Uma história real com vilão

Um dia eu estava na livraria de um shopping, sentada num pufe e lendo alguma coisa. Um vendedor ao meu lado encontrou um amigo e começaram a conversar. Como acontece nesses casos, a conversa foi ficando cada vez mais interessante e no fim e estava apenas de cabeça baixa, fingindo que lia. Ele contou o seguinte:

Eu estava batendo fotos para agências de publicidade, com um amigo meu. A gente tinha um equipamento fotográfico profissional, montava um estúdio, um trabalho muito bom. Aos poucos, de pegar um trabalho aqui e outro ali, estavam surgindo cada vez mais oportunidades e estávamos fazendo um nome. Dava pra tirar uma grana boa, estávamos muito bem.

Um dia fomos fazer umas fotos em Santa Catarina, pra uma campanha. Fizemos as fotos e ficamos hospedados na casa de um amigo meu. Esse amigo, na mesma época, estava hospedando um turista alemão. O cara era legal, meio doido, conversamos… Nós fomos dormir e na manhã seguinte ele embarcava cedo pra Alemanha. Quando eu acordei e fui arrumar minhas coisas, cadê o material de fotografia? O alemão tinha levado tudo. A gente ficou desesperado. Ainda tentamos ir até o aeroporto, mas o cara já tinha embarcado. Meu amigo ficou sem saber o que fazer, porque nem ele conhecia o alemão direito. A gente perdeu tudo, pagamos a recisão do contrato com a agência, dividimos as coisas, ficamos no zero. Foi assim que o sonho de trabalhar com publicidade acabou. Agora estamos aí, trabalhando…

Eu sempre fico imaginando esse alemão fdp chegando em casa. Ele apagou sem dó os arquivos da máquina e certamente não sabia explorar metade dos recursos que ele roubou. O que esse cara fez, tirou fotos mais bonitas da família? Claro que nada de tão importante.

Segurança

Existe um tipo especial de pessoas, mais comum em alguns meios do que em outros: aqueles que confiam tanto em si que nada os abala. Às vezes a pessoa se mantém firme diante de tantas críticas, que a gente começa a se perguntar se a pessoa não é maluca mesmo. Esse tipo de pessoal é aquele que se dá bem em entrevistas de emprego, audições, testes, bancas, realitys shows e qualquer outro lugar de pressão, pressão, pressão. Quando todos estão murchando, duvidando da sua trajetória e esquecendo o nome da própria mãe, eles estão confiantes. Quando ouvem um não, continuam a confiar em si e acham que o outro é que não os avaliou direito.

Vocês podem dizer que ser assim sem-noção faz a pessoa deixar de ter auto-crítica, que fracassos são positivos e que a insegurança empurra a gente para frente. Bobagem. Isso é inveja de quem não é assim. E digo isso de cadeira, porque também não sou assim. Cansei de ver gente com muito menos mérito do que eu ir pra frente, simplesmente porque eles não ficam se questionando a cada ponto do caminho. Porque mesmo sem base eles falam com segurança, enquanto eu sempre acredito na possibilidade do outro ser melhor do que eu. A segurança dessas pessoas não é como a minha, fabricada pela união de pequenas vitórias diárias. Gente segura assim vem de berço. Olho para eles e lamento que não tenham colocado na minha mamadeira seja-lá-o-quê que essas pessoas tomaram.

Um bruto sucesso

Comecei a dançar porque me sentia mais do que preparada para isso. Nunca tive problemas com peso. Meu alongamento geralmente causa Oh!s perto de pessoas comuns. E, principalmente, faço uma bela aula de Body Balance. Então fui lá muito confiante – confiança que pouco a pouco se esvaiu, até chegar no estágio rodapé. Meu corpo: peituda demais, quadrilzuda demais, coxuda demais. Tentar saltar sobre um pé só e ainda esticá-lo no ar não era viável pra mim. Eles só queriam que eu emagrecesse um pouco, algo como dez quilos e vinte anos. Meu alongamento? Básico. Minha coordenação motora? A desejar. O golpe de misericórdia foi quando fui fazer curso em Joinville, onde todo mundo era mais jovem, descolado, bonito e coordenado que eu. Enquanto eu lutava pra decorar as coreografias, os outros já colocando o “molho”. Foi um dos maiores momentos onde fui amarrar meu burro da minha vida.

Penso nisso quando vejo essas meninas que querem ser modelos. Porque na verdade a vontade de ser modelo é muito mais a vontade de se sentir bonita e glamurosa. Mas, ao contrário do que elas pensam, conviver com gente linda o dia inteiro faz com que a gente se sinta feio. Acredito que o pessoal do Ídolos também descobre isso na marra. Ser o melhor entre os medíocres ou o mais fraquinho entre os melhores? Antes a resposta me parecia óbvia. Hoje eu já acho Quixeramobim uma cidade bem grande.

Hair Stylist

Eu odiei cada um dos 1095 dias em que usei aparelho. Para comemorar a retirada, fui cortar o cabelo num salão fodástico, daqueles que servem coca-cola e a cabelereira tem vários ajudantes. Ela era tão boa que eu fui ficando, apesar de estar muito acima das minhas posses. De nada adiantava me negar a experimentar todos aqueles luxos e cremes; a conta ficava cada dia mais assustadora e chegou um momento que eu tive que dizer adeus.

Se quem corta só as pontinhas já reclama da dificuldade de encontrar um bom profissional, imagine o que nós – mulheres de cabelo curto – sofremos. O erro mais comum é cortarem o nosso cabelo como se fosse cabelo de homem. Não gosto de ficar com cara de que servi o exército. Então mobilizei várias pessoas na tarefa de me arrumar um novo salão, um lugar onde comprovadamente soubessem cortar cabelo curto feminino. Acabei acatando a sugestão da minha amiga mais fashion, a Rita. Era um salão jovem, modernoso, comprovadamente bom e os preços do corte variam conforme o comprimento do cabelo. Perfeito.

Liguei pra marcar o corte pro início da tarde. Uma mulher me atendeu. Não lembro que horário eu queria, só sei que não deu certo. Eu não queria almoçar correndo e nem ter que me enrolar antes de ir pro salão, por isso propus:

– Não dá pra fazer o seguinte: eu passo aí por volta desse horário e corto o cabelo com quem estiver disponível?
– Não dá. Nossos stylists são muito busy, então você tem que marcar hora mesmo.

Sorte minha ter segurado o riso. Além de busy, eles são muito good.

Dona Beija

Eu não sou como a Julie, que gosta de novelas antigas e lembra delas. Eu lembro apenas que eu vi, lembro das aberturas e do sentimento de gostar ou não gostar. Talvez a novela que mais tenha marcado a minha infância e que eu guarde o maior volume de informações seja Dona Beija. A trajetória dela me impressionava e Maitê Proença era um ícone de beleza. Das diversas cenas bacanas e além da minha compreenção, uma em especial ficou marcada na memória:

Uma das mulheres da cidade resolve mandar um presente mal criado para Dona Beija. Ela abre o lindo pacote e ele está cheio de fezes. Numa outra cena, a mesma mulher está em casa com o marido e recebe de Dona Beija um lindo buquê. “Deve haver algum engano. Eu mandei fezes para ela, como ela poderia ter me enviado flores?”. Nas flores há um cartão e ela, por ser analfabeta, pede para o marido ler. Ele cai na risada e diz que foi bem merecido. No cartão dizia:
Não sei como é com os outros, mas eu já fui tratada de tudo quanto é forma- já fui peixinho, já fui aquela que ninguém se dá ao trabalho de puxar o saco. Algumas pessoas encontram comigo de vez em quando, e são sempre de uma generosidade tão grande que eu fico sem saber o que fazer; outras são economicas como se pagassem impostos até por palavras gentis. Alguns esperam pra ver o que você vai fazer primeiro, para responderem de maneira estritamente proporcional e assim não se sentirem em desvantagem; outros, podem te oferecer a melhor metade do pouco que têm. A maioria retribui a menos do que recebeu.

– Cada um só pode ofertar o que possui.

Um blog sobre nada

Fui fofamente convidada a definir sobre o que seria este blog. No título de um e-mail, nessas seleções em que você tem que ser prático e preciso. Eu precisava definir em uma palavra sobre o que escrevo/ quero escrever. Pedi ajuda, pensei – meu blog é sobre cotidiano, pessoas, relacionamentos, eu mesma? Eu sei que blogs confessionais já sairam de moda. Seria demais dizer que quero ganhar dinheiro falando de mim mesma. Me senti o Walter Ego do Angeli. Numa tirinha ele levou um livro de 200 páginas para ser publicado – a história em si ocupava apenas 60 páginas, o resto era a biografia do autor.

Fiquei tentada a escrever que este era um blog sobre nada, tal como o seriado Seinfield é definido. Porque aqui eu falo do meu marido, meu cachorro, coisas que ouço dos meus amigos, histórias do passado, reflexões. Ele não tem um gancho interessante como o de alguém que acabou de se mudar pra um lugar exótico e nem a finalidade específica de relatar os preparativos de casamento. É um blog anonimo, retratando uma vida absolutamente comum. Se eu tentasse colocar um adsense, gastaria mais pra manter a conta corrente do que ganharia em acessos; se um dia deixasse de escrever, a vida cultural da internet brasileira não sentiria nem cosquinha.

Os muitos livros que li me ensinaram que a questão não é o que acontece ao nosso redor, e sim como sentimos, como conseguimos narra-las. Tenho uma tia que conhece cidades em quase todos os continentes, mas os relatos dela são tão policamente corretos que quase não dá vontade de ouvi-la. A única informação interessante que conseguimos arrancar todos esses anos é que os camelos são animais muito fedorentos. Em compensação, Jane Austin praticamente não saiu de casa e fez o que fez. O mundo nos oferece tudo, sempre; se não conseguimos nos inspirar, a culpa é sempre nossa.

Acabei dizendo que meu blog é sobre comportamento/ relacionamentos. O que deu em nada foi a seleção.

Só dá pedreiro e empregada

Foi-se o tempo em que a classe média curitibana preferia deixar o carro em casa, porque andar de ônibus era muito mais cômodo e rápido. Naquela época, que nem faz tanto assim porque eu me lembro dela, a cidade não tinha engarrafamento. As famílias não possuiam mais de um carro, as pessoas não se sentiam pobres por causa disso. Eu não consigo deixar de achar irônico quando alguém fala que levou não-sei-quantos-minutos para chegar porque o trânsito estava horrível. E como ela chegou? De carro. Eu considero os carros um dos maiores símbolos de egoísmo coletivo.

 

Ao mesmo tempo, como resistir ao apelo dos carros? Às vezes eu acho que seria outra pessoa se tivesse um. Apesar de todo trânsito, ainda chegaria mais rápido do que de ônibus. Não precisaria carregar o mundo na bolsa; o conforto dos calçados não seria o item mais importante, eu poderia me dar ao direito de usar sapatos apenas belos ou estilosos; poderia usar tecidos fluidos, saias delicadas, meia calça, shortinhos, enfim, vestir o que me deixasse mais feliz e não o que fosse mais prático. O item shortinho é especialmente dramático, porque os homens desta cidade olham qualquer joelho como se nunca tivessem visto uma mulher na vida. É diferente se produzir para entrar no carro e descer direto pro compromisso, a ter que entrar num ônibus cheio de gente e com pessoas de todos os níveis, provavelmente de ficar de pé e com o braço pra cima. Protegendo os pertences E as partes pudentas.

 

Vivo numa região de pessoas bem abonadas e com muitos prédios ainda em construção. Um dia cheguei na estação tubo e ela estava vazia, sinal de que o ônibus tinha acabado de passar. Pouco depois, entraram outras pessoas. O cobrador falou:
– Se vocês estivessem aqui antes, iam querer matar a mulher que subiu no ônibus anterior. Ela disse que não gostava de pegar ônibus esse horário porque só dá pedreiro e empregada.

 

Pior que é verdade. Acho que sou uma das poucas moradoras do meu bairro que pegam ônibus. No fim da tarde só dou eu, as empregadas e os pedreiros. Elas cansadas e eles cheirando a sabonete barato. Nos outros horários tem o pessoal da favela – catadores de latinha, cheiradores de cola, distribuidores de papéizinhos, meninos de rua. Quando volto pra minha casa torcendo pra que ninguém bêbado, fedido ou suspeito atrapalhe minha viagem, me sinto meio pedreiro e empregada. E começo a achar que eu também gostaria de reclamar do trânsito.

La vie en rose

Na faculdade tive uma amiga que era professora de francês. Ela me contou que aprendeu francês quando, aos 15 anos, foi para Paris estudar ballet. Se não me engano, ela passou mais de dois anos lá. Ela trabalhava como babá, e tinha direito a um quarto numa casa de família. Estudava durante um período, era babá em outro e tinha aulas de ballet o resto do tempo. Além de estar sozinha em outro país, chegando lá ela se deu conta de que nunca seria uma primeira bailarina. Ou seja, ela estava dedicando toda sua energia para estar sempre naquela longa fileira de bailarinas que ninguém repara. Depois de muitas dúvidas e noites chorando, ela desistiu e voltou para o Brasil. Quando comecei a fazer ballet e contei essa história tão antiga, minhas colegas tiveram uma visão totalmente diferente da minha. Acharam fraqueza, um desperdício, que minha amiga jogou fora uma oportunidade de ouro – a oportunidade que elas sonham em ter.

Acho que se sentir sozinho, indesejado e desvalorizado na sua rotina, ter ao seu lado apenas pessoas indiferentes sem nenhum calor, é o inferno em vida. Encher a boca pra dizer que trabalha no maior/melhor/excelente do mundo é um prazer muito pequeno. Já quis e já tentei ser a número um; hoje sou do time de “um amor e uma cabana”. Mas pra chegar a isso, tive que apanhar muito, tive que deixar de ver o mundo em cor de rosa…

Quando acabar esta adolescência

Uma tia do pré perguntou o que cada criança queria ser quando crescesse e só eu não soube o que dizer. Todos respondiam prontamente – astronauta, modelo, piloto de avião, trabalhar na TV…. Eu ouvia e achava tudo desejável, mas ao mesmo tempo nenhuma daquelas ocupações era o que eu queria ser. Disse que queria fazer, talvez, o que a minha mãe fazia – dona de casa? Mais tarde aprendi a responder que eu queria ser jornalista, porque meu avô chinês (que eu não conheci) o era. O que me unia ao jornalismo era gostar ler e o desejo de escrever um livro, ou seja, idéias vagas.

Acabei fazendo faculdades que não têm nada a ver com jornalismo e escrevi um livro. Mato meu desejo de escrever aqui no blog. Se tivesse feito uma tatuagem pra cada rumo que já tomei, seria como aquelas celebridades que colocam o nome do namorado e depois têm que cobrir com outro desenho. Já desisti de amar eternamente qualquer ocupação. Olho para trás e vejo que minha posição com relação a esse assunto é tão cheia de dúvidas quanto à primeira vez que me perguntaram o que eu gostaria quando crescesse. É um desejo vago de sempre aprender, me divertir e me sentir desafiada.

O Eros me mostrou uma poesia e acho que ela me define com perfeição:

Quando eu tiver setenta anos
então vai acabar esta adolescência

vou largar da vida louca
e terminar minha livre docência

vou fazer o que meu pai quer
começar a vida com passo perfeito

vou fazer o que minha mãe deseja
aproveitar as oportunidades
de virar um pilar da sociedade
e terminar meu curso de direito

então ver tudo em sã consciência
quando acabar esta adolescência.

Paulo Leminski

Desculpe e obrigado

Eu nunca fui uma pessoa de grupos, porque mal e mal sou uma pessoa de pessoas. Quanto mais aquele. Não que eu tenha problemas com adolescentes. Fiquei surpresa em descobrir que não tenho mes-mo. Talvez não tenha porque eu não assumo com eles a postura de mais velha ou mãezona. Seja com celebridades, velhos, gênios, recepcionistas ou molestadores de estátuas, eu sempre trato as pessoas do mesmo jeito. O que eu sentia ao lado deles era uma certa solidão, por uma simples questão de experiência, de coisas que eu vivi e vivo e eles nem imaginam. Eu estava lá e ao mesmo tempo não estava.

No dia da estréia de um espetáculo, depois que tudo está pronto, o diretor da companhia pode virar para as pessoas e falar “vai começar, tchau”. Mas essa não parece ser a regra. No geral, as pessoas gostam de demarcar aquele momento. Cada espetáculo é sempre um nascimento, o ponto final e a culminação de esforços. É um encontro, no sentido psicodramático do termo, algo mágico que nunca mais vai se repetir. O processo de ensaios e escolha do elenco envolve choro, risos, brigas, egos feridos, revelações, disputa de forças, talento. O diretor é a figura catalizadora de tudo isso. Por isso não é incomum o diretor unir todos numa roda, dizer umas palavras de incentivo ou até mesmo puxar uma oração.

Mas até então eu não sabia disso. Era meu primeiro espetáculo grande. E no que diz respeito a brigas e egos feridos, aquela companhia era especialmente intensa. Claro que um dos grandes responsáveis por isso era o diretor, que parecia sentir um prazer sádico com a instabilidade dos bailarinos. Ele fazia questão de eleger favoritos, de ser totalmente idiossincrático nos critérios e fazer com que a companhia o temesse. No ritual antes da estréia, fizemos de tudo um pouco: nos reunimos, ouvimos palavras, rezamos. Aí ele pediu para cada um virar para seu companheiro da direta e dizer “desculpe e obrigado”, porque em cada espetáculo a gente magoava e era magoado pelos outros. Eu pensei “que bom que você tem consciência disso”. Confesso que na hora, daquela roda grande, achei bacana.

O momento totalmente sem noção dessa que vos escreve aconteceu logo em seguida. Minha turma, aqueles adolescentes do primeiro parágrafo, resolveram fazer a mesma coisa, só entre nós: roda, discurso, desculpe e obrigado. Como explicar minha posição? Eu sabia que sairia da companhia assim que o espetáculo acabasse, que nunca mais os veria, que nossa ligação era circunstancial. Que eu era uma companhia muito interessante pra eles, mas que quase ninguém realmente me conhecia. Sabia que nessa idade tudo parece intenso e para sempre, mas eu… já tive grupinho de amigas, já tive grupinho de terapia, já me formei, já casei. Sou mais calejada e um tanto cínica; perdi a ilusão da eternidade. Enfim, estava todo mundo emocionado e eu normal.

Na hora do desculpe e obrigado, eu virei pro cara do meu lado – alguém que eu não tinha contato mas que considerava um cara legal – e disse: “Pra você é obrigado e obrigado!” Falei como uma piada, pra quebrar o gelo. O silêncio constrangido de todos e a expressão magoada dele me fizeram perceber que não soou desse jeito. Não tive tempo de consertar nem na hora e nem depois. Foi como se eu o tivesse humilhado publicamente; pode ter parecido que eu fiz isso como uma reprovação por ele não ser um bom bailarino. Espero, sinceramente, que as várias pessoas pra quem eu disse que estava brincando tenham avisado a ele que não foi nada pessoal.

É foda.

Flor no cabelo

Eu lembro muito bem daquele fim de tarde. Eu tinha ficado mais tempo lá na dança, conversando com a Fábia e o Fernando. Ela estava pensando na mudança; o assunto começou com decoração e começou com um festival de besteiras, que me faz sorrir quando vejo chuveiros verticais até hoje. Eu voltava pela rua para encontrar meu marido. Andava e ria, ainda sob efeito da conversa. Lembro vagamente de ter visto duas adolescentes vindo na direção oposta à minha, não sei nem dizer como elas eram. Só sei que quando chegaram perto de mim, uma se aproximou e me disse algo de maneira bem agressiva. Demorou até pra eu entender que era comigo. Ela me disse:

– Que coisa mais ridícula que você está usando no cabelo.

Era uma flor rosa, de couro, que eu estava usando para prender a franja. Quando entendi a frase e olhei para trás, as duas estavam longe. Sabe aquelas gracinhas que a gente ouve na rua e só entende muitos passos depois? Pensei em fazer alguma coisa para revidar e não consegui pensar em nada digno. Aquilo não fez com que eu perdesse o meu humor, mas ao mesmo tempo anulou o efeito de toda aquela euforia. Claro que o problema não era a flor do meu cabelo. Eu estava feliz, tão nitidamente feliz, que incomodei. Elas não se sentiriam em paz em me deixar passar, precisavam falar alguma coisa pra me deixar mal- como elas.

Não foi a primeira vez que me aconteceu. Mesmo virtualmente, acontece de eu um dia estar muito bem e receber uma pancada gratuita. Como se fosse uma forma do universo manter seu – infeliz – equilíbrio.

Minha lista de livros

Peguei a idéia no Alessandro, que por sua vez se inspirou Luma Kimura. Gostei da flexibilização que ele deu nas regras, então seguirei o conselho dele de falar de quantos livros eu quiser e com que critérios eu quiser. Convido os leitores que acharem a idéia interessante a fazerem o mesmo. Lá vai:

1. Livro que li de pé: O doce veneno do escorpião

Eu, que nunca gasto dinheiro com livros (prefiro bibliotecas), não gastaria meu rico dinheirinho numa história real de uma prostituta. O que não quer dizer que eu não tenha ficado curiosa. Cada vez que ia na livraria, lia um pouco. É bem “tudo o que você sempre quis saber sobre a prostituição e não tinha pra quem perguntar”.

2. Livro que me surpreendeu: Marley e eu

Meu amor por cachorros nunca me levou a gostar de filmes com cachorros, então imaginei que este livro não faria minha cabeça. Mas fez. O trunfo está no fato de misturar o cachorro com a biografia da família e ser muito bem escrito. Comovente, divertido, bom até pra quem não tem cachorro.

3. Livro que não consegui terminar: Em busca do tempo perdido

Depois de muitos bocejos, daqueles que soltam até lágrimas no canto do olho, consegui chegar ao fim do primeiro capítulo. É clássico, é famoso, é referência e é muito chato. Aquelas lembranças não conseguiram me envolver nem um mínimo instante. Tempo perdido mesmo.

4. Livro que se parece comigo: Orlando

Meu amor por Orlando é irrestrito, incondicional, visceral, maior do que eu. É um livro sagrado pra mim, que entra em qualquer lista de livros que faço. Virginia Woolf, uma deusa. Ironicamente, eu não tenho esse livro.

5. Livro que está me esperando na estante: Dom Quixote

Tentei ler na adolescência, porque minha professora de espanhol disse que se matava de rir. É sempre assim, as pessoas me dizem que se matam de rir. Nas vezes que tentei, não senti nada. Tenho edição comemorativa, em espanhol, presente super especial do Luiz. Um dia…

6. Livro que não caiu nas minhas mãos: Intermitências da Morte

Mesmo antes da morte do Saramago, este livro está na minha lista. Tentei em bibliotecas, tentei com amigos, tentei comprar, tentei de tudo e não achava. Agora está em toda parte, mas o Milton me ofereceu o exemplar dele. Quem sabe agora vai!

7. Livro que li depois de ver o filme: A insustentável leveza do ser

Achei o filme bem meia boca, apesar dos atores. Peguei o livro desanimada, só pra constar, e achei maravilhoso. Mais um livro estragado pelo filme. Tentei ler outras coisas do Kundera, mas nenhuma tem tanto brilho.

8. Livro que quero ler só porque vi o filme: O crime do padre Amaro

Meu irmão mais velho, que nunca gostou muito de ler, tinha esse livro na prateleira. Ele propôs vários nomes alternativos, só lembro do “Padre também bimba”. Nem assim me animei na época. Mas o Gael me convenceu de que deve ser bom sim.

9. Livro que reli incontáveis vezes: A arte cavalheiresca do arqueiro zen

Na primeira vez, li unicamente porque era mística. Mas ele nem é tão místico quanto o nome leva a crer. Fala de começar algo novo, de expectativas, de maturidade e mudanças sutis que acontecem na nossa personalidade. Pretende pouco e consegue ser tocante.

10. Livro que recomendo a qualquer um sem medo: Cândido ou o Otimismo

Clássico, fininho, facil de achar. Não tem como não gostar dessa história. É dinâmica, divertida, irônica, inesquecível. Do intelectual ao semi-analfabeto, todos entendem a mensagem, todos devoram esse livro. Uma obra única.

Conversão

Sempre digo que beber e fumar são duas coisas que ou você começa na adolescência ou não faz mais. Acredito que ninguém um dia decida virar fumante. Parece que todos os fumantes começam a fumar aos poucos, só entre amigos. No meio da turma, começam a filar um cigarro aqui e outro ali. Como está sempre entre amigos, o hábito se torna cada vez mais freqüente e prazeroso. Chega o dia em que o sujeito tem que comprar sua própria carteira e… A pessoa se torna um fumante por simplesmente não levar à sério, por achar que poderia fumar um ou outro cigarro sem se envolver.

Sem querer julgar o mérito, vejo que algumas pessoas que se convertem à religiões o fazem com a mesma confiança. Começam a frequentar igrejas por influência de amigos, por gostarem de um Grupo específico ou por sentir falta de alguma espiritualidade. Vão lá mesmo não concordando com várias coisas que são ditas. Consideram que aquela igreja é apenas a mais cômoda naquele momento, que denominações não são importantes. Se propõem a frequentar sem se tornarem pessoas “de igreja”. A mudança é tão sutil, que pode ser que o próprio convertido nem note a diferença. Ele passa a repetir conceitos que claramente não compartilhava antigamente. Ou ouvir coisas que antes classificaria como intolerantes com a maior naturalidade. Isso sem falar na diferença no modo de vestir, de falar, de se portar e toda uma forma de classificar o mundo. De uma maneira ou de outra, ele se torna tão crente quando àqueles que ele se via tão diferente – e porque não superior – antes de entrar.

Não é à toa que a frequencia a grupos é essencial. Igrejas são insistentes nesse ponto. Também não é por acaso que para fazer parte de um meio – religioso, artistico, profissional, familiar, etc – é preciso conversar com as pessoas, ter acesso às mesmas informações, ir aos mesmos lugares. Se você praticar e ler sozinho em casa, não se tornará um verdadeiro [insira uma denominação aqui]. A capacidade de se manter à parte de um grupo é menor do que imaginamos. A mente não écapaz de filtrar toda a informação que recebemos; uma parte dela penetra no inconsciente sem que a gente se dê conta. Não é que o senso crítico deixe de funcionar – a questão é sobre que referências ele é usado.

Apaixonada

Foi assim: um dia a gente veio andando juntos da igreja até o meu prédio. Estava frio e ele me ofereceu o casaco dele! Ele foi muito gentil, foi uma noite muito especial. Depois ficamos uns minutos conversando na frente da portaria. Eu devolvi o casaco dele e depois disso nos vimos algumas vezes na igreja; nos cumprimentavamos, conversavamos em meio a outras pessoas. Nós trocamos alguns e-mails e é aí que eu acho que estraguei tudo. Eu mandei uma notícia pra ele de um casal de velhinhos que* … e ele me respondeu dizendo que não concordava. Eu respondi dizendo que achava certo; foi uma pequena discussão virtual. Desde então nós só nos vimos de longe algumas vezes, ele viajou, eu fiquei um tempo sem ir na igreja… Eu sempre mando e-mail de mensagens e não sei se ele lê, ele nunca me manda nada. Daquela conversa do casaco até hoje já se passou quase um ano. Não sei se eu ainda tenho chances, se ele já me esqueceu… Estou pensando em ligar pro celular dele. Vou arranjar um pretexto, falar de uma oportunidade profissional. Quero ver qual vai ser a reação dele ao ouvir meu nome.

Às vezes a verdade é tão óbvia que é rude dizê-la.

*não lembro dessa parte da história