Passando frio no interior da Bahia

É óbvio que o clima que está fazendo agora em Jaguarari não chega nem perto do outono curitibano. Ao mesmo tempo, tenho sofrido e reclamado do frio todos os dias desde que cheguei, tenho me sentido a pessoa mais friorenta do mundo, muito mais do que os nativos. Lembro das minhas roupas e consigo pensar numas dez opções diferentes do que poderia vestir agora, dentre meus inúmeros casacos. Agora mesmo, poderia estar usando o meu cardigã de poás coloridos, lenço no pescoço e calça cáqui. Ou se quisesse sair mais menina, poderia usar uma botinha, um dos meus vestidos de inverno, meia fio 40, um casaquinho e um cachecol. O que sei é que em circunstâncias normais, com esse clima, jamais escolheria vestir o que tenho vestido nos últimos dias e essa é a raiz dos meus – e de todo mundo – problemas.

 

O São João é uma data importante e tem show todos as noites na praça principal da cidade, que é aqui do lado – e o que não é do lado de tudo quando estamos numa cidade pequena? As rádios falam do “melhor jegue elétrico do Brasil” (não acho que seja propaganda enganosa) não param de repetir os nomes das bandas especialíssimas que vão tocar, um nome melhor que o outro. Tive o prazer de ver “Bonde do Brasil” e “Desejo de menina” (esse nome!). Só que, como lamentou o meu pai, aqui não se toca mais forró pé de serra, não é mais sanfona e tal, assim como a festa em si lembra mais um carnaval do que uma festa junina.  O que toca aqui é o brega, bem do jeitinho que mostrou na televisão: bandas que todo mundo aqui conhece, entopem os shows, com um tremendo visual, um mundo à parte. Vejo tudo de longe, porque perto do palco é aquela loucura. E danço pulandinho no lugar, com os braços cruzados e as pernas juntas, igual faço quando estou num ponto de ônibus gelado à noite.

 

Nessas noites tem feito pelo menos uns 15 graus. As roupas mais pesadas que eu trouxe foram um moletom fino e uma calça jeans. E pra tentar ficar bonitinha pra sair, uso uma sapatilha de plástico, blusa levinha e manguinha de lã. Morro de frio, morro. Aí vou pra festa e as meninas estão de sandália de tiras, shortinho e transparência. Ou, na versão mais quente, sandália de tiras, calça jeans e transparência. Uma curitibana, no mesmo clima e a céu aberto, usaria pelo menos uma meia calça grossa e um casaco. Esse é o problema aqui, eles não colocam roupa. Acho que o que mais resume a situação foi a gente na varanda toda aberta, ventando, sentados em cadeiras de plástico e minha madrasta estava de chinelos, mini saia, blusa de alcinha e para se esquentar colocou uma caxarrel de lã preta. “Ai que frio” ouço e reclamamos o dia inteiro de havaianas e pernas de fora.

Jegue elétrico

Estou numa casa centenária, no interior da Bahia. Ontem fez um frio do caceta e por pouco não joguei minha dignidade pra cima e saí por aí enrolada numa coberta. Onde já se viu, uma pessoa que saiu de Curitiba a quatro graus, com vontade de chorar (tenho desconfiado que sou uma pessoa chorona. Ainda não tenho certeza) de frio, de saudades dos casacos que deixou em Salvador, em São Paulo e no guarda-roupa de casa. Temi pelas minhas próximas noites, de ter que usar o mesmo moletom e calça jeans durante uma semana, mas agora está mais quentinho.

 

Sabiam que aqui as festas juninas são tão ou mais populares que o carnaval, e que as pessoas viajam para o interior e Salvador fica vazia? Tem venda de camiseta e tudo, semelhante aos abadás. Hoje vi as camisetas das pessoas que estavam aguardando o Jegue-elétrico da cidade de Senhor do Bonfim. Sim, Jegue-elétrico – é um jegue puxando um carro de som. A camiseta custa uns 300 reais e de uma festa Esfrega custa uns 700. Outra curiosidade: em certas cidades a festa mais popular não é o São João e sim o São Pedro, dia 29 de junho?
Enfim, são muitas emoções. Estava morrendo de preguiça de viajar, fui pra São Paulo lamentando minha decisão de não pegar um voo direto, porque eu fazia aquele sacrifício todo ao invés de só ir direto pra Salvador. E assim que entrei no ônibus, entendi. Adoro pegar aquele ônibus, adoro ir pra São Paulo, adoro o metrô, adoro os amigos que se dispõem a me ver, adoro até mesmo a correria. Pensei que isso viraria um texto, assim que cheguei escrevi outro texto, liguei o netbook achando que escrevia um texto sobre a música chata que vem da igreja e concorre com o forró da praça… Mas viagens são assim, acabam nos tirando do prumo. Tenho comido “pão pesado” com uma manteiga maravilhosamente gostosa e que não quero nem imaginar o que está fazendo com o meu colesterol. Ao mesmo tempo, poxa, saudades.

Carma is a bitch

Eu sem dúvida tinha mais de dezoito e não muito mais, porque estava muito nervosa em estar sozinha no aeroporto cuidando do meu voo. Eu já havia viajado muito, mas nunca apenas eu. E estava em Guarulhos, tão grande e assustador. Lembro da cena como se fosse hoje: eu com minha bagagem num carrinho, muito tensa, vendo sem ver duas moças na minha frente com uniformes, provavelmente de aeromoças, de salto, meia fina e saia tulipa. O corredor era largo. Mas eu estava tensa e logo atrás delas, e me aproximei tanto com o carrinho que num passo o calcanhar de uma delas atingiu a parte da frente do meu carrinho, bem aquele ferro. Ela olhou para trás, naquele movimento instintivo de quando algo nos atinge. E olhou mais duas vezes, naquela raiva que a gente fica de quem nos atinge e ao perceber que aquilo não tinha que acontecer necessariamente, porque havia muito espaço naquele corredor. Eu pedi desculpas, era tudo o que podia fazer, e me afastei dali. Sempre guardei o olhar de raiva daquela moça, sempre soube que meu pedido de desculpas não fora o suficiente. Hoje, ao sair do ônibus que me deixou no Terminal 2 de Guarulhos, quando eu estava no último degrau para chegar na rua, um cara acertou minha panturrilha com a sua mala, uma dessas duras de rodinha. Olhei para trás pra ver o que era, olhei com raiva pra ele, coloquei a mão na panturrilha com a dor, olhei com raiva de novo enquanto pegava o carrinho, e o cara arrependido só repetia – Foi sem querer, foi sem querer! e eu com vontade de dizer – Eu sei que foi sem querer, fiodaputa, mas isso não alivia em nada o quanto está doendo. E doeu muito o dia todo, e quando finalmente pude me trocar vi o roxo que ficou. Carma e moça que eu acertei naquele dia: estamos quites.

Desejos conflitantes

Andei pensando bem sobre a necessidade de comprar roupas novas e me vestir um tantinho menos informal o tempo todo. A coisa não começou por causa da separação ou um pouco antes dela, como eu achava. Na verdade, lembrando bem, eu só comecei a realmente me preocupar com roupas e sair um pouco mais bonitinha por aí quando comecei a namorar o Luiz. Eu tinha vinte e quatro anos. Até então, passava batom muito raramente e ouvia indiretas de todos de que deveria comprar umas roupinhas, cuidar das unhas, fazer combinações melhores, parar de achar que camisa do Olaria FC era super legal de usar pra sair. Foi pra combinar com aquele mauricinho que eu passei a me vestir melhor. Passei a me vestir tão melhor que cheguei até a acreditar que gostava de me arrumar.

Não é que eu não goste, que pra mim tanto faz. São desejos conflitantes. Eu:

* Adoro a ideia de ter um estilo. Ele seria alegre, colorido, com muitas saias, vestidos, acessórios no cabelo. Quem sabe com mechas azuis. Já sei até de que grifes eu compraria. Gosto muito de vintage, de alternativo e ainda colocaria uma pitada nerd. Na prática: tenho preguiça. Estilo com dinheiro sobrando deve ser mais fácil, sem dinheiro eu precisaria garimpar muito. Estou sempre andando e a necessidade de estar sempre de calçados confortáveis é um limitador importante. E minha rotina de voltar pra casa de ônibus tarde da noite ajuda a sepultar tudo. É triste dizer isso, mas eu morreria de medo de pegar esses ônibus de saia ou com um calçado que eu não pudesse correr.

 

* Adoro a ideia de ter bastante dinheiro, mas só pra aumentar a qualidade do que eu tenho. Gosto de ter uma casa semi-vazia, mas pagaria alguém pra conseguir fazer minha casa vazia não ter essa cara de abandono. Compraria uma bike melhor, mas continuaria andando de bike. Continuaria sem carro. Compraria as tais roupas coloridas e cheias de estilo, sem jamais emperuar. Presentearia meus amigos, sairia com eles com mais liberdade. Queria ser daquelas que tem grana e nem parece, sabe? Na prática: não tenho mesmo. E o entorno necessário para se ter muita grana – tempo, concursos, colegas de trabalho, sapos – me dá muita preguiça. Sem dizer que não há nada que eu saiba fazer pela qual alguém estaria disposto a me pagar tanto assim.
Comprei jeans novos. Caem melhor que o antigo, que era um número maior que o meu.

Notas mentais pra pra lá de julho

* Preciso comprar jeans.
* Preciso comprar partes de cima mais elegantes do que camisetas.
* Preciso superar o tal desapego ou processo depressivo em relação a comprar roupas, antes que passe a ficar vergonhoso. Ou: vergonhoso demais.
* Encontrar mulheres divorciadas que já estão “muito tempo há procura” é tão…
* Investir numa situação meio (nhé) não-é-como-eu-queria porque (nhé) ele-é-legal e (nhé) quem-sabe-com-paciência-e-insistência a coisa fique aceitável (nhé nhé nhé) ou esperar (quanto?) uma situação mais o meu número em todos os sentidos?
* Serei eu ainda capaz de me apaixonar da forma como quero que se apaixonem por mim?
* Permitirá o destino que eu possa me dedicar à escrita ou… ?
* Meu Deus, a árvore continua empurrando o meu portão. Mais um pouco ele não abre. Ou cai.
* Amanhã eu resolvo. Amanhã, amanhã.

Um ano

Digo sem a menor sombra de dúvida que o meu aniversário do ano passado foi um dos piores dias da minha vida. Todo mundo envolvido com a Copa que tinha começado no dia anterior e eu em colapso. Se puder dar um conselho sábio a alguém que pensa em se separar, seria: não o faça durante uma Copa do Mundo, especialmente se ela estiver acontecendo no seu país. 

Quando uma situação chega ao extremo de ruindade, o lado bom é que ela só pode melhorar. Um ano se passou daquele dia horrível e de lá pra cá minha vida mudou muito, eu mudei muito. Presenciei gestos grandes, gestos de uma pequeneza microscópica, tive alegrias e dores inéditas. Não tem sido fácil, mas tem sido intenso e variado – e não é isso o que pedimos da vida? E quando tem sido duro, quando parece que mais nada e nem ninguém pode vir ao meu auxílio, ele vem. Na forma de um telefonema, um amigo, um convite, um gesto, um insight. Por isso:

É pra você mesmo, obrigada!

Portas

Nunca mais somos os mesmos depois que abrimos certas portas. Para algumas, existe limite de idade. Quem não se tornou esquizofrênico depois dos vinte não se torna mais, não existe esquizofrenia mais velha. Os sintomas se desenvolvem muito cedo, no início da idade adulta ela já está lá. Eu não conseguiria mais gostar de bebida alcoólica; me proibi durante a adolescência e hoje poderia até tomar, mas seria sem prazer. Os não-fumantes podem sentir o cheiro de qualquer fumaça sem sentirem nada mais do que incômodo, enquanto ex-fumantes lutarão. Já li que fumar não deixa de ser uma certa yoga, que o prazer do fumante é o prazer do controle sobre a respiração. Depois que li isso, me convenci de que o fumo me conquistaria facilmente se tivesse pelo menos tentado. É muito diferente se abster de fumar do não ter noção do que é fumar. Culpa da porta. Já que citei a yoga, os livros místicos costumam ser bastante duros com relação ao sexo. Ok, tem o kama-sutra, mas não confunda variedade de posição com variedade de parceiros, just for fun. Hoje a leitura que faço do assunto é muito mais relativa às portas do que moralismo. O sexo é uma porta poderosa demais, difícil de ser controlada, até mesmo diminuída. Adultos já enlouquecem com ela; penso no problema que é pra alguém muito novo. A porta do sexo pode ser de tal forma poderosa que impede a descoberta de outras portas. Drogas, idem. Porque, do mesmo modo que algumas portas se abrem facilmente, para outras precisamos nos empenhar: bons livros, meditação, contemplação da natureza, estar em contato com a arte. E a disciplina também é uma porta – os disciplinados entenderão o que quero dizer.

 

Eu não queria ter lembrado, eu não queria ter feito contagem regressiva, eu não queria de certa forma estar revivendo tudo. Mas estou. Sempre achei desnecessário quem relembrava o aniversário de datas trágicas, de ficar guardando o dia que pessoas queridas morreram. Bem. Estou fazendo um ano de divórcio e tenho lembrado e fugido. Nesse meio tempo descobri uma porta imensa de dor e não quero voltar lá.

Ambição com-medida

Quando eu comecei a fazer flamenco fazia de tudo para ser melhor, queria ir para turmas cada vez mais avançadas. De certa forma, foi isso o que me tirou da primeira escola. Na segunda, entrei em um nível, depois pulei para outro, quis ir pra outro que era um pouco mais avançado e as turmas – que digamos que eram nível 1 e 2 – acabaram praticamente se unindo depois disso, porque as outras meninas quiseram fazer aula lá também. Atualmente, a única turma acima de mim é a do Avançado, a fronteira final. Olhava eles de longe, tão fanáticos por toda cultura espanhola, tão arrasantes em seus sapateados, cada qual com mais de uma década de flamenco, e nunca ousei querer ser um deles. Aí uma amiga minha, com o flamenco que eu mais admiro, largou a turma avançada por motivos pessoais, e um deles foi seriedade dos colegas. Porque pra ela dançar é outra coisa, é amor e diversão; ela não quer se estressar por não pegar passos e coreografias difíceis em níveis estratosféricos. Numa outra conversa, sabendo o quanto sou louca e CDF, ela me disse que eu me daria bem naquela turma. “Tá louca? Não tenho nível pra eles!” “Não é uma questão de ter nível, depois de um certo ponto fica igual, é uma questão de dedicação”. Aí comecei a pensar se realmente gostaria de ir para a turma do Avançado. Eles fazem aula justamente no horário da turma 1, que é a que eu mais gosto.

 

Devo confessar que às vezes me perguntava (ou me pergunto ainda, não sei) se não estacionei, por já fazer um par de anos que não subi mais degraus. Cheguei numa turma e fiquei com ela, sou identificada como uma delas. Nenhuma queixa em relação às meninas, muito pelo contrário. Gosto tanto das minhas colegas que outras pessoas me ouvem com reserva, como se eu fosse daquelas loucas que só enxerga a beleza do mundo, que idealiza todo mundo que faz flamenco. Não é, calhou de nos darmos muito bem apesar das diferenças. Sem querer, por causa das meninas, acabei descobrindo a resposta sobre ir ou não ir pra turma do Avançado. Aconteceu o seguinte: as professoras da turma 1 e 2 estão passando a mesma coreografia, só que pedaços diferentes. Na turma 1 começamos um pedaço que tem uma parte muito legal, que a professora chama de trava-línguas. Bate uma palma, faz um sapateado, depois um ombro, um pulinho pra frente, vira a cabeça, depois dá mais pulinho abrindo os braços pro lado… enfim, só vendo. É mu-i-to legal! Eu e as meninas amamos aquilo, rimos tentando fazer, virou questão de honra pegar, foi aquela festa. Aí, por causa de uma substituição, a professora da turma 1 foi passar esse mesmo movimento pra turma 2. Estavam outras duas alunas. Boa gente, ambas, mas pessoas mais sérias. Passa o movimento pra elas e ao invés de toda diversão da turma 1, o comentário máximo delas foi: “que interessante”. Interessante? Aquilo é a disneylândia, marshmallow com casquinha depois de colocar no fogo, dia ensolarado na praia! É o passo mais legal dos últimos tempos! Não adianta, gente muito séria tem o poder de diminuir a alegria de tudo, até de flamenco.

Ela vai ficar bem

Convido algumas pessoas pra me encontrar, em cima da hora. Estava doida pra ir pra casa de uma amiga e nem a procuro, porque ela não me diria não e não gosto de passar lá quando ela recebe a visita dos filhos. Um outro já saiu comigo há pouco tempo. Na noite anterior, vi filme iraninano, me enchi de pizza e série até às 3h da manhã. Acordei quase meio dia, com dor de cabeça, tonta e ciente de que não poderia passar mais um dia inteiro sozinha. Feriados ainda são terríveis para mim. Quase começo a agir com desespero, e aparecer sem permissão, apelar pra uma amizade quase no fim e que me cobraria um preço alto demais. No fim, encontro uns amigos rapidinho, meio no horário deles. Depois prolongo meu programa, como um pedaço de torta num lugar que adoro, ando até o shopping, vejo lojas, ando mais, paro do supermercado, carrego as sacolas até minha casa. Enquanto caminho curtindo a noite – vício que adquiri quando estava deprimida e nunca mais me libertei – lembro de uma amiga em comum que morre de ciúmes de mim com o amigo que encontrei e da minha tia confiante que em pouco tempo da separação estaria bem. Penso em todas as pessoas que quase incomodei. Me dei conta de que uma característica que me faz tão boa amiga é justamente essa: eu dou meu jeito. Meus amigos sabem das minhas solidões, mas sabem também que eu vou dar conta, que eu vou ficar bem. Falando assim, soa egoísta, mas somos todos egoístas. Tem dias que é foda dar-se um jeito; mas maturidade também é isso, saber que os dias fodas são nossos, só nossos. Às vezes calha de sermos salvos pro uma festa ou um programa divertido, às vezes não. E quando não, da-lhe HBO ou o que tiver por perto. Apoio incondicional é algo que vai para a área da religião, pessoas não dão conta. Se eu pudesse dar um conselho universal de como conquistar amigos e homens, ele seria: não seja pesada. Lembro de outra pessoa e me pergunto se ela chorou ou se ficou mal por minha causa e logo afasto esse pensamento. Vai ver que sim, e era justamente esse o problema. Dar-se conta de si é o melhor que se pode fazer pelos outros.

Amor, amor, amor

Tem um episódio do Seinfield que ele dispensa um cara que queria ser próximo dele com o seguinte argumento: olha, eu já tenho três amigos, não tenho tempo pra mais, desculpe. Eu me identifico com isso porque não sou lá tão popular. Basta dizer que mais de uma vez eu me apresentei sem ter amigos na platéia. Mas é que, com os poucos que tenho, eu já me sinto bastante amada. Sim, me sinto amada. Tão amada que me pego com algumas exigências de pessoa que tem amor demais. Por exemplo: carona. Quero as de boa vontade. Sabe como é carona, tem dias que tem várias opções e tem dias que… bem, tem dias que a pessoa tem dinheiro, um carro enorme, vai passar por quatro lugares diferentes onde poderia te deixar mas não quer. Porque vai atrasar, porque vai desviar do caminho, porque, ai, precisa mesmo? Essa carona eu não quero. Pode me deixar andar na rua escura de noite mesmo, não ligo. Sério. Se é pra se sentir exploraaado porque teve que rodar duas quadras a mais, não quero. Outro mimo: gosto de reuniões alegres. Estou acostumada com grupos piadistas. Estou acostumada com gente que dá importância ao que eu falo, que ri das minhas brincadeiras, que não está muito interessado em curriculum vitae. Então, quando tenho que ir pra uma reunião que não é assim, prefiro nem ir. Se é pra voltar para casa com a expressão dura de quem não deu um sorriso espontâneo, minha casa é muito mais interessante. Às vezes a gente obtém mais carinho e amor de uma mocinha atrás do balcão do que da própria família. Amor é uma maneira de ser, um estado. Tem gente que é amorosa e gente que não é. Se é pra ser duro, controlado, filtrando palavras, prefiro ir em famílias alheias. Conheço pelo menos duas ótimas, e pra qualquer coisa que eles me convidem eu vou correndo. Por fim, como não falar de homens. Porque quando se reivindica amor, amor, amor, parece que estamos falando – quero um homem, um marido. Não é apenas isso, é um Também. O homem tem que fazer parte disso, dessa roda de amor. Tem que ter a boa vontade, o carinho e a espontaneidade do amigo, da carona, da família alheia. Não pode ser outro departamento, outras atitudes. Não tenho paciência para os truques, o fingir-que-não-quero-pra-ele-passar-a-me-querer. Não posso ter que segurar os gestos e as brincadeiras chulas, não posso ter que vestir outras roupas e criar outro mundo só para ele estar lá. O outro mundo, separado do meu, só pode ter menos amor. E o que eu quero é amor, amor, amor, mais amor.

 

Eu quero

Acho que foi na entrevista da Nélida Piñon, no Roda Viva, que questionaram do porquê, para entrar na Academia Brasileira de Letras, é preciso se candidatar. Com tanto escritor bom por aí, que nunca concorreu, e a Academia aceita nomes questionáveis, como do ex-presidente José Sarney. Mais coerente seria a Academia convidar grandes escritores para entrar, ou para concorrer. Aí ela disse (ou teria sido Ubaldo?) que é importante que a pessoa queira e assuma esse desejo. Não sei se ela tem razão no que diz respeito à Academia, mas como é diferente dizer: Sim, eu quero.

Sim, eu quero dançar um solo. Sim, eu quero ser escritora. Sim, eu quero amor.

Chorar porquê

Já passei da fase de querer chorar na sessão de hortifruti, quando comprar um pimentão, um cacho pequeno de bananas e umas três cebolas me deprimiam. Não que na minha casa se cozinhasse muito, mas não era tudo tão pouco, tão gritantemente solitário. Semanas atrás dei pra quase chorar na sessão de bolachas, ou sei lá que sessão é aquela. O supermercado onde eu vou começou a se expandir, e eles não fecharam pra fazer a transição. Então cada dia que eu vou lá, as coisas foram parar num lugar diferente. O padaria continua no fundo, mas os pães de forma ficam muitos corredores à esquerda. Naquele dia em especial eu havia percorrido vários corredores à procura de tudo e fiquei cansada. A cestinha já estava pesada, mas faltava comprar a bolacha. Eu ainda enfrentaria o caixa, a distribuição na sacola, a longa subida até minha casa. Eu rodava feito uma tonta, só gosto de uma marca específica de bolacha e… enfim, eu estava quase largando a cestinha no meio do corredor e cobrindo o rosto com as mãos, igual criança. Até que finalmente achei.

 

Não sei se hoje foi mais sério ou eu estava mais frágil e mais cansada, ainda mais que eu havia machucado as costas de manhã. Apesar de ter aula mais tarde e ter saído de casa pelo menos meia hora mais tarde, o Interbairros 2 me deixou esperando quarenta minutos no ponto, de novo. De onde eu concluo (alô, prefeitura!) que há um intervalo de horário de duas horas no final da tarde que aquela linha não funciona direito. Frio, de pé, costas doendo. Não há livro e horário adiantado que não consigam fazer quarenta minutos que são estendidos de dez em dez pelo marcador não parecerem longos. Meu pensamento quis me tirar dali e, em busca de um pouco de prazer, lembrou daquele beijo. Aquele que foi tão bom, que finalmente encaixou, que teve tanto calor e afeto que parecia que depois dali tudo deslancharia. Só que não apenas não deslanchou como foi o nosso último. Dessa vez não deu pra segurar e quando me vi a sós, caminhando nas ruas escuras, desatei a chorar. Minha desimportância bateu forte demais.