Artesanato também tem modismos, ainda mais nunca cidade que tem um excelente artesanato. Naquela época, a moda eram as fadinhas. Elas tinha uma base de madeira arredondada, asas de uma espécie de papel de seda, e a figura – uma peça inteiriça de resina – era uma menina magrinha, ajoelhada e de vestido, estendendo a mão com uma florezinha seca colada. O conjunto todo não ultrapassava os quinze centímetros. Tínhamos uma em casa e achávamos a coisa mais fofa. Uma colega de faculdade era amiga da namorada do cara que fazia essas fadinhas e me indicou para trabalhar para ele. Ele era jovem, um pouco mais velho do que eu, e fazia alguma faculdade relacionada com arte. Quando me tornei sua ajudante, as fadinhas já estavam em decadência. Ele queria ajuda para o seu mais novo projeto, o Leprechaun. Perto das fadinhas, o Leprechaun era grande. A figura tinha um ar despreocupado e sorridente, meio deitado e apoiado nas mãos. A base, também de madeira, tinha cerca de vinte centímetros de diâmetro. Era uma peça claramente mais elaborada, constituída de várias partes a serem encaixadas. Sua roupa era quase toda verde, com alguns detalhes metalizados, como mandam as figuras tradicionais. Se eu não me engano, havia um pote de ouro. As peças chegavam até mim separadas por tipo, todas no mesmo tom de marrom claro. Eu via os moldes de borracha e não entendia como funcionava, nunca via as peças serem feitas. Minha missão era apenas pintar e colar. Olhando para trás, é irônico pensar que, poucos anos depois, eu não apenas entenderia o processo, como passaria a trabalhar com todo aquele material. Na época, parecia impossível.
Eu sentava num banquinho diante de um balcão, com tintas, pincéis, peças e com uma pistola de cola plástica. Chegava no horário combinado e trabalhava em silêncio, na maior parte do tempo sozinha. O atelier ficava com a porta encostada e eu entrava e saía sem ver ninguém, só o gato. O salário não era grandes coisas, mas o serviço também não era e eu não gastava em ônibus. Não sei se eu tenho uma habilidade manual excepcional, se ele não estava acostumado com uma produção em série, ou se o que ajudava era o fato de eu passar horas trabalhando sem conversar com ninguém – em pouco tempo pintei todas as peças e montei mais Leprechauns do que cabia nas prateleiras. Com algumas semanas de trabalho, aparentemente, eu já havia pintado Leprechauns pro resto do ano. Quando disse que não poderia trabalhar mais, não pude deixar de notar a expressão aliviada do rosto do meu patrão. Imagino que ele teria que me mandar embora de qualquer forma, pelo menos até vender o que eu havia feito – o que não deve ter acontecido, porque os Leprechauns nem de longe alcançaram o sucesso das fadinhas. Quis comprar Leprechaun de lembrança, o que comia uma parte boa do meu salário. Quando recebi, o Leprechaun não havia sido descontado.
Ao invés de guardar o Leprechaun, como tinha pensado no começo, decidi dá-lo de presente de Natal para minha tia. A caixa onde ele vinha era redonda e alta, igual caixa para guardar chapéu. Foi uma sensação quando minha tia o abriu o pacote e mostrou pra todos o que eu havia “feito”. Com muito interesse, ela olhou para a peça e me perguntou:
– E agora, o que devo fazer? Tenho que colocar a mão no chapéu dele e fazer três pedidos?
Superstição é um privilégio de quem não está por dentro do processo.