Não sei quanto a vocês, mas eu recebo e-mails sobre o fim do mundo, o que está previsto para dezembro deste ano. Como sou um espírito fraco e impressionável, me pego pensando sobre o assunto: então quer dizer que a apresentação do fim do ano é a última da minha vida, que nunca chegarei à turma do avançado no flamenco? Então eu nunca mais publicarei outro livro? E o sofá novo, compro ou não compro? Por outro lado, a idéia do mundo acabar logo me dá algumas idéias consoladoras: nunca envelhecerei, nunca terei que lidar com a dor de ver as minhas carnes caindo e a beleza ir embora. Não terei um longo passado para olhar para trás e ver que não fui nada de importante na vida. Ter feito de tudo um pouco, sem me preocupar com meu futuro e minha carreira será a melhor coisa pra uma vida tão curta. E o melhor de tudo: não terei de lidar com a morte dos que eu amo, porque todos morreremos juntos.
Só que essas mensagens fazem questão de ressaltar que não será um fim do mundo imediato, como uma grande explosão. Será apenas uma mudança, o fim de uma era. Ao invés da explosão, teremos erupções solares e alinhamento dos pólos, que destruirão a nossa tecnologia e nos deixarão na mais completa escuridão durante 72 horas. Aí eu sou obrigada a concordar com eles e dizer que isso realmente promoveria uma mudança: deixaríamos de ser civilização e voltaríamos para idade da pedra. Eu prefiro morrer a viver essas coisas. Sem alguém que plante, que colha, que venda e revenda e deixe a comida no supermercado pra eu comprar com meu cartão de crédito, não tenho como sobreviver. Preciso de água saindo da torneira e de fogão com gás. Por mais antiecológico que seja, meu modo de vida está inteiramente ligado à tecnologia e à divisão de trabalho, sem eles eu sou inútil. Somos, então, aconselhados a armazenar enlatados, velas e fósforos, o suficiente pra sobreviver sozinhos. Tenho que ter isso para quanto tempo, uns trinta anos?
Se as circunstâncias forem essas, acho que não adianta estocar coisas em casa e querer viver com o resta da nossa civilização. As pessoas terão de assumir o fim e começar um novo modo de vida. Os vizinhos precisarão se unir, dividir o que têm, cultivar as terras e levar a vida como é possível. Uma vida comunitária, muito mais ecológica. Surgiria algo novo; a nossa cultura e progresso se tornariam apenas uma lenda ou algo a ser reconquistado num futuro muito distante. Seria uma vida dura, muito parecida com o nosso passado ou como dos povos que consideramos inferiores. Só que há um novo empecilho: de acordo com as teorias apocalípticas, nem todos precisarão passar por essas provações. Os melhores dentre nós, cerca de 15% da humanidade, serão retirados da Terra. Arrebatados na visão dos crentes, salvos pelos ETs na visão dos místicos. Justo no momento que a humanidade mais precisará de líderes e pessoas honestas elas vão embora? Aí fica difícil.
Tem quem esteja muito seguro e até feliz com a idéia do fim do mundo porque tem certeza que faz parte dessa elite. Eu nunca matei, nunca roubei, já cedi muito lugar pra velhinha no ônibus (algumas vezes porque elas me expulsaram), mas não tenho essa confiança. Se fosse um concurso com os 15% piores, eu me sentiria segura, mas entre os 15% melhores eu não acho que esteja. Sou uma pessoa que procura levar a vida corretamente, mas tem quem faça muito mais do que isso. Tem muita gente boa aí, que dá comida pros mendigos de madrugada, que se dedica aos outros. A mim só resta torcer para essas teorias estarem todas erradas, ou pelo menos esperarem que eu já não esteja aqui para ver.