos que leio, vejo e pesquiso tudo possível sobre o mesmo assunto. Meus interesses me levaram sem querer à década de 50, e me vi fã de toda aquela época. O Brasil bombava como destino turístico chique, bombava com bossa nova, mandava Carmen Miranda pra fora, descobria o samba da melhor qualidade dentro, construía Brasília, recebia grandes pesquisadores. Era tudo tão legal que eu quis saber porquê deixou de ser tão legal, o contraste entre aquele Brasil de 50 e o Brasil que eu nasci que sempre se odiou era muito grande. Fui pela lógica: se era assim em 50, a resposta está em 60. Foi aí que eu caí no período militar. Escrevi no FB: amigos, o que devo ler para entender o golpe de 64? Foi assim que cheguei ao As Ilusões Armadas, a série de 5 livros de Élio Gáspari. Achei os 4 primeiros na Biblioteca e o último volume teve que esperar pela compra do Kindle.
Os livros são interessantes, bem escritos, consistentes; a série é um clássico, basta ver as críticas. Durante a leitura me aconteceu algo que jamais havia me acontecido na vida: eu passei a ter pesadelos, como se eu visitasse os locais. Lembro do pior deles, logo depois de ter lido sobre o Araguaia. Havia uma pessoa que iam matar, mas saiu uma ordem que cancelava. Acho que ele era enfermeiro. Lembrem-se que na época não existia celular, se a pessoa não estava do lado de um telefone, não tinha como avisar. Era uma questão de tempo – haviam saído atrás dele, outro saiu para tentar avisar que não era mais pra matar. Nos pesadelos, eu sempre chegava no local e não havia ninguém lá, a violência já havia acontecido e as pessoas foram embora. Mas o chão estava cheio de sangue. Poça no lugar onde a pessoa morreu, marcas do corpo que foi arrastado. A dor, os gritos, a violência. As paredes se lembravam e eu sentia tudo mesmo sem ver.
Nunca quis ser “especialista” em ditadura, li o livro pra mim, gosto da dura verdade. Existem muitos motivos que levam as pessoas a negar que tenha havido ditadura, ou que foi um preço necessário, ou que não foi tão violenta assim, ou que só foi violenta com uns poucos ou que mereciam. Acho que o que há de pior ao estudar este período é olhar o mal tal como ele é – o mal não precisa de Diabo, ele é humano e pode foi institucionalizado com cartilhas, especialistas e contracheques.
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