Conflito estético

Olha, não é fácil. Acho sinceramente que a gente vive uma ditadura absurda em torno do corpo. Para as mulheres, não é mais possível envelhecer com dignidade nesse país. Ter rugas é crime, não ter corpo de adolescente é errado. Tenho pena de quem é adolescente agora, porque quando eu era adolescente, bastava ser magra e pronto. Agora a magreza precisa vir acompanhada de tônus, de barriga desenhada, cinturinha, peitão, bundão e coxão. Quem não é assim recebe o rótulo de desleixado: “Fulano não se cuida”. Pouco importa se sua opinião, sua genética, seu metabolismo e seu estilo de vida não correspondem ao corpo que as revistas gostam. Como disse Foucault*, se no passado o corpo era proibido de ser exposto e tocado, hoje ele é exibido com a condição de que seja magro, bonito e bronzeado. Ou seja, é uma ditadura mais refinada, tão ou mais violenta quanto a anterior.

Isso é o que eu penso. O que eu sinto é que as roupas cairiam melhor se a minha barriga não fosse do tamanho que sempre foi. Pra piorar, agora ela é de um tamanho de manhã e vai aumentando com o passar das horas, de maneira que à noite está o dobro. Às vezes parece que todos os meus problemas de auto-estima, de guarda-roupa, idade e profissionais se resolveriam se minha barriga magicamente secasse. Fico pensando o quanto seria maravilhoso dormir com barriga gordinha e acordar com barriga lisinha, mesmo que pra isso eu pagasse alguns mils reais (que não tenho) e ficasse com dor durante algumas semanas. Imagino o quanto eu ficaria maravilhosa nos meus collants e futuros vestidos de flamenco. Poderia passar a usar biquinis, calças de cintura baixa, vestidos coladinhos e tantas outras roupas que gritam comigo na luz fria do provador. Talvez as pessoas nem notassem a diferença porque nem exibo meu corpo por aí. Seria uma coisa só minha (e do Luiz). Eu me sentiria mais bonita.

Um lado meu acha isso fútil e até mesmo ingrato, enquanto outro fala “o que é que tem?” O Alessandro chamaria de egrégora e em sociologia chamamos de violência simbólica. O fato é que saber não consegue evitar que eu sinta.

*FOUCAULT, Michel. IX O corpo. In: Microfísica do poder. 22º ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006.

O bonzinho e o malvado

Às vezes a gente conhece certos casais e não entende. Como ele (geralmente é ele), uma pessoa tão legal, pode estar ao lado de uma megera. Igual novela, uma pessoa boa ao lado de uma pessoa má. Todo mundo vê os defeitos da criatura, será que só ele é que não? E começa a imaginar que bom seria se a pessoa ótima tivesse ao lado dela outra pessoa ótima. Tudo seria ótimo: nada de desacordos, programas desfeitos, cortes e problemas com os amigos. Se você pensa isso, deixa eu dizer uma coisa que vai desiludi-lo: o malvado da relação geralmente o é de comum acordo com o bonzinho.

É como uma divisão de tarefas: o bonzinho delega as tarefas desagradáveis para o outro. Quem foi que nunca usou os pais como desculpa pra deixar de fazer algum programa quando criança – ou até mesmo na adolescência? É a mesma coisa. Os dois concordam com o assunto mas apenas um fica com o nome sujo. Algumas vezes, por mera questão de gênero, por ser papel do homem ou da mulher implicar com algumas coisas. A desculpa do ciúmes é prática pra se livrar de um mala do sexo oposto. Programas chatos e irrecusáveis se tornam fáceis de escapar quando você diz que o outro é que não quer. Isso sem falar nas vezes em que o malvado é eleito de graça, meio como ser o mordomo numa história de assassinato. Meus sogros e minha cunhada têm uma relação muito próxima, de morarem atravessando a rua, se falarem todos os dias e almoçarem juntos todo fim de semana. Eles tinham a expectativa de que com o Luiz fosse assim também. Não é – e adivinha quem tem levado a culpa?

Mais teatro, Brasil!

Quando a gente entra no meio artístico, fica espantado com o nível de pobreza que existe por detrás dele. Não, não é apenas falta de recursos, é pobreza mesmo. As pessoas tiram do próprio bolso pra viajar, pra fazer apresentações, pra terem figurinos. Antes da gente ouvir falar no trabalho delas, elas já pagaram cursos, freqüentaram palestras, deram a cara a tapa, reuniram um grupinho numa garagem. É um tal de pegar roupa velha no baú da vó, pedir pro amigo músico dar uma canja, usar namorado como motorista, ser ator-diretor-roteirista-bilheteiro e todo tipo de falta de estrutura que você pode imaginar. Por mais talento e esforço que essas pessoas tenham, tudo tem seu limite. Porque sem investimento, não dá pra sair do amadorismo. É uma pessoa aqui e outra lá, cada uma lutando pra reinventar a roda. Vamos parar de exigir que a arte seja bobagem ou fruto do sacrifício de alguns.

Com apoio tudo fica mais fácil. Vários blogs estão apoiando a idéia do Cenarium. O principal objetivo é coletar assinaturas para um projeto de lei para que cada cidade com mais de 25 mil habitantes tenha um teatro com estrutura mínima de 250 expectadores. Porque eu tenho certeza que essas cidades já têm artistas e já tem público. Eles só precisam de um ponto de encontro. Imagine só: em todo o estado do Tocantins, com população de cerca 1,250 milhão de habitantes, há apenas uma sala de teatro; em Rondônia, com população de 1,5 milhão, há apenas três salas de teatro.

É só entrar no site http://www.maisteatrobrasil.org/ pra se cadastrar e assinar a lista de adesão. Com essas assinaturas, será elaborado um Projeto de Lei de Iniciativa Popular, a ser entregue diretamente ao Congresso Nacional.

Mais informações:

De bailarina a bailaora

O principal motivo que me levou a fazer ballet foi muito simples: me disseram que é a dança mais difícil que existe. Comparável a ele, só o flamenco. Só isso já diz muita coisa, não é? Quando larguei o ballet, tinha muito claro que jamais pararia de dançar. O que restava era descobrir que dança o substituiria. Em primeiro lugar, tinha que ser alguma que me desse grande prazer. Com isso, eliminei o contemporâneo e o moderno, que fiz quase durante o mesmo tempo que o ballet e nunca me deu tesão. Em segundo lugar, não poderia ser algo fácil, porque assim eu desistiria logo. Eliminei dança de salão, que fiz durante anos e pegava tudo tão rápido que esquecia logo em seguida; o hip hop, apesar de difícil, não me identifico com a cultura. Em terceiro, deveria ser algo que eu me sentisse à vontade de estar no palco fazendo. Foi embora a Dança do Ventre, que só teria coragem de mostrar entre quatro paredes. O que definiu pelo flamenco foi: uma dança que eu ache bonito e que os movimentos me digam algo.

Imagine só: eu passei os últimos anos me sentindo velha, gorda, torta, encurtada e lenta. Agora, no flamenco, as pessoas me olham como se eu fosse a nova promessa da dança. Esse negócio de tipo físico e idade nem entra em questão lá. Sou mais alongada do que todas as pessoas da escola. Eles se impressionam pela maneira como eu gravo as coisas, sei contar os tempos da música, consigo colocar os braços pouco depois de ter aprendido as pernas. A dona de escola é uma fofa, daquelas pessoas que pelo sorriso você sente que é boa. Do meu lado, já amo o flamenco como se andaluza fosse. Quero camiseta com castanholas, comprei saia, vejo videos. Um amor que nunca me permiti ter com ballet – todo mundo tinha acessorios com estampa de sapatilhas de ponta menos eu, porque sabia que nunca me deixariam entrar no palco com uma.

Que não é uma dança fácil, não é mesmo. Gente, o que são aquelas mãos? A professora fala pra eu rodar pra fora, eu rodo, e ela me corrige dizendo que ainda está para dentro. Isso porque nem falamos em castanholas… Esse negócio de bater o pé é muito difícil e me cansa horrores. No ballet é tudo fora do chão, tudo fadinha e o menos barulhento possível; o flamenco é terra, joelhos semi-flexionados, barulho, peso. Devo parecer uma sonâmbula dançando, porque meus movimentos são todos leves, todos “eu não sou daqui”. Quanto mais intensa a bailaora, melhor. Vi La Talegona ao vivo e parecia que a qualquer momento ia cair um rim no chão. Achei que eu ia morrer naquela cadeira, esquecida de respirar. A mulher é pura energia, intensidade, é uma deusa. Olho pro flamenco e duvido da própria paixão que existe dentro de mim.

Ainda tem muita coisa pra rolar. Foram apenas dois meses…

Convite infeliz

Eu era monitora de uma matéria na faculdade e ele era meu aluno. Fui imediatamente com a cara ao ver que ele deu um jeito de falar de Star Trek no meio do relatório sobre o rato usado nas experiências. Não tínhamos amigos em comum e nem atração física; sempre que nos encontrávamos era divertido. Um dia disse pra ele que estava namorando sério e – surpresa – ele já tinha estagiado na empresa em que o Luiz trabalhava. Ele morava com a namorada.

Os anos se passaram eu o encontrava pela rua, com a namorada/esposa. Ela não era lá muito falante, mas fícavamos os três conversando alguns minutos onde quer que nos encontrassemos. Anos depois, ele não me reconheceu na academia apesar de continuar a receber e-mails meus regularmente. E foi na academia que ele cometeu o erro de me convidar pra festa de aniversário da mulher dele. Disse que ela não estava lá, mas que sem dúvida iria adorar a nossa presença. Ele sabia que eu e o Luiz detestamos ambientes de balada, mas insistiu, argumentou e jurou uma festa reservada, com pessoas interessantes interagindo. Fomos. E voltamos em tempo recorde.

Foi chato, não rolou interação nenhuma, mas tudo bem. O lugar estava barulhento, não dava pra conversar, gente feia e bêbada se comia com os olhos, mas tudo bem. Perdemos tempo, dinheiro e quase jogamos nossas roupas fora pelo fedor de cigarro, mas tudo bem. Insistir pra obter a presença em um local detestavel para o convidado não é legal, mas também não é imperdoável. O que matou nossa amizade foi a maneira como a aniversariante nos tratou. Não olhou na nossa cara, tirava fotos de todos menos de nós, deixou claro que odiou nossa presença. Ela nos tratou ostensivamente mal e até hoje eu não sei se ele notou. Um climão. Nós não temos culpa se a comunicação entre eles têm ruído.

Não adianta: casal é meio uma pessoa só. Não vou dizer como a mulher dos outros deve se portar. Hoje eu o encontro na rua e finjo que não vejo.

Pindaíba

Eu sei – como quem ouve falar da existência dos pingüins – que existe gente que não precisa abrir mão de nada quando tem algum projeto. Mas no mundo em que eu sempre vivi, qualquer projeto mais arrojado sempre trouxe o fantasma da pindaíba. Porque se o objetivo é comprar uma roupa no final do mês, qualquer coisa serve. Mas no dia em que você resolve casar, ter um canto, estudar, enfim, virar adulto, todo dinheiro vira dinheirinho. É como usar um lençol que descobre os pés na hora de cobrir o rosto.

Estar na pindaíba é fingir que não tem vontade de viajar no feriado, que não sente falta de jantar em restaurantes, que não queria mesmo ir naquele show, que sabe das coisas sem precisar fazer cursos e que não nada no shopping inteiro te agradou. E é fingir mesmo, porque a gente sente um pudor enorme em assumir que sobra mês pro salário. Pra que anunciar o que é temporário, né? Pelo menos é o que a gente espera; quando se estende por anos a fio, a pindaíba vira pobreza. Às vezes é mais fácil mudar de amigos, porque uma amizade fica prejudicada para sempre quando um amigo nos ajuda com dinheiro. Talvez a dádiva explique: a amizade jamais pode se misturar com a caridade.

Assim como o trabalho, acredito que a pindaíba dignifique o homem. Dignifica da maneira difícil, sofrida, contida, da maneira que ninguém gosta de ser dignificado. Gostoso mesmo deve ser a vida de indigno viajado, gourmet, bem vestido e que vai aonde quiser.

Do lar

Eu já tentei me descrever como Do Lar, mas era brincando, uma provocação. Porque nunca me vi dessa maneira. Talvez por preconceito, de associar dona-de-casa à mulheres sem aspiração, que sonham em ter filhos e todas as panelas brilhando. Sempre estive em tantos projetos, todos fora de casa e visando algo maior, que isso nunca me passou seriamente pela minha cabeça ou da do Luiz*.

Eis que um dia desses eu estava na academia, conversando com uma colega de doutorado do meu irmão:

(ela) O que você faz?
(eu) Estou desempregada.
(ela) Mas a sua formação…
(eu) Eu sou socióloga.
(ela) Você é casada.
(eu) Sou.
(ela) Então você é dona de casa.
(eu) …

(ela) Mas é difícil, né? É uma dessas coisas que as pessoas não dão valor.

(eu) …!

(ela) Tem um monte de coisas pra cuidar, dá trabalho, é cansativo. É um trabalho importante como qualquer outro.

(eu) … é.

Eu jamais pensei que alguém seria condescendente comigo falando do quanto o trabalho doméstico é digno. Olha que eu disse que era socióloga, mas isso parece ser menor do que ser casada (?). Eu só dei risada. Até agora não sei se ela foi gentil ou cruel.


* Antigamente eu diria que nem na dos meus amigos, mas depois dessa eu já tenho as minhas dúvidas.

Sexo ruidoso

Todo mundo parece ter uma história sobre madrugada insone com vizinhos fazendo sexo. Finalmente tenho a minha e posso garantir que esse tipo de coisa só é interessante quando a gente conta. Foi na madrugada de domingo pra segunda, um modo péssimo de começar a semana. Depois que essa nova vizinha se mudou, demos graças aos céus porque nós sofriamos muito com o barulho da vizinha anterior. Jamais poderíamos imaginar que uma mulher que vem pra cá com duas crianças com menos de oito anos fosse capaz de passar a madrugada inteira gritando de prazer. (Se uma dessas crianças se tornar um problema no futuro, podem mandar este post pro psiquiatra.)

 

O namorado dela praticamente vive aí. Ele tem uma Mercedez Classe A e é a versão almofadinha do Marco Luque. Ela, na faixa dos seus trinta, tem a sombrancelha desenhada e usa calça jeans de cintura alta com cinto e suspensório. Não sei o que eles tomaram naquela noite; ele sem dúvida fez alguma coisa ou aprendeu tantra. Porque do ponto em que a coisa começou a me incomodar, umas quatro ele já tinha dado. Se fossem apenas os gemidos, ainda dava pra tentar dormir; o problema era o som da cama (e do guarda-roupa?) batendo na parede. O griteiro durou mais de uma hora. Primeiro eu bati discretamente, uma coisa meio “olha, gente, estamos ouvindo, manerem”. Depois bati com força e finalmente quase quebrei as mãos de tanto esmurrar aquela parede. Só aí eles arrastaram a cama e foram tomar um banho. Devem ter dormido como anjos enquanto eu ainda bufava de ódio. Na noite seguinte, em compensação, a casa parecia estar vazia, de tão silenciosa. Se fossem japoneses, pensaria que eles cometeram suicídio pela desonra.

 

A história mais interessante sobre isso que eu já ouvi foi de uma amiga do Luiz. Ela vivia num conjunto de prédios ao lado do Shopping Barigüi. Os gritos aconteciam sempre nos mesmo dias da semana e no mesmo horário. Os vizinhos se cumprimentavam de madrugada pelas sacadas, tentando determinar a localização exata do barulho. Além dos gritos usuais, à medida em que se aproximava do orgasmo, a mulher começava a gritar: VAI CAMPEÃO, VAI CAMPEÃO!
***
Até o fechamento desta edição, o Campeão não foi descoberto.

Testes

Eu já falei várias vezes – meio brincando, meio sério – que só acredito na declaração de amor de um homem se ela vier acompanhada de alianças. Porque os homens se acham muito sinceros por não dizerem com todas as letras que nos amam; mas sua maneira omitir e nos deixar fazer todos os planos não deixa de ser uma forma de mentir. Mesmo dos amigos mais fiéis pode vir uma traição, então a gente fica calejada. Começa a ver todos como potencialmente nocivos e se sente madura por isso. Passa a jogar o jogo do perguntar várias vezes a mesma coisa,pra ver se a versão muda. Ou só se convence quando outro confirma – mas não um outro qualquer, tem que ser um outro de fora. Como se fosse muito sutil nunca dar crédito à primeira versão. Mas isso só se aplica com as coisas boas, porque acreditar na sujeira é rapidinho.

O problema é que isso tudo é uma neurose nossa; o outro não tem nada a ver com isso, ele não estava lá. Desconfiança enche o saco e quem pode vai embora. Com toda razão. Penso sempre numa historinha do Osho, que é mais ou menos assim:

Um homem ficou sabendo que uma das pedras de uma imensa praia era a pedra filosofal. Pra saber qual é, bastaria pegá-la na mão – ela estaria fria. O problema é que a praia era coberta de pedras. Então, para não repetir as pedras, ele pegava cada pedra, trocava de mão para sentir a temperatura e depois a jogava no mar. Ele ia todos os dias na praia e repetiu esse gesto durante dias, meses, anos. Até que um dia ele pegou a pedra fria. Mas o gesto estava tão automatizado, que quando ele se deu conta, já havia trocado de mão e atirado a pedra filosofal no mar…

Aceita trocar todos os prêmios por uma banana?

A vida é irônica, e às vezes nos faz viver sonhos que nem ao menos são os nossos. Minha última descoberta é que a vida parece com aqueles programas que a pessoa troca uma coisa por outra de olhos vendados. Ela decide se aceita ou não sem saber o que está escolhendo e sem ter idéia do que vem a seguir. Aceita trocar um namorado meia boca pela solteirice? Aceita trocar um emprego estável com chefe carrasco pelo desemprego? Aceita trocar uma cidade fria por uma quente? A gente vai dizendo sim ou não, sem fazer a menor idéia se aquela solteirice é para sempre, se o novo chefe será melhor ou se seremos felizes na cidade quente.

Da grande maioria das escolhas nunca teremos certeza. Das ruins, é melhor nem tomar conhecimento. Se eu pudesse dar alguma dica, ela seria: arrisque.

A volta

Eu nunca quis entrar no Grupo de Estudos mas meu orientador me obrigou. Não foi nada explícito – quando eu mandava e-mail e dizia que precisava conversar, recebia um “depois da reunião a gente conversa”. E assim fui ficando. Por falar em troca de e-mails, ela quase sempre me fazia chorar. Primeiro porque eu estava muito sensível e depois porque durante quase todo mestrado eu e meu orientador não nos bicavamos. Eu, querendo fazer tudo pra ontem. Ele, resistiu tanto pra ler o meu trabalho que quando o fez a dissertação estava pronta. Só a partir daí ele começou a ver meu valor.

Na verdade, estranho mesmo era o fato de eu não fazer questão de estar no Grupo. Eles realizam encontros, estudam, centralizam contatos. Isso sem falar que meu orientador vai se aposentar e há uma disputa não-declarada pela vaga. Disputa que achavam que eu era favorita, por ser uma das poucas do grupo com diploma de sociologia. Mas minha cabeça estava em outra. E estava tão em outra que acabei indo embora. Mandei um e-mail ao meu orientador dizendo que estava largando tudo pra dançar. Dei tchau a ele, ao Grupo, à sociologia.

Isso foi há mais de dois anos – anos intensos, marcantes, essenciais. Aí eu tive que entrar em contato com ele para dar um exemplar do livro. Ele ficou feliz e disse que precisava de mais um, para entrar na avaliação da CAPES. E finalmente nos encontramos pessoalmente. Muito papo e digo para ele que pretendo voltar para a sociologia. Ele, tirando sarro, me perguntou se eu ia largar a dança. Eu disse que não, e comecei a ensaiar explicações sobre o quanto a área é difícil, etc, quando ele me interrompeu:

– Você é muito jovem ainda, tem tempo pra viver essas coisas.

Não tem nem o que dizer. Só amor.

A vingança do tigre

Todo mundo que já dançou e não era preferido ou solista (99%) sabe como é isso. Ser colocado lá atrás, como cenário. Pra não fazer porra nenhuma. E nem dá pra falar pros amigos prestarem atenção na gente porque nem sempre o figurino deixa. Você tem que dar detalhes da roupa e da localização pra pessoa saber quem é você.

>

Roubei do Tirando Sarro.

Esse cara é o meu mais novo herói. Tudo bem que depois disso ele teve que mudar de profissão, rosto e país, mas ele é meu herói. Fez o que todo mundo que engoliu sapo e saiu de fininho nesse vida teve vontade de fazer e faltou colhões. Me incluo nessa lista.

Como me libertei do vício da coca-cola

Eu já tinha uma certa tendência, que a retidão da minha mãe sempre segurou. Lá em casa, era tudo na base do suco de laranja. Com laranjas espremidas na hora, que é pra perder o mínimo de vitamina C. Refrigerante só em ocasiões especialíssimas, poucas vezes por ano. Nesses dias, ou melhor, no dia seguinte, era que o vício começava a despontar. As pessoas estranhavam que eu continuasse bebendo a coca-cola. Mesmo quando a festa já tinha acabado, mesmo quando já estavam todos enjoados, mesmo quando ela estava sem gás. Mas era uma vez ou outra, não tinha problema.

O vício se manifestou em toda sua plenitude quando casei. Era por minha conta e sem o exemplo materno, o mal se instalou na minha geladeira. Eram necessárias quantidades cada vez maiores de refrigerante no carrinho do supermercado. Isso sem falar no que eu consumia fora de casa. Cheguei a fazer uma dieta com nutricionista e avisei que seria capaz de abrir mão de tudo, até dos doces, mas que ela nem pensasse em me pedir pra diminuir a coca-cola. Quando acompanhada de pizza, ia uma garrafa de dois litros inteira.

Se por um lado meu cedia ao vício e se refrescava no líquido preto o tempo todo, meu lado saudável me dizia que aquilo não era correto. Sabia o quanto aquilo fazia mal para o estômago, para os dentes, para a pele (celulites!), pra tudo. Logo eu, uma leitora de Sugar Blues! Fiz várias tentativas de diminuir, todas fracassadas. Quando bebia outro refrigerante, depois bebia uma coca “para compensar”. Estabelecia que só beberia no final de semana – logo incluia a sexta porque estava perto, quarta porque fazia tempo que eu não bebia, até que voltava a beber tudo de novo.

A libertação veio quando assisti ao chocante e profético Supersize Me. Quando no filme relata que o desejo de comer chocolate pode ser bloqueado com uma injeção usada em drogados, percebi que minha relação com a coca-cola era orgânica, era um vício. Saí do cinema determinada a nunca mais beber coca-cola. Só não joguei todas as cocas que tinha em casa na privada porque o marido não deixou e se propôs a beber tudo…

Vocês não imaginam como foi difícil. Há uma parte no filme Constantine que um alcóolatra quebra várias garrafas e tenta beber e não sai líquido nenhum. Era assim que eu me sentia. Eu tinha uma sede que nada saciava, por mais que eu bebesse eu continuava com sede. A única coisa que chegava perto de saciar era Matte Leão. Eu pegava os copos de coca-cola e cheirava pra me sentir um pouco melhor. Foi um inferno. Acabei parando de beber refrigerantes em geral, porque o único que eu gostava era a coca. Até que depois de um mês a sensação não apenas passou, como eu passei a gostar de coisas que antes não tinha a menor graça, como água de côco.

Não descuido porque tenho medo de ter uma recaída. Eu SEI que não consigo beber coca-cola. Porque pra mim a idéia de beber um único copo não tem graça, eu teria que beber uma garrafa inteira. Conheço várias pessoas que pararam e acabaram voltando. Hoje dou preferência aos sucos, chás, águas. Essas pseudo-águas com sabor, de vez em quando, porque tenho medo de viciar nelas também.

Você, irmão, que acha que a coca-cola é invencível, saiba que é possível parar. Com fé (e abstinência) tudo é possível. Aleluia!