Anti-fleuma

Eu cresci admirando a fleuma britânica, que é a capacidade – conforme a descrição que recebi – de manter a mesma atitude temperada diante dos acontecimentos. Nem gritos de felicidade, nem desesperos de tristeza. Olhar tudo meio por cima, meio indiferente. Lembro dos esforços que fazia pra tentar conseguir isso, ficar impassível e distante, com aquela cara de inglesa.
Hoje me parece que isso acontece naturalmente com o tempo, com a velhice. Vivo uma situação nova, inédita, e me pego achando que já vivi aquilo, já falei aquilo, que já sei como vai terminar. Não, não! Podem ser as mesmas palavras e as mesmas intenções, mas não é a mesma coisa. Eu sou outra, o outro é outro, o entorno é outro. Se deixar a gente pinta tudo de filme americano, previsível e igual. É como um óculos da Alice, só que ao invés de cor-de-rosa é cinza sujeira. Ficar velho inglês é a coisa mais fácil. Quero ser velha boba, velha criança, velha ridícula.

Curtas de idiotices amorosas

Sexo, essa sacanagem que a natureza inventou para nos obrigar a trazer o outro para nossas vidas. Senão, bastava assinar a HBO e estava todo mundo feliz, cada um na sua casa.

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Miguinha sofredora não cansa de escrever que quando o Fulano perceber o que perdeu, ah, aí sim hein, que dolor. Não dá pra jogar na cara, mas se tem uma coisa que nunca acontece no mundo é essa: a pessoa que nos dispensou “acordar”. Porque quem dispensou sempre sabe o que está fazendo. Ele não viu, não quer ver e nem nunca verá nada demais em você. Simples e duro assim.

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Sinopse de um livro de Sidney Sheldon, que li na adolescência: moça ingênua é seduzida por um piloto de avião. Depois de tórridas semanas, o cara some e ela descobre que foi enganada. De mocinha ingênua ela passa a sedutora-predadora profissional e vai conseguindo homens cada vez mais poderosos. Quando está no auge, contrata o piloto que a enganou. “Ela havia imaginado” – fingindo agora que estou copiando o livro – “aquele encontro de várias maneiras. Imaginou ele sem fala, sem saber como reagir diante dela, ciente de que havia desgraçado sua vida. Quem sabe ele nem a conseguisse encarar, quisesse se manter longe, até mesmo pra fugir do desejo de tocar uma mulher que um dia foi dele e agora lhe era proibida. Ou então, cafajeste do jeito que era, podia se sentir confiante e querer reconquistá-la. De todas as cenas, o que ela nunca havia imaginado é que ele simplesmente não a reconheceria. (….) É que foram tantas”. Cara. Cara.

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A Fal, mais que maravilhosa disse: “Bancar o idiota por amor é da vida. Se você nunca bancou o idiota por amor, você não viveu. O que não dá é pra ficar bancando o idiota sem amor. Só pra ser isso mesmo, um idiota. Aí, né. Oi.”

(Preciso continuar escrevendo? Já lhes dei Fal, vocês estão mais do que bem servidos.)

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Preciso complementar a frase anterior, sobre o ser idiota, porque tá frequente demais no mundo. HÁ o direito de ser idiota, de correr atrás, de agarrar no peito, pijama, nos pés e ao pé da cama. Ligar, mandar recado, bolar estratégias, correr atrás, pagar macumbeiro, etc. Só que um dia, por mais que demore, a insanidade amorosa passa. Aí a pessoa se toca das besteiras e de todo tempo desperdiçado. O arrependimento do depois é tãããããão grande. Cada gesto ridículo persegue a pessoa de um jeito chiclete que dói a alma. É de querer mudar de cidade e de nome, querer morrer. Ou que ele morra, só pra deixar de ser a prova viva da nossa idiotice. Então, cuidado.

Vingancinha na BR

Cansei de ser ultrapassada na volta para casa. Um dos grandes complicadores para adotar a bicicleta como um meio de vida, pra mim, é o fato de morar numa região alta da cidade. Não tem jeito, eu não tenho alternativa senão pegar uma subidona pra vir. Dessas que tem que respirar fundo e pensar no sentido da vida, porque é pesada e longa. Enquanto estou fazendo meu exercício meditativo, sempre passam uns ciclitas profissas por mim. Aquele pessoal com roupa colorida, calça com almofadinha e bicicletas fininhas. Eles passam por mim como se nada fosse e só os vejo por detrás, com suas panturrilhas mais fibrosas do que carne de segunda.

 

Aquele dia vi dois ciclistas um pouco adiante. Ao contrário dos outros, era pessoas normais em bicicletas normais. Um estava a um metro do outro. Eles sofriam, iam bem devagar. Percebi que eles iam um pouco mais devagar que eu, ou seja, aquela era a hora. Corri o máximo que pude para alcançá-los, antes que a subida terminasse, e tive o cuidado de, ao passar ao lado, recuperar o fôlego e fazer cara de paisagem.
Subida? Nem senti.

Na volta para casa

Já era noite, pra variar. Estava no biarticulado. Um cara sentado na minha frente no ônibus atende o celular:

– Alô!… Estou onde o boi se esconde.
(Sonoro, né?)

Quando passei nos prédios perto de casa, tudo meio vazio, as calçadas mal iluminadas pela folhagem das árvores, avisto um casal se beijando no meio da calçada. Bem no meio, daquele jeito que não sobra espaço pra mais nada. Eles se beijavam num abraço e com um entusiasmo que só um primeiro beijo ou uma grande paixão explica. Passei longe, pisando na grama, rapidinho, pra não atrapalhar a cena. E ter visto essa cena e ter ficado feliz por eles me fez bem. Passou o tempo que ver casais se beijando doía.
(insira aqui um sorriso)

Indefensável

Eu entendo suas críticas, e quando olho a situação de fora, ela também me parece indefensável. Como é possível que a mais organizada, a mais CDF, a mais culta dos três, a que parecia ter tudo sob controle, tenha deixado as coisas chegarem nesse ponto. Dois diplomas em faculdades públicas, um mestrado, um livro publicado, e está costurando maiôs? Como ter orgulho disso, como achar que está tudo certo, que as escolhas foram acertadas? Ah, não tem como. Não tem como dormir tranquila e achar que está tudo no lugar. Quem não se preocuparia, quem não acharia que enlouqueci. Quem sabe se eu tivesse um plano B, ou uma atividade secreta, aí sim. “Ninguém sabe mas eu trafico drogas, ganho uma nota preta por debaixo dos panos!”. Ou se meus planos fossem loucos mas com um quê de idealismo, um desejo de eternidade: “Estou economizando porque minha ideia é abandonar tudo e viver como monge mendicante na Índia”. Mas não, é só isso aí. O plano é isso aí que todo mundo conhece, não tenho cartas na manga.

 

Eu entendo e concordo. Concordo racionalmente, concordo quando penso em termos dos valores da sociedade, dos valores que de certa forma também compartilho. O problema é que eu gosto de estar onde estou. Gosto fisicamente. Gosto da minha casa e de tudo – que é tão pouco – que há dentro dela. Gosto de onde me deito, me levanto, desta cadeira onde sento para digitar. Gosto da bicicleta, do ônibus às vezes cheio, da piscina, de ter que sair de casa com tanta antecedência porque ando muito à pé, do chão de madeira onde sento para ler antes das aulas de flamenco. Quase sempre gosto das pessoas à minha volta, das coisas que elas me trazem e do que vivo com elas. Vou te dizer que tem umas tão legais, com tanta luz própria, que eu me conformaria de simplesmente saber que elas existem. Desconfio que talvez eu até seja importante para algumas delas. Mas, voltando, agora ao mais importante: tenho gostado de quem eu sou. Gosto de quem eu sou hoje, de tudo o que essas experiências fizeram em mim. Olho para trás e sei “onde foi que eu errei”. Sei exatamente onde fui insensata. Sei dizer em que momentos deveria ter capitulado e o que isso faria pela minha conta bancária e status. E, sim, sei que dá pra conjugar o verbo no futuro e querer recuperar tudo o que deixei para trás. Ou parte. Não daria para recuperar tudo mas, e daí? Seria uma saída mais honrosa, uma perspectiva, uma segurança.

 

Falando em perspectiva, e sei que você me perguntaria: e daqui há vinte anos? Pergunta capciosa essa, que já me preocupou e agora não mais. Daqui há vinte anos, tenho certeza, eu não estarei mais aqui. Não essa eu. Estará uma outra pessoa, com outros valores, outras perspectivas. Muita coisa pode acontecer, não dá pra me encaixar no mesmo cenário com mais rugas. Eu não acredito que realmente daqui há vinte anos eu esteja nos mesmos trajetos, com as mesmas pessoas e mesmas atividades que eu estou hoje. Não por uma fé no futuro, por achar que o tempo sozinho vai se encarregar de resolver a minha vida, não é isso. É por saber que nada permanece no lugar. Tanto as coisas boas quanto as ruins. Elas não ficam no lugar mesmo quando a gente ama e faz força, mesmo quando quer que nunca se acabe. Meu casamento foi assim e acabou. Isso daqui vai acabar também. Casa, amigos, maiôs. Pode ser aos poucos, pode ser de repente, mas vai acabar. Acabará em função do nascimento de outra coisa. Eu tenho feito a minha parte, que é amar o meu presente. Com isso tenho aumentado minha capacidade de amar, e a levarei para o meu futuro – que não faço a menor ideia de qual é. Ou seja, a questão de daqui há vinte anos não cabe, não tem importância.

Essa é a única defesa que posso apresentar. Louca, capenga, adolescente, fora da casinha. Não dizem que Deus protege os bêbados, os loucos e as crianças? Acho que me encaixo em duas categorias. Talvez a grande diferença entre nós é que eu realmente acho esta existência uma bobagem. Poderia citar os upanishads ou sutras budistas pra corroborar o que acabei de dizer, mas não vou fazer porque não é por causa deles, não é uma crença intelectual. São meus ossos e meus músculos. Eles é que se recusam e não vão para onde não querem. Não atuam pensando num futuro, se recusam a abrir mão do prazer do presente. Leela, leela. A vida é um suspiro, uma bobagem. Estamos todos brincando de Banco Imobiliário, não tem porquê levar isso à sério.

 

Bethânia e o tigre

Não sei se vocês já perceberam que eu adoro Bethânia. Não sei se eu já disse que minha teoria pessoal é que depois de abandonar o corpo físico – porque ela vai abandoná-lo como quem larga uma roupa velha – Bethânia se tornará um orixá, dos poderosos. Oxóssi que me perdoe, mas eu me sentiria honrada em ser filha de Bethânia.

 

Eu sempre chamei de Tigre. Ele foi ficando mais forte com os anos. É como se subisse ou baixasse em mim algo muito forte, animal e corajoso. É meu e ao mesmo tempo é muito maior do que eu. No início vinha completamente sem controle, até como algo nocivo. Eu me sentia atacada de alguma forma, o sangue subia e lá estava o Tigre. O Tigre é capaz de tudo. Já fiquei batendo numa caminhonetona, na esperança de disparar o alarme e confrontar o dono, porque ela estava estacionada em local proibido e atrapalhando o nosso carro. Se um dia tentarem me assaltar e o Tigre vier à tona, capaz de eu colocar o assaltante pra correr. Se o Tigre não aparecer, eu dou meu dinheiro e depois choro.

 

E no sexo. Tem uns desenhos Disney que quando passam mulheres bonitas a cabeça do bonequinho vira um lobo e ele assovia. Vejo isso e penso que todos se sentem meio alterados quando o tesão atinge um certo ponto. Eu percebi que o meu Tigre gosta de atividades físicas, talvez por ser tão físico. Bem, eu já fui de passar a manhã inteira na academia. Na natação, foi a primeira vez que eu senti que o Tigre pode ser invocado. Nas séries de velocidade, quando o corpo cansa e dá aquela vontade de simplesmente parar, é graças ao Tigre que eu consigo ir adiante e melhorar o tempo.
Bethânia. Vejo essa gravação dela, cantando com essa intensidade aos dezessete anos e penso que Bethânia não é como nós, ela já nasceu Bethânia. Nós passamos a vida inteira pra adquirir uma certa expressão, pra ter o que dizer, pra deixar pudores bestas de lado, enquanto novinha ela já era uma grande artista. Me parece que, com o tempo, a gente consegue melhorar em qualquer arte; com persistência a gente acaba entendendo. O problema é que às vezes a nossa aprendizagem é lenta demais pro tamanho da vida. Anos pra conseguir mostrar um pedacinho de pele. E uma Bethânia aprende na velocidade da luz.

 

Faz cinco anos que eu danço flamenco. Desde sempre ouvi que era necessário me interessar pelo cante, pela história, por toda música e cultura. Recebi material, conselhos, gravações. Minha maestra Miri não se cansa de ressaltar que o melhor professor não pode fazer nada mais do que indicar, o aluno é que tem que trilhar o seu caminho. E, mesmo assim, sei lá. Não tinha paciência, energia. Aprendia as coreografias, fazia bem feito, mas também faltava alguma coisa. Ultimamente tem sido diferente, não sei o que me aconteceu. Não sei se é o meu momento de vida, o que passei no ano passado e o que estou vivendo agora. Ou se é o resultado de tantos anos de esforço, como algo que fui acumulando e finalmente chegou na borda. O que eu sei é que agora o Tigre quer. E o Tigre consegue tudo.

Na minha idade

Uma vez me disseram que eu tenho Complexo de Peter Pan. Fiquei chocada e concordei. Nunca pensei em mim mesma como alguém que faz um esforço deliberado para não crescer. Ao contrário, em certas coisas me sinto uma verdadeira sexagenária. Mas tenho que reconhecer que pra outras ainda estou no jardim de infância. O argumento que a pessoa usou foi o que meu problema em seguir uma carreira é justamente o complexo. Começo, mudo de área, recomeço, nunca me firmo, porque se firmar numa profissão é uma coisa bem adulta.

 

Várias vezes achei que me tornaria professora universitária, e várias vezes investi em roupas mais sérias pensando nas minhas futuras aulas. E, invariavelmente, essas roupas ficavam paradas no guarda-roupa sem uso, até serem doadas. Calças sociais, blazers, sedas. Há poucos dias desabafei no meu facebook sobre o assunto:

 

Às vezes eu penso se não deveria me vestir de forma mais compatível com a minha idade. Mas, afinal, o que as mulheres da minha idade usam?

 

Os amigos vieram em meu socorro, dizer que uma mulher deve vestir o que quiser, o que for adequado ao seu estado de espírito. Há os que perguntaram afinal como é que eu me visto, e eu acho que me visto igual a uma universitária – coisa que não sou há mais de dez anos! Claro que, sendo meus amigos, apareceu conselhos de que o que me falta é um xale. Pra combinar com a cadeira de balanço.

Eis que de manhãzinha estava saindo cedo de casa, com a minha bike, e encontrei a vizinha. Ela tem mais ou menos a minha idade e é psicóloga. Olhei para ela e descobri o que uma mulher com meu físico na minha faixa etária usa: camisa branca, calça social bege, salto agulha e yorkshire.

Simpatia, ex e sexo

Não sei qual das coisas absolutamente normais eu disse, normais no sentido de que eu as diria inocentemente para qualquer um, que fez com que minha médica me falasse, espontaneamente, que eu sou uma pessoa muito simpática. Vai ver que sou. Eu tinha é que conseguir arranjar uma maneira de ganhar dinheiro com isso.

“Dá pra virar amiga de aluguel, igual o teu amigo Alessandro“. “Pra mulheres isso costuma ter outro nome” “As gueixas não dormem com os seus clientes”. Trollagem de ex – a melhor trollagem.

E já que o assunto é esse, tenho que dizer: se descobrir capaz de fazer sexo sem estar apaixonada é uma das coisas mais libertadoras que existem. Mais não digo.

Descida

Eu entendo o sentimento dos crentes chatos que ficam falando de Jesus. Entendo a lógica dos vegetarianos que enchem o saco dos que comem carne, dos não fumantes que não deixam a pessoa fumar em paz. Sei porque os não-tatuados falam do envelhecimento, dos futuros empregos e as mudanças de vida. Os que recomendam concursos públicos, carro ao invés de bicicleta, cortar o ovo e a manteiga. Eu mesma tenho que morder a língua e não sair por aí falando da importância do alongamento. Pode parecer exagero, mas é a mesma, a mesmíssima lógica de quem é contra as drogas ou quer que a amiga não se envolva com aquele cafa que está lhe sugando até os ossos. É duro admitir que nem todos querem as decisões sensatas. Nem todos querem os dias tranquilos, a conta bancária equilibrada e o colesterol baixo. Claro que em alguns casos a decisão não é a mais sensata, é apenas a nossa maneira de ver a vida. Projetamos nossos valores e achamos que são a medida de todas as coisas; quanto mais a pessoa está convencida de que sua maneira é a certa, mais quererá se meter no cu (agora é pra você pensar naqueles que são contra gays) dos outros. Mas tem outros casos – como o da droga ou da amiga – em que a pessoa toma claramente o caminho mais destrutivo. Não é por falta de inteligência ou reconhecer que os conselhos sensatos são sensatos. É a pulsão de morte freudiana. A pessoa quer viver aquilo. Ela quer se rasgar, sofrer, quer conhecer seus limites, chegar perto da destruição. Ela sabe que está numa descida e ainda corre pra ganhar velocidade. Nada pode detê-la. Não há lei, polícia ou conselho que consiga evitar impedir a pessoa determinada a abraçar o desastre. É um direito inalienável. O inferno existe e está aí pra isso. Ela quer, ela vai, ela pode. Aos outros só resta esperar e torcer.

Curtas bio-ortográficas

Falar a coisa certa na hora certa é um dom. Que costuma estar ligado ao cromossomo X.
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Troco mensagens de celular com uma pessoa de curso superior e ela comete um erro crasso de português. Eu, de tão constrangida, fiquei procurando um sinônimo na hora de dar a resposta, só pra não parecer que estou jogando na cara.
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Uma mania: corrigir mentalmente textos alheios mal escritos. Tenho um amigo, em especial, que coloca várias ideias no mesmo parágrafo e acha que as vírgulas dão conta de tudo. Minha diversão é oferecer várias pontuações alternativas.
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Toda psicologia fala mal da rotulação. Dizer que a pessoa tem tal transtorno ou distúrbio limita, prejudica, impede de ver o ser humano integral, etc. Mas, nossa, tudo passa a fazer tanto sentido depois de encontrarmos a caixa certa.

Namoro?

 

Me disseram que namoro é status, mercadoria rara. Assim como o casamento é, e percebi claramente quando casei. E mesmo agora, que não sou mais, o status permanece em mim, uma marca eterna. Não sou, mas fui. Eu consegui, uma vez na vida um homem me escolheu para ficar o resto da vida do meu lado. Que se dane se não deu certo, sou mais do que as outras que nunca viveram isso. Acho terrível, mas quase todos vocês pensam assim.

 

Por outro lado, já ter vivido é diferente. Eu sei o que ser a “oficial” – agora falo também de namoro – implica. Tem o andar de mãos dadas, o apresentar para os nossos amigos na expectativa que ele se misture, ser apresentada aos amigos dele na expectativa de agradar, a mudança de status no facebook!, o ajuste das agendas, o entrar num ambiente e ser olhada como propriedade daquele homem, a dificuldade em conciliar gostos na hora de escolher um cardápio, a tampa da privada e o papel higiênico, os gostos bestas que você deve amar, e se isso não acontecer, lembrar de jamais jogar na cara. E tem a família. (suspiro). Tem a família.

Não sei se consigo mais. Neste momento, não.

Lado escuro

Tem coisas que a gente não conta não porque não confia, não porque tem vergonha, não porque o outro não entenderia, não porque não é hora. A gente não conta apenas pra não fazer com que o outro descubra um lado escuro que a sua própria vida nunca teve.

Gordurinhas são dinheiros

Tentar emagrecer dá a sensação de que o corpo está contra o nosso propósito. Só quando meu irmão biólogo me explicou que o corpo encara a gordura de forma diferente, que para ele a gordura é um estoque desejável, é que eu entendi de verdade o mecanismo do emagrecimento. Vai que isso ajuda outras pessoas a entender:

 

Imagine que depois de pagar todas as suas contas, você fique com duzentos reais de sobra. Todo mês você sabe que, em média, é isso o que você tem para guardar ou fazer o que gosta. Aí, acontece alguma coisa – um trabalho extra, um bônus, uma conta que deixa de ser sua – e no final do mês estão sobrando quinhentos reais. “Oba, quinhentão, este mês estou rica!”. Que felicidade, que alegria. Aí, no mês seguinte, o tal bônus continua, e você tem quinhentão sobrando de novo. Dois meses de riqueza, que legal! Aí no outro mês tem quinhentão, e no outro, e mais outro… O que acontece: você deixa de encarar os quinhentos como extra, você incorpora os trezentos a mais. Nas suas contas e na programação do mês, você já se considera uma pessoa com quinhentos mensais de sobra. Muito mais legal, quanto mais dinheiro melhor. Se tentarem te fazer voltar aos duzentos, você não vai gostar, porque na sua auto-imagem e programação, você já é uma pessoa com quinhentos. Você vai tentar voltar aos quinhentos de qualquer jeito.

 

Nosso organismo é assim com as gorduras. Ele se sente mais seguro e rico quando consegue fazer estoque. Quando a gente reduz caloria, o corpo se sente roubado e não gosta de ficar pobre. Do mesmo jeito que a gente hesitaria em retirar os trezentos de sobra, ele demora para receber poucas calorias e achar normal. Pra mudar a programação, só superando o período de revolta por ter perdido os bons tempos de bonança. O corpo magro é como aquele pobrinho acostumado a trabalhar com as contas no limite, o gordo é o que tem dinheiro de sobra.

Testemunha

Quem teve esse insight foi o Alessandro, em uma de suas cartas. Que um dos grandes motivos de se ter um longo relacionamento é a necessidade de ter uma testemunha. Quando a pessoa perde os pais e os irmãos, ela deixa de ter testemunhas importantes. No meu caso, não haveria mais ninguém no mundo que se lembre como eram as lagartixas no muro da vizinha, brincar de “é meu” na hora de folhear uma revista, imitar os médiuns pintando quadros, o imposto sobre a letra A dos chocolates Lacta. Eu já havia percebido que há uma relação eterna entre ex-esposos, mesmo aqueles que se odeiam, quando meu irmão sofreu acidente e meus pais se preocuparam um com o outro, apesar de não se falarem há anos. E agora eu vivo isso, com meu ex, que continua sendo (e quem sabe o será para sempre) a pessoa que mais me conhece, a que presenciou minhas maiores mudanças. Só ele entende umas atitudes que parecem ilógicas e intempestivas pros outros. No dia que eu caí da escada, com a separação ainda muito recente, foi pro Luiz que eu liguei – meu melhor amigo, meu porto seguro há anos. Que sofrimento imenso deve ser quando um casal precisa (ou sente que precisa) renegar a importância do outro. Ele se preocupou, quis saber se eu tinha quebrado alguma coisa, se ofereceu para vir. Não, não precisava de nada. Eu só queria que ele soubesse. Sempre achei que a vontade de ser famoso e as notas estúpidas que as celebridades plantam por aí – Fulano bebeu com os amigos, Beltrana foi ao shopping, Cicrano usou bermuda azul – fosse esse prazer, que antes do Alessandro eu não sabia que nome tinha. Meu blog é meu pedacinho de vida de celebridade. Por mais que pro mundo eu fosse apenas mais uma mulher solitária e separada, sem destaque em qualquer campo da vida, vivendo um sofrimento tão igual e menor do que existe por aí, há quem venha aqui me ler. Um ou dois pra saber como eu estava e se importar comigo. Eu estava fisicamente só, mas tinha testemunhas. Este blog, minha mensagem na garrafa jogada em alto mar. Pensei neste post porque estou constrangidíssima, sem ter como me desmentir, porque por duas vezes comentei com um amigo problemas muito domésticos e ficou parecendo que era para ele intervir. Tanto não era que ele não teve que fazer nada. Mas ficou parecendo. É que estávamos conversando justo quando os problemas aconteceram e falei. A necessidade de ter testemunha. Quanto não chorei, esperneei e ameacei desistir e o Luiz ouvia tudo tranquilamente. Porque ele sabia que depois de calma eu fazia o que precisava. Penso nos muitos namoros virtuais que tive, verdadeiros fantasmas pros outros e muito presentes pra mim. A gente só quer testemunhas. Pra abrir a porta, enfrentar o mundo, matar os leões e voltar. Tão sozinhos como sempre fomos e seremos. Mas o olhar, a ciência do outro, faz uma diferença imensa.

Jout Jout

Como não ficar a-pa-i-xo-na-da por essa moça? Já cheguei a cogitar algumas vezes gravar vídeos – sacumé, blog é uma coisa são superada e eu ainda aqui – mas desisti porque tenho consciência de que eu não teria a menor graça ao desenvolver um tema assim, falando para a câmeras. Pra não ser repetitiva, não vou colocar aqui o vídeo do Relacionamento Abusivo, depois de ter insistido tanto no Facebook.  De qualquer forma, assistam. Neste daqui, digam se não é uma graça quando a chuva começa e ela quer ir lá fora?