Desde a minha infância todos notavam que o pequeno Armandinho era bastante saliente. Nas férias, meu pai tinha que usar da sua autoridade pra me tirar da rua e me fazer tomar banho. Claro, eu detestava brincar com as meninas. Elas eram frescas, preocupadas com a roupa e em estarem bonitas. Eu gostava de correr por aí, brincar com bola, usar estilingue, andar de bicicleta. Eu andava tão armandamente de bicicleta que meu pai resolveu dar um jeito. Sem que eu pedisse, ele me deu uma bicicleta com uma cestinha. Ele sabia que se fosse encaixada eu tiraria, por isso me deu uma com a cestinha soldada. O plano foi bom; pena que a cestinha soltou no primeiro dia – não resistiu à emocionante trilha de eucaliptos! Armando realmente adorava uma bike.
Com Armando aprendi a amar ter cabelos curtos e a detestar discutir a relação. Esse último ponto, apesar do que possa parecer, sempre me causou muitos problemas. Os homens estão acostumados a aprontar várias vezes e ter várias conversas sérias antes de (talvez) mudar o comportamento que desagrada sua companheira. Comigo todos eram pegos de surpresa porque eu simplesmente sumia, sem nunca ter suplicado qualquer mudança. E não adiantava querer voltar depois; vocês sabem, reconstruir relação é coisa de mulherzinha.
Confesso, minha família não gostava muito dessa história. Era uma amizade perigosa, todos temiam que eu fosse longe demais. Minha mãe suplicava pra eu comprar uma roupinha ao invés de gastar todo meu dinheiro em sebos. Eu demorei pra usar batom, não me sentia à vontade de saia e até hoje prefiro tênis a salto. Um dia, sem qualquer aviso prévio, me apaixonei perdidamente e decidi ser feminina. Simples assim.
Alias, ser feminina é simples. Dificil mesmo é ser uma mulher de culhões. Tenho pena das que não conseguem.