Cupido

Eu e o Luiz fomos apresentados. Uma amiga achou que nós éramos legais, bem humorados e inexplicavelmente sozinhos. Deu tudo muito certo e agora parece lógico que nós deveríamos ser apresentados. E se eu me queixasse que ele é muito baixinho e ele de que eu era muito mal vestida*? Ao invés de formar um casal, ela arranjaria dois problemas. Apresentar amigos, ainda mais como cupido, é muito arriscado. Agora eu sou a comprometida que deve arranjar alguém para as amigas solteiras. Problemas, problemas!

Virtualmente é muito mais fácil, porque as pessoas se unem mesmo sem querer. Quando eu era popular no orkut, uma pessoa via a fotinho da outra, achava interessante, visitava o perfil e depois vinha por meios secretos (msn ou testimonial) me pedir a ficha. Bastava puxar papo por scrap ou unir as duas num chat e estava tudo resolvido. Nem ficava sabendo o que tinha rolado. Apresentar pessoalmente não é discreto, e pode ser traumatizante para todos os envolvidos. Já tentei apresentar uma amiga a um amigo do Luiz, que sumiu sem mais explicações no dia do encontro. Imagine como foi longa aquela tarde para nós três…

Mais tardar semana que vem, lá vou eu dar uma de cupido de novo. Serei obrigada até a fazer uma aula, no melhor estilo não-me-deixe-só-durante-a-caçada. Esse cara nos pressiona há um tempão, iludido com a idéia de encontrar uma bailarina madura e solteira; já ela, recém-separada, gostou muito em saber que existe no mundo um homem alto, solteiro, saudável e empregado pronto para ser apresentado. Temos medo dele querer alguém mais gatinha (eles sempre querem as mais gatinhas, humpf!) e ela o considerar um brucutu. Ou não.

* Ah, a roupa do meu primeiro encontro! Cheguei em casa e me livrei de tudo.

Dilema del amor (cumbia epistemologica)

Eu tinha jurado pra mim mesma que não colocaria mais videos dos Luthiers aqui. Eu os adoro e cada dia encontro algo novo, mas sei que videos em espanhol não são muito populares. Mas, ó, este tem legenda!… em espanhol. Não resisti porque – além das referências filosóficas bacanas – ele é tão auto-biográfico! Era bem assim que eu fazia nos meus tempos de solteira… Agora dá pra entender melhor porque eu era encalhada?

Ex, igual e previsível

Minha ex-turma de faculdade vai fazer uma reunião para comemorar dez anos de formatura. Primeiro, eu fingi que não recebi e-mail. Aí encontrei uma ex-colega no ônibus e ela me avisou sobre o que eu fingi não saber, especificando data, horário e local. Ela falou que ia me inscrever na lista yahoo da minha ex-turma, que eu também finjo desconhecer. Dei meu e-mail verdadeiro a ela, porque sou péssima mentirosa e porque ela me acenou com a possibilidade de distribuir meu currículo. Como até hoje não recebi e-mail e nem convite, fingirei que esqueci a data (amanhã), a hora (meio dia) e o local (mesmo lugar onde a Cacau comemorou aniversário no ano retrasado) do encontro.

Nada contra minha ex-colega e nada contra a maioria dos ex-colegas. Digo o mesmo sobre ex-amigos e ex-namorados. É que não sou chegada em ex, qualquer tipo de ex. O problema de entrar em contato com ex é a previsibilidade. Reatar com um ex é bom e ruim sempre nas mesmas coisas. Tudo isso me entedia. Vi uma vez uma entrevista com o Luís Melo, onde ele dizia mais ou menos isso:

O melhor papel é sempre o próximo, deve ser sempre o próximo. Ficar marcado por um papel que você já fez, por melhor que tenha sido, corresponde à morte para um ator. Ele tem que se renovar, sempre.

Acho que na vida é assim também. De maneira mais poética:

Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir – é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida.
Apagar tudo o quadro de um dia para o outro, ser novo a cada nova madrugada, numa revirgindade perpétua da emoção – isto, e só isto, vale a pena ser ou ter, para ser o que imperfeitamente somos.
Fernando Pessoa/ Livro do desassossego, p.124

Cartas

Nesses dias de calor, assim que chego em casa gosto de tirar quase tudo. A rua é tranqüila e não sou especialmente neurótica pra achar que meus vizinhos vão se esforçar pra ver isso, porque eles realmente teriam que se esforçar. Enfim, estou bem protegida e fresquinha. Meu único problema é o carteiro. De vez em quando tem que assinar alguma coisa, e é um deus-nos-acuda pra colocar uma roupa. Pelo menos pra poder aparecer na janela e dizer que já vou.

 

Talvez fosse mais prático andar pela casa menos fresquinha e pronta pra qualquer situação. Mas ser prático não combina com estar em casa.

Confia em mim?

Eu não acredito que seja possível viver sem incomodar ou colocar os outros em xeque de alguma forma. Só se a pessoa dedicar toda sua energia ao politicamente correto – e provavelmente, o mundo a surpreenderá com uma intolerância que ela se imaginava à salvo. Em algum momento, algum dos nossos amigos se choca. O mais comum é quando a gente não se mostra entusiasta da própria família. Porque para quem teve uma infância-margarina geralmente não concebe que outras famílias não são assim. Pode ser também porque largamos uma bela profissão, recusamos a proposta dos sonhos, descasamos do partido perfeito…

Nesses momentos, acho um direito de cobrar um voto de confiança. Dependendo do passado, chega a ser crueldade exigir explicações para as atitudes incompreensíveis. Não considero amigo quem obriga a pessoa a trazer à luz todos os traumas, os desentendimentos e as dores que o levaram a tomar certas decisões, apenas decidir se os motivos são válidos. Tudo para matar a própria curiosidade, para descansar a cabeça na travesseiro.

Você confia em mim? Confia no meu julgamento sobre as coisas e as pessoas? Confia que eu avalio as coisas como são, que não saio ofendendo as pessoas por esporte, que não vejo as coisas de maneira maldosa? Se a resposta para essas perguntas é sim, porque não acreditar que eu tenho meus motivos ao rejeitar certas pessoas ou situações? Eu chamo isso de confiança – um dos pilares da amizade. Quem exige explicações, apesar de tudo o que eu sou, é porque não merece estar comigo.

Plano de dominação mundial

Como alguns de vocês sabem, minha dissertação de mestrado sobre cegueira foi transformada em livro recentemente. Pra ser mais precisa, peguei os exemplares que me pertencem por direitos autorais na sexta. Quem tem o mínimo de conhecimento do mercado editorial sabe que ser escritor não dá dinheiro, que livro a gente publica por amor, por vontade de ter suas idéias lidas por aí.

A Editora da UFPR, que publicou o meu livro, não tem tanto alcance quanto uma grande editora. E o fato de ser um livro de sociologia sobre cegueira também não torna o meu livro especialmente atraente. Não tentarei fazer meus conhecidos comprarem a todo custo os 38,00 que os livros custaram na livraria. Mas eu quero muito que ele seja lido, que as histórias das pessoas que eu entrevistei sejam conhecidas e estou disposta a doar muitos dos meus livros às bibliotecas. Listado num catálogo, numa prateleira e disponível ao público, que ele pelo menos tenha a chance de atrair alguns curiosos ao longo dos anos. Quem sabe eles gostem e recomendem, quem sabe meus livros ajudem alguém. Não sei, quero apenas que ele cumpra o destino ideal dos livros, que é dizer algo a seus leitores.

Darei um exemplar para a biblioteca pública, a biblioteca da UFPR e da PUC-PR. Ou seja, a circulação dele em Curitiba eu garanto. Quero também doar para bibliotecas de outras universidades do país. Não quero enviar os livros pelo correios porque tenho receio de perder tempo e dinheiro. Eles podem não chegar ao destino, podem ser vendidos, podem nunca receber uma catalogação. Enfim, tenho minhas razões para não querer enviar meus livros pelo correio.

Aqui entra a parte da ajuda: tenho alguns amigos, leitores deste blog, que moram em cidades universitárias e/ou têm acesso à Universidades. Conheço mais de uma pessoa em São Paulo, mais de uma em Brasília e por aí vai. Mas eu sei que existe problema de distancia, de tempo, de trajeto e várias outros empecilios. Se eu disser quem deve levar o livro, estarei impondo um favor que nem sempre a pessoa tem condições ou pode não estar motivada a fazer. Eu gostaria de fazer o seguinte: enviar um exemplar diretamente ao endereço de algum amigo – alguém que eu já conheça há algum tempo, nem que seja apenas virtualmente. Ele pode ficar à vontade para ler ou não o livro, desde que se comprometa em um dia entregá-lo a uma biblioteca universitária como doação. Tudo na base da confiança.

Alguém se habilita? Quem quiser me ajudar, basta me mandar um e-mail ou deixar o e-mail nos comentários (que eu posso nem publicar) para eu entrar em contato.

PS: Se você quer ter o meu livro, para deleite pessoal e não quer doar para uma biblioteca, você pode comprá-lo. Na editora custa 38,oo reais – comigo, custa 30, reais mais o frete.

Fúria irracional

Não é difícil extrair essa fúria. Não nos dias apressados e cheios de rostos estranhos que vivemos. Passar por ruas cheias de gente quando se está com pressa, nos faz ter vontade de sair acotovelando. O mesmo para ônibus apertados, daqueles que ficam vazios no fundo e ninguém nos dá espaço pra andar até lá. Médicos que nos fazem esperar horas. Lerdos que atrapalham o andamento da fila no buffet e atrasam nosso horário de almoço. Isso sem falar quando há uma interação negativa mesmo – gente que esbarra no ombro, pisa no nosso pé, esbarra na barriga com a bandeja, atira o copo de matte leão nas nossas pernas quando tencionava jogar na rua (ou seja, um delito duplo). A fúria assassina cresce instantaneamente, mais rápida e incontrolável se a semana já não estiver essas coisas todas. Vontade de xingar, de bater de volta, de gritar.

É engraçado o poder que um “desculpe” tem nessas horas. Mostra que o outro percebeu que nos fez um mal, que ultrapassou a nossa linha. É a melhor coisa de se ouvir, porque nos dá razão. Pode ser um desculpe instintivo, fruto mais de um hábito do que de um arrependimento real. Ele joga água fria na nossa fúria e a coisa não parece mais tão grande. Sorrimos, respondemos “de nada” e tudo volta à normalidade. O poder de um pedido de desculpas é tão grande; é uma pena que ele seja usado com economia.

Meme do Rei

Adorei o meme que a Deise me mandou e ia fazer minha lista de qualquer jeito. Porque falar de Roberto Carlos é falar de uma memória emotiva tão legal, tão particular e ao mesmo tempo tão comum. Assim como ela, eu brinquei de achar o Roberto brega porque minha mãe ouvia os discos e ele tinha foto com peninha na orelha. Depois ele começou a falar de gente-desfavorecida-pelos-padrões-opressivos-da-estética e eu achei fim de carreira. Mas estava errada. Porque as músicas dele já garantiram seu lugar no panteão dos grandes da música brasileira há muito tempo. Vai aí meu top five do Robertão, o Rei.

5- As Baleias

Devo ser a única pessoa que ficou marcada por essa música. Eu era criança e achava incompreensivel matarem baleias. Via aquelas cenas do mar todo vermelho, chorei torcendo pela Orca, a Baleia Assassina, enfim, fiquei sinceramente preocupada com elas. E como criança não tem muita noção das coisas, era como se só tivesse meia dúzia de baleias no mundo e elas fossem acabar amanhã. E o Roberto só reforçava essa impressão ao cantar

Seus netos vão lhe perguntar em poucos anos
Pelas baleias que cruzavam os oceanos
Que eles viram em velhos livros
Ou em filmes nos arquivos
Em programas vespertinos de televisão

O resto da música pra mim é um verdadeiro videoclipe. Quando ouço a música, vejo claramente um vejo enrugado, com olhar distante, a cena do seu passado com a baleia se debatendo ao ser morta pelo arpão, os netos aos pés dele sem saber que seu avô os privou das baleias…

4- Fera Ferida

Embora a minha versão preferida seja a da Bethânia

Acabei com tudo
Escapei com vida
Tive as roupas e sonhos
Rasgados na minha saída

O que dizer? É a versão que fala dos momentos difíceis que vivi, das lutas que comprei sozinha, do abrigo que eu não sentia que tinha. Durante muitos anos eu me senti uma fera ferida, vivendo graças à minha força e a vontade de sobreviver. Solidões incompartilháveis, dores morais que o tempo apaga a causa mas não a cicatriz. Sempre achei essa música oposta à Lady Laura, que falava de um lugar de paz que eu nunca senti que tive. É uma música que fala de dor e da força, de feridas que sangram mas que não impedem de seguir em frente. Adoro; não tenho simpatia com a ideia de fazer da dor uma desculpa.

3 – Debaixo dos caracóis dos seus cabelos

Quando eu vi em algum lugar que essa música foi composta pelo Roberto em homenagem ao Caetano, quando ele estava no exílio, até pedi explicações para a minha mãe. Me senti meio traída, porque o sentido da música mudou totalmente para mim. Ela deixou de ser uma música de amor romantico para ser…

Não sei se isso é só comigo; tenho feito grandes amizades intensas com pessoas que estão de partida, mesmo que elas ainda não saibam. Quando conheci a Fábia, poucas semanas depois ela foi convidada pra trabalhar em Jaraguá do Sul. A única coisa que eu pensei na hora foi “eu sabia”. Foi assim com a Camila, que passou quase dois anos fazendo faculdade comigo e só fomos conversar quando ela já estava com tudo pronto pra ir embora. Iria visitar a família em Moçambique e se mudar direto para Floripa. Foi tudo tão rápido, tão importante, que eu gravei um CD pra ela, com a Amelie Poulain na capa (por alguma associação estranha ela acha que eu lembro a personagem) e a primeira música do CD dizia

Um dia a areia branca
Teus pés irão tocar
E vai molhar seus cabelos
A água azul do mar

E o resto da música era todinha a Camila. Um mundo distante, a família, a saudade, ser um estrangeiro. Hoje não sei como um dia a ouvi de outra forma.

2- Emoções

Essa foi na fase posterior à Fera Ferida. Depois que eu curti um monte as minhas dores, andei muito de preto, me senti a pessoa mais traumatizada da terra, fiz terapia, senti raiva, senti ódio… Um dia a luz do sol entrou e eu me dei conta de que

Sei tudo o que amor
É capaz de me dar
Eu sei já sofri
Mas não deixo de amar
Se chorei ou se sorri
O importante é que emoções eu senti

Percebi que mesmo as coisas não são completamente ruins ou boas. Que a experiência é infinitamente melhor do que levar uma vida previsível e vazia. Algumas coisas se tornaram passado, histórias para contar. E eu estava aprendendo a viver com o meu. Vi que é essa transitoriedade dos fatos que torna tudo tão importante, tão bonito e doloroso ao mesmo tempo. Ouvir essa música e ser tocada por ela só me aconteceu na maturidade. Antes eu enfrentava a vida; um dia eu aprendi a amá-la.

1- Como é grande o meu amor por você

Estavamos namorando há menos de 1 mês e era dia dos namorados. O Luiz reservou um dos melhores restaurantes da cidade; afinal, aquela noite especial depois se transformaria numa dia especial, porque meu aniversário é logo depois do dia dos namorados. Eu, que até conhecer o Luiz me arrumava em dez minutos, fiz uma produção caprichada com direito a vestido novo. O restaurante estava cheio, decorado de forma romântica. Um cantor passava de mesa em mesa com um violão, atendendo aos pedidos dos clientes. Ao se aproximar da nossa mesa, estavamos de mãos dadas, nos olhando. Ele começou a cantar:

Eu tenho tanto pra te falar
Mas com palavras, não sei dizer
Como é grande o meu amor
Por você

Sorrimos felizes e mortos de vergonha. Ninguém havia dito eu te amo ainda, não éramos loucos pra fazer uma declaração dessas tão rápido e assustar o outro. Mas já estava na cara e no coração, para sempre. Tanto que depois o cantor nos entregou o cartão dele, avisando que ele cantava em casamentos também.
***

Teria muita curiosidade em ler um top five da Anne, que tem um gosto parecido com o meu, da fã de MPB Regina, da resistente Quéroul, da eclética Ana e o erudito da PQP Milton. Será que eu descubro?

Praticidade

(Eu) Numa das versões sobre o fim do mundo, diz que um planeta preto está se aproximando da Terra. Ele é preto de vibrações negativas e seria como um imã que iria atrair todas as vibrações ruins da Terra. Dois terços da população mundial seriam atraídas por essa vibração e iriam embora. Ou seja, estão falando que até 2012 vai morrer tudo isso de gente.

(Luiz) Quantas pessoas vão morrer, dois terços da população mundial?

(Eu) Isso, dois terços.

(Luiz) Vai ficar mais fácil pra estacionar o carro.

Continue a nadar

Certos problemas ficam tão grandes e longos que se tornam situações. Porque problemas têm início, meio e fim. Você encontra uma pessoa e conta o que aconteceu. Ou, a cada encontro, conta o desenrolar de algo. Assim são os problemas. Agora, se o fato pode ser resumido em uma linha e essa linha permanece inalterada durante meses ou anos, você tem uma situação. Além de ser ruim por si só, as situações dificilmente podem ser compartilhadas. Repetir aquela linha fica depressivo; o mais comum é guardar pra si. Mesmo porquê não há muito o que dizer ou ouvir quando um problema é grande demais.

A única coisa que se pode fazer pra vencer uma situação é:

Continuar a nadar.

Elogio à teimosia

Sim, vou legislar em causa própria. Os defeitos dos teimosos são aqueles que todo mundo conhece: colocam uma idéia na cabeça e não tiram mais ela de lá. Por mais que ela se mostre contra os fundamentos do bom senso e os amigos argumentem, ele não muda de idéia. A teimosia está sempre ligada à idéia de contradição, porque se fosse algo que todo mundo aprovasse, seria chamada de determinação. O teimoso continua no que quer apesar de todos, contra o mundo. Isso já mostra que a teimosia tem em si algumas qualidades como: ter idéias próprias, acreditar em si, sentido de foco, determinação e responsabilidade.

É justamente a parte da responsabilidade que eu acho mais bacana e é uma coisa que parece faltar no mundo. Ser responsável por quem você é e pelas decisões que toma. Escolher contrariar o mundo e estar disposto a arcar com as conseqüencias disso. Porque seguir o conselho dos outros nem sempre é sinal de abertura; muitas vezes as pessoas ouvem conselhos por pura covardia, ou pra poder ter alguém em quem jogar a culpa caso as coisas dêem errado. “Eu só fiz porque fulano mandou”. Resposta que há tempos atrás merecia a pergunta – “E se fulano te mandar pular da ponte, você pula?” Porque no fundo, todo mundo faz o que quer, o que lhe parece mais conveniente. O teimoso é criticado por querer o que as pessoas acham que ele não deve querer.

Teimosos históricos, como Osvaldo Cruz, nos mostram que é possível pensar diferente de todos e estar certo. Nossos valores podem não estar de acordo com os que estão à nossa volta, como se tivessemos sido trocados por uma mágica cruel. Nosso lar, nossas aspirações, nossos ideias podem pertencer a um mundo geografica e temporalmente distante. Ou podemos ser contrariados por esporte, porque alguns se divertem em enfraquecer os outros. Nesse caso, independente do que se deseje, o mundo lhe dirá que está errado. Ser teimoso, então, torna-se uma questão de sobrevivência, uma afirmação da própria individualidade. Quem, nesse mundo difícil, tem encontrado suave acolhida aos seus desejos? Teimosia é um pecado que todos nós, em algum momento, nos vemos obrigados a cometer.

Só não terminarei o post com um “Teimosos de todo mundo, uni-vos!” porque quem sou eu para dizer o que os teimosos devem fazer. Eles só vão se unir se lhes der na telha.

O futuro

Não foi fácil abandonar a tradição familiar das cartomantes. Para eles, sou uma alien: a cada questão, a cada dúvida, eu peso os prós e contras sozinha. Como se a vida fosse uma novela e eu optasse por só descobrir o que vai acontecer à medida em que os capítulos se desenrolam, ao invés de simplesmente abrir o jornal e ler o resumo da semana. Porque quem vai à cartomantes, de certa forma, acredita que tudo já existe – o resultado de cada decisão já é bom ou ruim, sucesso ou fracasso, certo ou errado, antes mesmo de acontecer.

Se a vida for mesmo uma novela, eu tenho preferido só descobrir à medida em que os capítulos são mostrados. Pra não olhar para os fatos novos como se fossem antigos, para não fazer cara de “eu já sabia” pra novidade – caso a previsão esteja correta. Com mais freqüencia, dado ao índice de erros, pra dar chance ao imprevisível – meu e dos outros. Mesmo que o que venha não seja o que a princípio eu esperava ou planejava. As coisas que vivi nos últimos anos me convenceram da minha total ignorância, da impossibilidade de controlar todas as variáveis. Mais ainda: das agradáveis surpresas de não controlar todas as variáveis. Gosto de imaginar que minha vida era um caminho retinho; bruscamente eu virei para o lado e a transformei em algo totalmente imprevisível. Gosto de exercer meu direito de virar bruscamente.

Torturava-se com recriminações, mas terminou por se convencer de que, no fundo, era normal que não soubesse o que queria: nunca se pode saber aquilo que se deve querer, pois só se tem uma vida, e não se pode compará-la com as vidas anteriores e nem corrigí-la nas vidas posteriores.
Seria melhor ficar com Tereza ou continuar sozinho?
Não existe meio de verificar qual é uma boa decisão, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se o ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É isso que faz com que a vida pareça sempre um esboço.

Milan Kundera

Esse trecho é do Insustentável Leveza do Ser, um livro ótimo e um filme nem tanto. (mais um ponto pra mim, Milton!)

Má impressão

Se tem uma coisa que eu nunca aprenderei é a sambar. Rola até samba de gafieira, mas samba no pé é impossível. Já tentaram me ensinar várias vezes – vai um pézinho, vai o outro mas na hora de juntar me dá bloqueio. Teria tudo para sambar e não sambo. Tenho certeza de que é porque cresci odiando samba. Samba pra mim é sinônimo daquelas mulatas semi-nuas, um homem com cara de tarado do lado e uma câmera filmando por baixo. Tudo isso acompanhado de comentários falando do “desperdício de tempo e dinheiro”, da “selvageria do carnaval” e da “humilhação feminina”. Hoje em dia isso é até inocente perto de outras danças, mas a incapacidade de sambar ficou.

Conheço muita gente que tem bloqueio em aprender inglês. O motivo mais alegado é que lemos coisinhas em inglês todo dia, e pra fazer um curso e aprender o básico seria muito chato. É o meu caso. Fiz inglês na escola, fiz até a fita 13 do curso de idiomas globo (não ganhei as outras) e me viro em sites. Existem aqueles que não aprendem inglês por motivos ideológicos – justamente pela dominação cultural que enche de inglês nosso dia a dia e mostra o quanto somos colonialistas. É, falando assim parece besta. Mas é que quando a gente sente que ao aprender alguma coisa está traindo princípios, não vai.
(Vai ver que é por isso que não consigo aprender a nova ortografia. O mundo precisa de trema e acento no pára)

Combinação

Talvez os extremos de pessoas maravilhosas e péssimas sejam apenas tipos ideais, fórmulas raras. A maioria de nós se encontra em algum lugar da escala, com graus variados de coisas boas e ruins. E ao nos misturarmos, dados origem à novas reações, algumas agradáveis e outras venenosas. Penso nisso quando encontro um certo casal de amigos. Os dois, individualmente, são pessoas legais, bem-humoradas, corretas. Mas quando juntos… Ela o acusa de ter ciúmes da própria sombra, como de fato tem; em compensação, perto dele ela age como uma babá mal humorada. Gosto dos dois – em separado. Eles se maltratam muito, cada um à sua maneira; não dá pra dizer que algum deles seja vítima e o outro algoz. A combinação é péssima.

Quantos de nós não vivemos isso? A vontade de estar com alguém, a admiração, querer bem e as coisas não darem certo. Como se a gente falasse A e soasse B, como se tudo desse errado, como se o outro reagisse da maneira que mais nos enfurece, que atinge nosso ponto fraco e nos deixa inseguros. São as combinações. Algumas caraterísticas nossas se fortalecem na presença do outro, enquanto outras permanecem neutras ou enfraquecidas. Num relacionamento, aquela pessoa liberal e tranqüila pode ser tornar controladora e insegura – tudo depende de quem e como. Amar não é garantia, gostar das mesmas coisas não ajuda e sentir atração pode tornar apenas tudo mais complicado. Somos imprevisíveis e cobramos tanta coisa num relacionamento à dois, que ele pode ser mais aparentado da disputa do que da amizade.