Eu estava sendo atend
ida por uma caixa muito velha, de cabelo todo branco, preso, o rosto muito enrugado. Sábado, quatro da tarde e uma mulher daquelas não está em casa vendo TV. Embalando as compras estava um velho, que também deveria poder estar em casa vendo TV. No caixa atrás dela, uma mulher com uns quarenta anos. Esta caixa, a de quarenta anos, estava passando compras de um cliente e já havia puxado a portinha que indicava que o caixa estava fechado. Aí surge do nada uma moça, também com o uniforme do supermercado, abre a port
inha e passa correndo. Enquanto a moça está atravessando a portinha, a mulher de quarenta solta uma expressão de indignação. Depois, começa a reclamar pra caixa velhinha e pra mim (quem mandou fazer contato visual): aquela mocinha era sempre assim, vivia fazendo dessas, passava voando, não pedia licença, se achava melhor do que os outros e outra apenas outra caixa, de onde ela tinha tirado que podia fazer dessas coisas, etc. Eu pensei, cá com os meus botões, em quantas vezes passei desabaladamente também, sem pedir licença apenas pela ingenuidade de achar que não precisa pedir licença e por ser naturalmente agitada quando mocinha. Quantas antipatias gratuitas no meu passado, quem sabe, podem ser explicadas por isso.
A minha ca
ixa, a velhinha, não ligou pras queixas. Não falou mal da moça, desconversou, sorriu, falou de que sorte a colega já estar de saída. Olhou para as minhas compras e do seguinte na fila e calculou que só nós dois e chegaria quatro e meia, hora dela ir embora. Que bom, ela estava quase indo embora. A outra, não encontrando uma colega pra reclamar junto, ficou quieta.
Às vezes me parece que reclamar v
irou esporte olímpico e só eu não estou sabendo. Qualquer unha quebrada e o universo que aguente o mau humor. Quando a gente quer dar um feedback pra pessoa, nunca consegue, ninguém nunca sabe o que ela está passando. Você pode ter passado pela mesma situação um dia, pode estar passando por um período foda hoje, mas o outro sempre terá desculpas – “o meu caso é pior”, “pra você é fácil dizer”, “mas é que você é (insira aqui um adjetivo) e eu não”. A verdade verdadeira, como no caso dessas duas caixas, é que há uma margem de escolha sobre ao que dar importância.