Eu já conhecia o pessoal da dança de salão muito antes de começar a fazer aulas. Eu era a
amiga inseparável de uma professora da dança, então fazia vezes de auxiliar, assistia aulas grátis, dançava com todo mundo. Gostava de olhar as pessoas dançarem, me divertia dançando. Eu era uma “dama leve”; quando alguém muito bom me tirava pra dançar, voavamos pela pista. Aprendi milhares de vezes os mesmos passos, dos simples aos avançados, porque aprendia rápido e desaprendia tudo no baile seguinte. O fato de não ter partner fazia toda diferença.
Na dança de salão, ao contrário do ballet e outras danças, os pares fixos costumam dormir juntos ou um dia dormirão juntos. Por causa disso eu nunca dançava muito tempo com alguém. Comentei esse fato com um colega de flamenco que dança tango e ele me respondeu “Claro, você quer o quê? Se eu dançar com você uma vez ou outra vá lá; mas se a gente dançar sempre juntos vai começar a pintar um clima e eu vou querer algo mais”. Os dançarinos que eu conheci nunca me despertavam interesse. Eu tinha a impressão (me desculpem os da dança de salão aqui, mas é a vivência que eu tive) que os homens só se propunham a fazer dança de salão como o último recurso: estavam dançando porque não conseguiam pegar alguém pela aparência, pelo dinheiro e nem pelo papo.
Finalmente comecei a fazer aula e lá conheci um rapaz razoável. Morava longe e estava terminando a faculdade, mas era o único dançarino que sabia falar algo além de “e os namorados como vão?” (eu respondia com doçura “estão todos bem, com saúde” e eles não sabiam como reagir) Esse negócio de
“escolher” se interessar por alguém nunca dá certo, não adianta. M. era mais novo do que eu e tinha cabelo encaracolado preso num rabo de cavalo que não ornava; das outras característas eu gostava: pouca coisa mais alto do que eu, magrinho e tímido. Eu decidi que valia a pena e comecei a dar em cima dele, que correspondeu. Na turma começou o clima de “a Caminhante e o M. vão acabar namorando”. A professora convidou a turma pra um baile e aquela seria a nossa oportunidade.
Bailes de dança de salão não são como baladas, noturnas e alcóolicas. O pessoal bebe pra matar a sede, porque o negócio é dançar. Geralmente os bailes começam cedo, lá pelas 20h; já fui num que começava às 16h. Toca uma música, toca duas, o par mais corajoso inaugura a pista. Pouco tempo depois já está todo mundo dançando. Eu sabia como funcionava e cheguei cedo. Ele também. Sentei na mesma mesa que M., deixei minha bolsa, ele estendeu a mão e me tirou pra dançar.
Estava tudo nos conformes: nós dois arrumados e conversando trivialidades. Ele puxava minha cintura um pouco mais do que o necessário e conversava comigo aproximando o rosto mais do que o normal. Eu deixava, cumprindo bem o meu papel de gazela a ser abatida. A pista começou a encher. Rostos conhecidos começaram a surgir. Pessoas de todas as idades, damas e cavalheiros de turmas mais adiantadas, grandes dançarinos, professores. Até meu par preferido estava lá, um que não era bem visto por fazer coisas malucas e misturar estilos. As pessoas começaram a fazer passos mais complexos, e eu voltei a me lembrar deles. Só então me dei conta de que M. era uma pessoa muito legal, mas um dançarino medíocre. Era daquelas pessoas que aprendem depois de muita persistência e não tem gingado natural. Além do mais, ele não arriscava nenhum passo diferente. Comecei a me aborrecer.
Na segunda música o aborrecimento virou desespero. As pessoas rodopiavam pela pista enquanto meu parceiro ficava apenas no dois-dois. Era como se eu estivesse olhando o baile através de um vidro. A vida acontecendo lá fora enquanto eu tinha esperar as lentas aproximações de M. Me tornei uma gazela entediada. Aquela mãozinha na minha cintura não sabia se ia ou se ficava. Estava farta de emitir tantos sinais, estava farta daquela inexperiência. “Por isso que eu sempre gostei de homens mais velhos, eles resolvem essas coisas de uma vez!”. Percebi que ele levaria a noite toda pra arriscar um beijo. Um beijo que provavelmente nem seria bom. Eu já nem sabia porque tinha decidido namorar com ele, alguém com um rabo de cavalo tão feio. Pensei no futuro, num futuro bem próximo: se eu ficasse com ele, naquela noite, não dançaria com mais ninguém. Estaria condenada a ficar só no passo básico.
Quando a terceira música começou, eu pedi para ir ao banheiro. Quando saí do banheiro, fui direto pedir pro dançarino maluco dançar comigo. Depois que ele parou de dançar comigo, eu dancei com outro. E com outro, com outro, com outro, de novo com o maluco e com outro… Dancei a noite inteira, com todo mundo. Parei de dançar apenas às 3h da manhã, quando mal suportava ficar de pé. Só neste momento eu voltei a encontrar M., que estava na mesa com outras pessoas. Ele estava puto.
(Dica do @the_windblow)
A ironia disso tudo é que poucas semanas depois eu conheci o Luiz, que dança tão mal quanto.