Olho para minha vó e pra minha mãe e tenho a certeza de que venho de uma família privilegiada, que carrego genes de mulheres cuja beleza dos traços resistem bem à passagem do tempo. Numa das minhas primeiras semanas de aula na faculdade, eu estava sentada no ônibus e vestia orgulhosa a minha primeira camiseta com o nome e o símbolo do meu curso. Um pouco mais à frente, algumas pessoas que pastas de cursinho conversavam. Quando o ônibus parou e eu me levantei, eles finalmente notaram a minha presença e disseram: “Olha a camiseta que aquela menina está usando!”, como se eu estivesse com a roupa da minha irmã. Eu era nova – dezesseis anos – e devia mais parecer uma estudante de segundo grau do que alguém que já estava uma etapa à frente.
Pouco tempo após meu casamento, minha mãe entrou no elevador e encontrou uma vizinha. Ela comentou que há muito não me via, e minha mãe respondeu que é porque eu não morava mais ali, eu havia me casado. A vizinha fez uma expressão contrariada e silenciou durante alguns instantes. Depois disse:
– Eu acho que você não deveria ter deixado a sua filha se casar. Ela é muito nova.
– Mas ela tem vinte e cinco anos!
Há uma beleza própria da juventude que tentamos agarrar e nos escapa. Alguns permanecem com ela um pouco mais de tempo do que os outros, mas ela sempre termina. Não sei dizer quando me aconteceu. Nos olhamos todo dia no espelho e não percebemos a mudança. A pele perde o viço aos poucos, arrancamos alguns fios brancos, o olhar se torna diferente. Quando estamos tão jovens, tudo parece natural: os olhares por onde passamos, as excessivas gentilezas masculinas, o frisson quando entramos num ambiente. Isso vai diminuindo tão lentamente que no início não temos certeza, achamos que é algum tipo de coincidência. No espelho parecemos as mesmas, mas alguma coisa muito profunda mudou. Até que um dia não dará mais pra ignorar.
Eu era quase quinze anos mais velha do que quase todas as meninas que faziam dança comigo. A única coisa que tínhamos em comum era o fato de dançarmos juntas. No máximo, elas me lembravam coisas que eu já vivi. Perto delas a Sabrina nem era tão nova. Ela já tinha prestado vestibular, já tinha feito teatro, já havia sido modelo. Assim como eu um dia, ela parecia muito mais nova. Eram dezenove anos com carinha de dezesseis. Cabelo preto e muito bem cuidado até a cintura, voz fina, rosto de boneca, predileção pela cor violeta (violeta é o rosa das adultas, conforme me disseram), um jeito todo feminino e delicado de ser. E o mais importante de tudo: um doce de pessoa. Todas essas coisas fizeram dela uma amiga constante enquanto eu estive lá.
Às vezes saímos pra comprar alguma coisa juntas, ou pra conversar. Era ficar ao lado dela esperando o sinal fechar para que vários carros passassem buzinando; era parar um pouco para conversar de pé na rua XV para vários adolescentes pararem, os homens virarem o pescoço. Não havia como negar – tudo aquilo era pra ela, não mais pra mim. Eu já sou uma mulher.
Goza, goza da flor da mocidade,
Que o tempo trota a toda a ligeireza,
E imprime em toda a flor sua pisada.
Não posso dizer que sou imune aos custos do envelhecimento, que suportarei com tranquilidade as mudanças do meu corpo. Quando as peles caírem, quando as gorduras se acumularem, quando os sulcos ficarem muito profundos, como resistir ao apelo da indústria da estética? A velhice não nos torna automaticamente sábios, não retira do coração os desejos que sempre nos alimentaram. Não sei se existe preparação possível à idéia de deixar a vaidade de lado e ser apenas uma velhinha. O que eu acho realmente triste em toda essa história é saber que todo o investimento que se possa fazer em plásticas, preenchimentos, lipoaspirações e botox é em vão. As novas gerações e a juventude sempre serão mais belas.
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