Philip Dick me foi altamente recomendado. Eu lembro que o Ernani Ssó me disse que as adaptações pro cinema (Blade Runner, Minory Report) o empobreciam muito. Lembro dele ter me dito da ilusão dentro da ilusão que havia no Vingador do Futuro e eu nem guardei, talvez porque a primeira parte já não tivesse feito sentido pra mim: empobreciam? Quando finalmente o li, lembro de ter sentido um desconforto, não ter realmente gostado. Era, sem dúvida, genial, inigualável. Mas era muito diferente do que eu esperava de ficção científica. Asimov, Clark e Sagan, minhas grandes referências da época, me faziam pensar num mundo além, em uma Humanidade com H maiúsculo, nas grandes questões. Dick era… intimista.
O livro de Dick que mais me impressionou foi Ubik. Aí o Ernani me disse que Os três estigmas de Palmer Endrich eram nessa linha de tão bom quanto. Resultado: levei uns quatro anos pra ter coragem de ler. Porque Ubik me traumatizou, não tem outra palavra. O mundo de Dick é um mundo onde não podemos confiar nas nossas percepções, onde nossos cérebros estão corrompidos. O dele deveria ser assim. Dick morreu novo – com 53 anos – e com alucinações e construções tão geniais quanto seus livros. Passem lá na wiki sobre ele e leiam o item “Paranormalidade e problemas mentais”. E se vocês digitarem o nome dele acrescido de Crumb, verão essa história em forma de quadrinhos.
O Dick me serve de lembrança para algo que parece muito óbvio mas não é, a julgar de como agimos: que a mente é apenas uma consequência física do cérebro. Durante a faculdade, um dos meus amigos mais próximos, que era músico, começou a fumar maconha. Éramos amigos desde o segundo grau e ele me acusou de quadrada, se afastou, o normal de quando ficamos diferente dos amigos. Depois soube que ele teve um surto. Depois voltamos a nos falar, ele ia para um psiquiatra, mas jamais teve coragem de me contar, acho que até hoje deve pensar que eu não sei. Não sei como e porquê ele surtou, vai da estrutura de cada um. Oliver Sacks, no seu livro A Mente Assombrada, conta suas próprias experiências com drogas, que ele usava pela “necessidade” (aspas dadas por ele mesmo) de conhecer os fenômenos que aconteciam com seus pacientes.
Cuidado com o teu cérebro. Meio moralista da minha parte, eu sei. Eu morro de medo de quebrar alguma coisa aqui dentro. Dick tinha algum fio solto e acho que eu não gostaria de ter sido ele, mesmo com toda genialidade.
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