Sei da importância e tudo mais, mas não consigo gostar de Picasso. Talvez seja um dos pintores que eu tenha pesquisado mais do que outros justamente porque tentei entender e, quem sabe, produzir em mim um gosto pela obra que nunca me surgiu espontaneamente. Nessas pesquisas descobri que, ao contrário do que muitos pensam, ele tinha pleno domínio das técnicas de desenho e pintura. O leigo pode ver aqueles desenhos de perspectivas estranhas e achar que qualquer um faz, que desenhar não importava e sim a ideia. Quando mais estudo, mais me convenço de que nunca é assim. Seja no jazz, na escrita, na pintura, na escultura, pra inovar é preciso um grande domínio sobre a técnica tradicional. Só essa intimidade permite desconstruir.
Me identifiquei como escritora (o velho problema de sempre: que dizer quando me perguntam o que faço) e minha amiga me disse que o marido dela também escreve muito bem. Que ele era um grande contador de histórias, que tinha a imaginação muito rica e tal. Não tenho porque duvidar – um casal de advogados bem sucedidos e inteligentes, se ela disse que seu marido escreve, certamente escreve bem mesmo. Ela me disse que ele comprou um livro ótimo, que ela podia me emprestar, com todas as técnicas de escrita, como chegar a certas emoções num romance, etc. Não pude aceitar porque o livro está em inglês. Pensei: é claro que algum esperto já tinha que ter feito um livro desses, dando todos os instrumentos, todas as dicas para ser um grande escritor.
Somos muitos. Muitos os que sabemos fazer. Muitos que somos estimulados pelos nossos amigos, que temos meia dúzia de fãs caseiros. Já tem até livro. Potencialmente, somos todos como Picasso. Se eu fosse numa cartomante, quem sabe ela me dissesse que há, aqui, uma futura grande escritora. Está tudo na mão e é justamente isso o que dá medo, esse o problema. Podemos. Mas também não podemos. Temos que descobrir sobre o que escrever, e depois sentar para escrever até ficar bom. Em algum momento, é preciso se decidir e levar à sério esse potencial. Fazer de si um projeto. Passar meses com a bunda na cadeira, escrever, reler, reescrever até o infinito. E mesmo assim… Ao tentar de verdade, existe a terrível possibilidade de descobrir que não tão bons, que a tarefa é muito mais difícil e assustadora do que parecia a princípio.
É isso o que tenho feito, tenho escrito. Com este blog pouco frequentado, com o outro blog pouco frequentado, com umas histórias que poucos amigos leram. Estou me dando a tentativa de presente. Ufa, eu não sabia que tentar requeria tanta convicção! Um brinde aos que tentam, aos que se arriscam. Essa é a única parte que está sob nosso controle, o único e grande passo a ser dado: a tentativa.