O fio

Era algum comentário sobre uma história de Ananda e Buda. Ananda, o principal discípulo de Buda, havia lhe feito uma pergunta. Não lembro que pergunta era e qual o teor do assunto. Lembro que o comentário dizia que o que Ananda não entendia é que era justamente Buda quem o impedia de se iluminar. Porque Ananda e os outros discípulos haviam se desapegado de tudo nas suas vidas… menos do próprio Buda. Buda era o último e definitivo apego. Quando ele morreu, continuou o comentarista, vários discípulos se iluminaram. Depois de um Buda, a que se apegar?
Em um texto da Fal, ela disse que não raro tinha crises de pânico (desculpa se estou contando errado, Fal), que praticamente sumiram depois que o marido morreu. Porque o que havia de pior já havia acontecido. Eu também sentia que o pior já havia me acontecido após minha separação. Andava por aí à noite, em qualquer horário, em qualquer rua. Todo mundo com medo do que poderia me acontecer e eu tranquila. Eu me sentia imune porque nada poderia piorar. Você pode argumentar que não, que pior do que estar separada seria estar separada e estuprada, separada e esfaqueada, separada e pobre. Sim, eu sei que havia o que piorar por fora; esses são argumentos racionais. Subjetivamente é que não havia.
Certas dores são o último fio.

Um pequeno milagre

Não sei se vai ser interessante pro resto da humanidade saber disso, mas eu realmente quero registrar.

Saí na sexta-feira e fui dormir mais tarde do que o habitual. Esqueci o alarme ligado, acordei cedo sem precisar, voltei a dormir mas perdi o soninho gostoso, etc. Acordei tonta, precisada de uma café. Preparei a Bialetti e o fogo não acendeu. O gás dura tanto tempo aqui em casa (uma vez acho que durou uns dois anos) que sempre que ele acaba eu fico chocada, como se aquilo não fosse possível. Testei todas as bocas, usei fósforo e nada. “Café – falei no melhor estilo tiozinho surtado –  eu só queria um café, justo hoje que eu preciso de café!”. Tomei suco resmungando e me enrolei, porque além de tudo sou uma pessoa que detesta usar telefone e teria que fazer pesquisa pra saber onde comprar meu gás. Nisso, aparece um caminhão de gás na vizinha! Desci correndo e antes de ir lá fora pra dizer pro cara vender um gás pra mim (no fim ele nem me vendeu, tinha que ter cadastro com a empresa, onde já se viu, ca-das-tro!) , eu tentei acender o fogo mais uma vez. Vocês acreditam que tinha saído um solzinho, ele bateu no meu botijão e saiu um tiquinho de gás, apenas o suficiente pro meu café?

Alguém lá fora gosta muito de mim, vai dizer que não?

Brincando com monstros

Grrr. Eu não sou monstro. Isso daqui que você está vendo deu muito trabalho pra fabricar. Cheguei aqui puro e inocente, e sofri muito. Apanhava todo dia. Aquilo tinha que parar. Então eu fiz faculdade de monstrologia, aprendi todos os seus hábitos, suas artimanhas, seus pontos fracos, seu idioma. Me caracterizo com tanta perfeição que nem minha mãe me reconheceria. Consigo ser mais monstro do que muito monstro por aí. Destrincho uma coluna vertebral em poucos segundos, precisa ver. Faz um som legal, ploc ploc ploc. No verão fica um pouco quente, mas nos dias frescos é tão gostoso que acabo ficando com preguiça de tirar e durmo vestido de monstro mesmo. Grrr. É mais prático. Mas eu não sou monstro.
Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.
Nietzsche/ Além do bem e do mal

Wilson

Um amor ou um Wilson?

Quando eu lia aquelas coisas sobre ser feliz e se amar sozinho como pré-requisito para ser feliz e amar o outro, nunca identifiquei aquilo como para mim. Nunca me achei uma companhia pesada, do tipo que atira sobre os outros as suas necessidades psicológicas. Tomava isso como sinal inequívoco de que sou a pessoa saudável que sabe estar acompanhada. Agora acho que não sou. Ou talvez esteja aprendendo a ser num nível mais profundo. Ser autossuficiente acaba se tornando uma necessidade quando se vive sozinho. Não se atirar correndo e jogar toda autossuficiência no matagal quando aparece o primeiro barquinho é outra história.

Um puxão no cachorro

Eu te seguro, eu me seguro, igualzinho faço com a Dúnia. Eu não achei que a maturidade (ou a sabedoria) fosse assim, como um puxão num cachorro preso numa corrente. Quem sabe mais tarde eu alcance a placidez do sábio, que era o que eu achava que acontecia. Mas, se um dia acontece, não é espontâneo, não é pela indiferente constatação do que funciona ou não funciona. Não é um olhar de desapego. É no puxão, é no controle, é como eu e a Dúnia. Nos nossos passeios diários, apesar do adestramento e dos pequenos rituais que dizem ao cachorro quem é que manda, a Dúnia vai na frente, se vê com líder, e eu vou pensando na vida. Quando tenho mais tempo e mais necessidade de ar fresco, o passeio é mais longo. Quando vamos na versão curta, eu paro no lugar da meia volta, e ela se empina observando o horizonte. E ficamos nós duas – ela olhando o horizonte e a ser explorado e eu à espera do fim da cena. É a sua forma de me dizer que quer ir em frente e é a minha forma de dizer que não sem ser rude. Não quero ser rude. Eu já aprendi o porquê de tantas classificações de pessoas – eneagramas, tipos psicológicos, signos, transtornos de personalidade, etiquetas – e que todos dão certo. Eu já sei que defeitos e qualidades são uma coisa só, que não se pode querer que o organizado seja também artístico, desejar que às vezes que o espontâneo seja controlado e esperar estabilidade do agressivo. Então, na maior parte do tempo, tal como amo a Dúnia, amo minha infantilidade, minha surpresa, minha abertura. E já não espero mais de mim a ambição, instinto de liderança e planejamento que me fazem falta. Só que às vezes eu passo dos limites, como a Dúnia que quer atravessar a rua e não entende o raciocínio de esperar, de olhar o horizonte, das coisas grandes e apressadas que passam nas duas direções e podem nos machucar. Aí eu puxo. Fico com vontade de dizer que estou apaixonada, que quero o mundo, quero correr pela rua, quero chorar, quero morder. Eu quero já e quero tudo, ou não quero nada e quero mais que morra. Por que o mundo não entra na minha e corremos todos felizes em direção ao sol? Ou latimos até doer? A Dúnia tem quase vinte quilos e quando ela me pega distraída, ou cisma muito, é um tranco puxar aquele cachorro, quase caio no chão. A grama é verde, o cheiro é bom e deu vontade de fazer cocô naquele instante. Mas é pra isso que serve o racional, pra não deixar que o animal amado se mate, pra olhar pro horizonte e dizer que naquele instante não dá. Eu queria que fosse plácido, como o sábio na montanha. Eu não queria que fosse um puxão de estraga prazeres, um mandar em si mesmo. Mas é impulsivo e apaixonado, animal e lindo, amor e vira-lata.

Curtas feicibuquianos

Com essa de amassar o cabelo pra fazer cachinhos, ele tem ficado todo pra cima e me sinto um pouco este cara. Quem já viu History Channel sabe que ele não é lá muito normal. Como minha amiga Tere disse que eu também não sou…

 

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Se tem uma coisa que eu não entendo é ter coragem pra tatuagem e ser medroso nas roupas. Se a tatuagem é algo temporário – porque, em última instância, somos – a roupa é muito mais!

 

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A Igreja diz: o corpo é uma culpa.
A Ciência diz: o corpo é uma máquina.
A publicidade diz: o corpo é um negócio.
E o corpo diz: eu sou uma festa.
– Eduardo Galeano (1940 – 2015)

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O melhor argumento que eu ouvi até hoje contra o frio foi o do Chicuta: a gente não consegue uma textura decente pra comer a manteiga.

Lanternas Vermelhas

 

Sem spoilers, ok? Não vou nem colocar o trailer porque ele entrega muito o filme.
Lanternas Vermelhas mostra um sistema de casamento que é totalmente estranho para nossa cultura. Homens com cargos muito importantes tinham direito a ter mais de uma mulher, desde que tivessem o suficiente para pagar o dote, manter em uma casa com empregados, etc. Esposa mesmo era a primeira, as outras eram as concubinas. No filme, acompanhamos quando Gong Li (esse o nome da atriz, por sinal lindíssima), uma universitária – ou seja, alguém estranho a esse meio – se vê obrigada a ser a quarta esposa de um desses homens. Suas colegas eram: a esposa, que já estava velha e fora da disputa; uma mulher na faixa dos seus quarenta e todo aquele jeitinho de mãe; uma cantora de ópera bonita e arrogante. Todo dia de manhã o marido indicava com qual das esposas ele ia dormir. Aí, a mulher recebia uma série de benesses quando era escolhida: levavam as lanternas vermelhas pros aposentos dela, ela recebia a maravilhosa massagem nos pés (foto) e todas as atenções. As mulheres que não eram escolhidas perdiam prestígio e poder. Então, a vida daquelas mulheres é um inferno, cada qual usando das armas que tem, com o objetivo de fazer o marido dormir com elas o máximo de noites possíveis. Enquanto isso, ao bonitão (modo de dizer porque a cara dele nem aparece) só cabe ir onde lhe tratam melhor.
Gente, gente, GENTE? Vai dizer que não é exatamente isso que temos vivido? As mulheres todas se matando por um pouco de p*. Eles, maravilhosos, indo para onde mais lhes agrada. Como é que deixamos as coisas ficarem tão desfavoráveis pro nosso lado?

Porque tem dias que

Porque tem dias que as fotos recentes da festa não me satisfazem, os sorrisos parecem posados, a alegria apenas criada para Facebook. Dias que os convites não são suficientes, sejam eles masculinos ou femininos, que não sou amada de verdade por ninguém ninguém ninguém. Dias que as famílias que os outros construíram me fazem lamentar nunca ter me dado ao trabalho. Que estar irremediavelmente longe da minha é um tapa na cara. Dias que o tempo livre me aprisiona, que os livros ficam por ler, jogados no sofá confortável que também não é nada demais. O flamenco é um desafio na qual eu não sou boa e nunca serei boa, que não tenho Aire e bulerías não são pra mim. A dança é um amor de malandro que me suga tempo e dinheiro. Tudo à minha volta é tão triste e tão só. Verifico a geladeira, ando até o supermercado, guardo os produtos nos armários e coisas que nada importam. Dias que as mocinhas me agridem com sua beleza de mocinhas e as pessoas andam ocupadas até as suas pós-graduações. Já eu não vou a lugar nenhum. Nada me aguarda, nenhum homem me aguarda. Estou atrás do vidro, e lá dentro os casais estão dançando. Depois do banho, faço cachinhos que ninguém verá. Tem dias que é tudo mentira e nada vale a pena, nada resiste à acusação da mediocridade e da solidão. Nada, à exceção delas. Elas, as palavras. Que olham pra mim enquanto sofro e enquanto não sofro. Que são meu mestre e meu escravo; meu amante, minha filha, meu pai, meu protetor, minha droga. Não escrevo porque tenho talento, e sim por sentir que é a única coisa que realmente tenho.

Métrica

 

Dar ao outro apenas e tão somente o que ele também nos daria, em circunstâncias semelhantes. Dispor para o outro apenas e tão somente o tempo que não nos fará falta, que não lamentaremos ter perdido, que não será comparado com o que queríamos fazer, que não será relembrado depois em forma de cobrança. Não querer mais do que cada um pode nos dar, sem tentar obter por outros meios, criar novas situações ou arrancar de alguma maneira. Eta medidas difíceis de achar. Eta como dói enquanto a gente não acha.

Uma manhã, no salão…

Eu cheguei pouca coisa antes do meu horário, e minha cabeleireira estava ocupada. Na pequena salinha de espera, uma TV estilo retrô, no mute, passava algum filme que eu nunca vi e não faço ideia de qual é. Pra quem quiser descobrir: a mocinha, acho, é a Penny do Quase Famosos, numa versão mais velha e menos fofa. O marido (marido?) dela é o Gael. 

Cena num restaurante chique. Penny estava com um vestido simples e delicado, com os cabelos sem presos e os cachinhos caindo pelas laterais do rosto. Sentado diante dela, um homem mais velho de terno, com pinta de pai. Todo aquele clima de que ela-é-um-pessoa-simples-que-não-concorda-com-os-valores-da-família-rica. Essa ideia é reforçada quando, sem dar tempo nem de trazerem os pães, ela troca meia dúzia de palavras com o suposto pai e olha pra cima com ar de enfado. De tão indignada, ela pega o casaco e sai batendo o pé. Depois de atravessar o salão e a fachada chiquérrima do restaurante, há um táxi na porta à espera dela. Aparentemente, esse foi o tempo que levou pro pai pagar a conta da entrada que não comeu e ir atrás dela. A moça abre a porta do táxi. O pai a chama. Ela se vira. Ele fala alguma coisa. Ela não acha suficiente e retruca, agora quase entrando no táxi. Pai fala mais, ela não se convence mas se vira pra ouvir. Aí ele fala mais, discursa. Acho que na hora ele disse que a ama, lembra do tempo que comprava sorvete pra ela, diz “sim, eu errei, mas errei por amor, você é a minha filhinha!”, promete deixar de ser materialista, dar os bens pra caridade, virar budista, aquela coisa toda. A expressão da mocinha vai mudando ao longo do discurso, ela desemburra. Ele diz tudo o que tinha pra dizer. Suspense. Ela sorri, vai até ele, eles se abraçam emocionados. Se reconciliaram, o almoço foi um sucesso, economizaram terapia, tiveram ali a conversa das suas vidas.

Eu, enquanto isso, pensando na irritação do taxista. 

Curtas sobre fofoca

Quase noiva desabafa: “A gente sabe que tem alguns que saem do casamento e falam mal da festa”. Entendo pouco de casamento mas, até onde eu saiba, procurar defeitos na festa faz parte do ritual.
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Consolo sobre fofoca: entre falarem mal e sentirem pena, muito melhor a primeira opção.

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Soube agora de uma traição que, olha, preferia não saber. Me fez até mal, diminuiu a minha fé na humanidade. Homem tem que ser tudo assim, bicho, descontrolado? Ainda bem que nunca mais encontrarei os envolvidos. 

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Você sabe que está íntimo de alguém quando entra no círculo de fofocagem da pessoa.

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Alguns segredos só contamos pra um muito íntimo. O problema é que cada muito íntimo, tem um outro muito íntimo.

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E quando você conta a história na boa, achando que era público e notório, e depois ouve: “nossa, eu não sabia”! Ou seja, fofoqueiro!

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O ruim de pertencer a um grupo forte em fofoca é quando você sente que pode virar o assunto. Ou será que já virou?

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Você sabe que vive num mundo machista quando teria uma história pra contar de um homem, mas não o faz porque é mulher. Quando uma fofoca envolve um homem e uma mulher, a história sempre se voltará contra a mulher, sempre.

Todo se transforma

Sou bestona bestona. Tanto que quando fui tentar explicar em palavras, ficou parecendo outra coisa. Em palavras ficou assim: um amigo descobriu agora que me separei, e a ele me escreveu umas palavras de apoio e com isso eu ganhei a noite. Não, não houve nada de sexual no apoio dele ou na minha felicidade. Da minha parte, quem sabe, exista um respeito exagerado, de achar que é uma pessoa que nem deveria me ver como amiga? É que é um desses amigos que a gente encontra uma vez na vida, ele em trânsito, e você leva pra conhecer Curitiba e fala mais do que o homem da cobra. Aí cada um volta pra sua casa, uns têm netos e outros se separam, e vira aquela amizade de Facebook, com uma curtida aqui e outra ali.

O motivo da minha felicidade talvez nem tenha sido tanto pelo amigo, e sim do simbolismo. Vou te dizer que tem aí duas pessoas de quem eu esperava receber apoio, e jamais me disseram nada. Pessoas que na minha visão, me colocando no lugar delas, pelo que vivemos juntas, eu achei que se sentiriam mobilizadas ao saber que eu estava separada. Porque sabem o que é isso. E, de ambas, não recebi uma única mensagem. Aí tem o outro, que conversou comigo há anos, de quem eu jamais esperei nada, que poderia passar batido pelos meus assuntos e eu nem saberia, e sente vontade de me dizer alguma coisa. Fiquei tocada. Eu vejo nisso um bem que eu lancei ao universo sem esperar nada em troca e que voltou. Vejo a volta das minhas boas ações, o universo me amparando. É um baita motivo ganhar a noite.

Duas coisinhas que me ocorreram no ônibus

Se você quer se sentir parte de uma torcida, de um só coração, basta estar num Inter 2 querendo morrer às dez da noite.
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Tenho o hábito de verificar o celular na bolsa, porque antes descobria a bateria descarregada só quando precisava usar. Invariavelmente, não há uma única mensagem ou ligação perdida à minha espera. Vejo a tela e me sinto imensamente impopular. Aí pensei – isso porque eu uso o celular só pra ligar. Se eu finalmente resolvesse entrar no whatsapp, levando em conta a quantidade de pessoas querem me adicionar, a quantidade de grupos que querem me incluir, conhecendo os meus amigos como eu conheço, cada olhada seria um flash, no mínimo cinquenta notificações. Melhor deixe.

TV no sertão

Hoje em dia essas reportagens não são comuns, mas eu já li várias que contavam, com grande alegria, da chegada da televisão em cidades onde as casas não tinham nem luz elétrica. Montava-se uma grande estrutura, vários metros de cabo, e colocavam a TV no meio da praça. As famílias iam todas pra lá, à noite, para assistir novela das oito. Essas reportagens não aparecem mais primeiro porque o sertão não é mais aquele, ainda bem. Segundo porque hoje já temos um tiquinho de noção de antropologia, e as pessoas já não acham mais que você está melhorando a vida das pessoas apenas em importar um item da sua sociedade e plantar no meio da delas. Eu ficava imaginando como seria uma sociedade bem tradicional, patriarcal, com acesso à tão pouca coisa, vendo os personagens das novelas. As casas, as roupas, o modo de falar, as relações – tudo acenaria para um mundo tão perto e tão longe, que eles nunca teriam acesso. Imagino os estragos que essas TVs não fizeram. Nesse sentido, eu até entendo (entender não quer dizer concordar, acatar, justificar, etc) o ódio que alguns grupos islâmicos têm da cultura ocidental. É distante demais, agressivo demais.

Não conheço ninguém que, na verdade, não seja mais do que um conjunto de equilíbrios instáveis. Alguns disfarçam melhor e outros pior. Mas mesmo os que disfarçam bem, os que parecem muito seguros, carregam na mochila um bom número de traumas de infância, incompreensões, pés na bunda, portas que não podem nunca ser abertas. Então, que ousadia e responsabilidade imensa é dizer pra alguém: “pode vir que eu te seguro”. Por isso que pra tudo hoje em dia a gente fala: “olha, acho que você devia procurar terapia”. É uma maneira de dizer: “eu vejo que tem uma coisa muito errada aí, mas não quero nem chegar perto com medo do que pode surgir”. Só gente muito louca faz psicologia, é de sair correndo. O buraco pode não ter fundo, ter mais buracos, pode ser que a pessoa nunca mais volte. Pode não ter monstro nenhum debaixo da cama, mas também pode ser que tenha… Acho que uma das características marcantes dos psicopatas (conheci mais de um, infelizmente) é justamente a coragem de dizer: “Pula!”. E que entusiasmo isso gera no outro, finalmente alguém que se compromete, que ama de verdade, que está disposto a ir até o fundo! Porque o normal é sentir medo, sair de fininho, mandar pro psicólogo. Pouca gente tem culhões pra mexer no buraco dos outros. O problema é que o psicopata fala “pula!” justamente porque nunca teve a intenção de mexer, ele sabe que não vai estar lá quando a pessoa pular de verdade. Ele mandou pular porque soava bem no momento, porque era útil. Quando a pessoa pular e se ver sozinha, ele já estará a quilômetros e o problema não será mais dele.