Três fofinhas

Ele ficou olhando pra mim, certeza. Eu estava conversando com uma amiga, daquelas que param de andar quando falam, o que torna a conversa meio patética. E ele nos acompanhou com o olhar. Tonta do jeito que sou, é capaz da minha paixão platônica ter reparado que eu existo há um ano e eu só me dei conta dele agora…

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Estava fazendo costura duas vezes por semana, e com muita dor no coração agora farei apenas uma vez. Já era pra ter largado faz tempo, na verdade. Mas fui atrasando, por adorar as aulas e as turmas. Cada dia era uma turma diferente, e a turma mais legal era justamente a que menos compensava ir, então imaginem a dó. Mas tive que fazer umas reposições na segunda e me apeguei à turma de segunda também, ou seja, a pessoa se apega a toda turma que vai. Deve ser um bom sinal.

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Meu medo, com relação ao meu novo negócio: fazer, fazer, fazer e não vender. Porque, por mim, tenho trocentos projetos, amo lojas de tecidos, penso em modelos novos, fico toda cheia quando vejo alguém usando algo que eu fiz.

Processo

Há dias maravilhosos. Terça, por exemplo, eu mudei meu trajeto pra passar no caixa eletrônico e quando estava descendo uma rua que nunca desço naquele horário, encontrei o Hamilton, um amigo meu dos tempos de escultura. Amo o Hamilton, e quer a vida que a gente se perca e sempre se reencontre assim, na rua, no ônibus. Quando ele morava na Rui Barbosa, eu o visitava com frequência. Aí ele foi pra pqp e eu só conseguia chegar de carro. Agora ele está se mudando pro centro de novo. Nosso encontro, nosso abraço ruidoso no meio da rua, foi no fim da tarde e quando cheguei em casa de noite ainda estava no pique, ainda estava cheia daquela energia.

Hoje tive várias notícias boas, quero dizer, não aconteceu nada de ruim. Mas já me sinto meio em baixa, não mantive o estado. Ontem, tudo me parecia possível. Eu estava me sentindo linda, forte, pronta pra tudo. Neste instante, não estou aquela fé de que tudo vai dar certo. Faz pouco tempo, luto, lamber feridas e tal. Me peguei naquela dinâmica de tentar preencher as horas com medo do que pode ser se eu ficar muito tempo sozinha. Olha, né fácil não.

Foi bonito, não foi?

Acho que nunca sobra de um relacionamento aquilo que programamos pra sobrar. Eu acho que você acha que eu lembro de uma daquelas frases planejadas, bonitas, de impacto. Eram tua especialidade, não? Lembro delas, claro, mas essas lembranças fazem parte das lembranças sujas. Chamo de lembranças sujas tudo o que hoje está sob a suspeita da mentira e da mágoa – ou seja, quase tudo. As minhas lembranças bonitas são coisas que você nem sabe que fez. Lembro especialmente de uma expressão indisfarçável de orgulho, que só eu sabia que era pra mim. Nossa, foi tão bom de ver. Lembro também da tua cara na primeira vez que tirei o tênis no carro, uma mistura de incredulidade e maravilhamento. Você tinha um apertar de olhos, combinado com um sorriso muito raro e específico, que me encantava. Cada pessoa – acho que era disso que falava aquele pintor gay do Melhor é Impossível – tem algumas poucas expressões extremamente pessoais e genuínas. No caldo de mentiras e mágoas, me sobraram essas. Quero levar isso e ser capaz de jogar o resto fora, porque o sentido da vida é esse, guardar o que aquece e faz bem. Foi bonito, não? Hoje é intolerável, mas na hora foi bonito.

As duas caixas

Eu estava sendo atendida por uma caixa muito velha, de cabelo todo branco, preso, o rosto muito enrugado. Sábado, quatro da tarde e uma mulher daquelas não está em casa vendo TV. Embalando as compras estava um velho, que também deveria poder estar em casa vendo TV. No caixa atrás dela, uma mulher com uns quarenta anos. Esta caixa, a de quarenta anos, estava passando compras de um cliente e já havia puxado a portinha que indicava que o caixa estava fechado. Aí surge do nada uma moça, também com o uniforme do supermercado, abre a portinha e passa correndo. Enquanto a moça está atravessando a portinha, a mulher de quarenta solta uma expressão de indignação. Depois, começa a reclamar pra caixa velhinha e pra mim (quem mandou fazer contato visual): aquela mocinha era sempre assim, vivia fazendo dessas, passava voando, não pedia licença, se achava melhor do que os outros e outra apenas outra caixa, de onde ela tinha tirado que podia fazer dessas coisas, etc. Eu pensei, cá com os meus botões, em quantas vezes passei desabaladamente também, sem pedir licença apenas pela ingenuidade de achar que não precisa pedir licença e por ser naturalmente agitada quando mocinha. Quantas antipatias gratuitas no meu passado, quem sabe, podem ser explicadas por isso.
A minha caixa, a velhinha, não ligou pras queixas. Não falou mal da moça, desconversou, sorriu, falou de que sorte a colega já estar de saída. Olhou para as minhas compras e do seguinte na fila e calculou que só nós dois e chegaria quatro e meia, hora dela ir embora. Que bom, ela estava quase indo embora. A outra, não encontrando uma colega pra reclamar junto, ficou quieta.
Às vezes me parece que reclamar virou esporte olímpico e só eu não estou sabendo. Qualquer unha quebrada e o universo que aguente o mau humor. Quando a gente quer dar um feedback pra pessoa, nunca consegue, ninguém nunca sabe o que ela está passando. Você pode ter passado pela mesma situação um dia, pode estar passando por um período foda hoje, mas o outro sempre terá desculpas – “o meu caso é pior”, “pra você é fácil dizer”, “mas é que você é (insira aqui um adjetivo) e eu não”. A verdade verdadeira, como no caso dessas duas caixas, é que há uma margem de escolha sobre ao que dar importância.

Um critério

O que é verdade ou mentira, certo ou errado, eu já não sei faz tempo. Acredito que existem versões, algumas tão bem contadas que nem conseguimos mais analisar os fatos. Eu acredito na fascinação, no erro, na ignorância, e até mesmo no mudar de ideia. Experiências radicais podem nos fazer compreender em poucos dias o que ignoramos a vida inteira. Nunca é tarde para escolher o novo, mas também não tiro a razão de quem aceita o garantido. O que serve para o outro não apenas pode não servir para mim, como também pode nem servir para o outro daqui a algum tempo.

No meio de tantas dúvidas e relatividades, fica difícil decidir. Falando de amor, já que as últimas postagens falam de amor: como saber o que fazer, o que vale a pena, o que pode ser perdoado, o novo ou o antigo? Arrisco aqui um critério, que seria ótimo se pudesse valer pra tudo. Mas a gente escolhe o lugar onde mora pelo que dá, o emprego pelo que rende, a família a gente não escolhe… então que pelo menos no amor possamos dizer: eu vou pelo que me dá alegria.

Amor desesperado

Não me sentir preparada para ter alguém agora me dá alívio. Eu vejo o desespero das minhas amigas e não quero ficar igual. Gosto de pensar em encontros amorosos como coisas espontâneas, de pessoas que estão vivendo suas vidas e se cruzam por aí, começam a conversar e o resto acontece naturalmente. O que vejo, por parte das mulheres, é uma atitude de ter que correr atrás de um homem, porque se não corremos não têm. Seja por redes sociais ou bares, é como se eles estivessem sempre fugindo, ou com defeitos tão terríveis – sendo o maior deles a indiferença – que encontrar um namorado é quase como ganhar na loteria. E uma vez que conseguimos um homem, por mais porcaria que ele seja, ele pode ir embora sem motivo. Minhas amigas sofrem tanto por homens que, vistos de fora, não são metade do que elas são. Mas elas se agarram a eles como quem se agarra à sua última chance e sofrem como quem acabou um casamento. Como já esgotei a minha cota de sofrimento amoroso deste ano e de anos vindouros, olho pra tudo isso e digo: não, obrigada.

 

Tem um sujeito aí, num lugar que eu frequento, que eu acho interessante. Não sei o nome dele e a não ser que o Destino queira muito, descobrir esse nome é tudo o que conseguirei dele. Não me parece ser gay; acredito que tenha emprego, mulher, filhos e cachorro. De olhar me parece que ele tem algo, não sei. Eu gosto de pensar nele, de ir a cinemas hipotéticos e me perguntar o que ele faria para obter de mim o primeiro beijo. Vai lá, vocês vão dizer, mas faço questão de não ir. Nesse momento, ele tem sido importante para mim do jeito que está. Aquele homem é para mim um lembrete das possibilidades, sempre maiores do que a nossa vista alcança. Tem ele, tem outros, tem o amanhã. A minha parte é estar aberta e distraidamente feliz.

O que é essa mulher, não?

Amor, estranho amor

Conversávamos sobre dança. Não apenas pelas nossas paixões serem próximas – dela dança cigana, minha flamenco – mas também por coisas que vemos no meio da dança – as disputas, o ciúmes, o esconder conhecimento, que caminham lado a lado com a delícia, o autoconhecimento e o brilho. À medida que o assunto avançava, eu me via falando que sou uma aluna muito dedicada, que minha professora brinca que é mais fácil ela faltar aula do que eu, que pego as coreografias rápido e tenho boa memória. Só que tive também a necessidade de dizer que isso não quer dizer que eu sou boa. Eu disse que tudo o que exigia dedicação e estar em aula era comigo, mas que isso não quer dizer que eu dance bem, muito menos que eu seja expressiva, e inclusive meu sapateado é péssimo.

 

Depois eu me dei conta do que fiz. E me dei conta de que se fosse falar de qualquer uma das coisas de que gosto de fazer – dançar, nadar, escrever, até mesmo costurar – eu diria o mesmo que disse a ela, que eu me dedico mas que não sou boa. Então eu percebi que o meu amor pelas atividades sempre vem assim, cercado de imensas inseguranças. Que minha autocrítica gigantesca nunca me permite dizer – eu amo, me dedico, e como resultado eu sou muito boa no que faço.

Como diria o Charlie Brown: que puxa.

Toma!

O cara me deu um papel dizendo que eu deveria depositar aquele valor no banco, que em dez dias úteis meu RG ficaria pronto. Pra mim aquilo era um papel anotado e não algo importante. Depois que paguei, joguei fora. Só chegando lá soube que era o protocolo e tive que dizer que havia perdido o meu. Fui colocada de lado enquanto se atendia os casos mais fáceis. Chegou uma mãe ao meu lado que veio buscar a identidade do filho pequeno. Quando ela pegou RG, o nome dela estava digitado errado – digitaram Mácia ao invés de Márcia. Ela se queixou que era a segunda vez que acontecia isso, que eles deveriam corrigir. Aí mostraram a ela o termo assinado, em que ela dizia ter conferido todos os dados e que estava tudo certo. Ela deveria repetir o processo todo de novo, do zero, inclusive pagando a taxa. Enquanto ela se indignava, eu pensava no quanto a mulher era trouxa de não ter visto seu próprio nome errado. Eu havia conferido os meus dados direitinho.

 

Finalmente resolvem me atender e cadê que não acham mais o meu nome no computador. Nem de casada e nem de solteira, como se eu não existisse. Muita procura e medo depois, acham o número do meu protocolo, eu ainda existo. A funcionária pega o plástico com o novo RG e fala “Ah, entendi porque não estávamos te encontrando.” Adivinhem? Digitaram errado o meu nome. Eu havia conferido direitinho sim, o nome dos meus pais, especialmente o nome da minha mãe. Como o sujeito falou o meu nome certo, não olhei com a atenção que deveria o meu próprio nome. Um nome simplérrimo.

O resultado disso nem precisaram me explicar, porque eu já havia ouvido tudo na explicação pra mãe distraída…

Aniversário

Era segunda à noite e eu estava do outro lado da cidade. Fiquei assustada em pensar o quanto minha programação havia se tornado desconhecida, inclusive pra mim mesma. Cada semana é uma nova semana, posso estar em casa ou não. Eu nunca fui assim.

 

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Talvez não seja assim, talvez seja uma questão mais de hábito ou de logística, mas o fato é que quando dois amigos diferentes me dizem “pode vir aqui de mala e ficar o fim de semana todo se quiser” eu me sinto imensamente sortuda e querida. Considero fins de semana sagrados, não se convida qualquer um pra ficar na sua casa o tempo inteiro. Estou estourando a cota de gente que me quer por perto e isso é muito bom.

 

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Céus, faz dois meses. Tão pouco tempo por um lado, uma eternidade por outro. A vida se tornou muito intensa.

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A mente começa a imaginar mil alternativas. Não faz sentido, mas digamos que. E se as circunstâncias obrigarem a. Daqui há três anos, vai que. Na hipótese da hipótese da hipótese, poderia acontecer de. Quando em todos os jogos que a mente faz, a resposta é sempre a mesma, é porque a solução é aquela. O que não deixa de ser um alívio.
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Tem os dias ensolarados. O pessoal cantando no ônibus, pra lá de dez horas. O velhinho que ultrapassa a minha bicicleta em plena BR. O barulho cheio de bolhas quando o salto na piscina é bem feito. Tirar as folhinhas de manjericão na hora, pra colocar no molho de tomate. A Dúnia rebolando enquanto se encaminha até a porta. O cheiro do lençol recém trocado. Tem o esquecimento e a felicidade sem razão.

Salvação

Eu me pego fantasiando que conhecerei um homem lindo e rico, que vai ficar loucamente apaixonado por mim e resolver todos os meus problemas. Principalmente a última parte. Eu me pego com vontade de ir a uma cigana ou alguém que jure prever o futuro e que essa pessoa me diga que daqui há um ou dois meses o tal homem surgirá. Ou seja, que a solidão que eu sinto, o sentimento de falta de propósito e a desesperança vão acabar daqui a muito pouco. Eu poderia, então, encurtar meus longos dias com essa informação. Entendo tanto as que se divorciam e começam a dar loucamente, a querer beijo, amasso, sexo. Eu me sinto tão frágil, tão carente. Se alguém me elogia, juro que não é verdade, porque é difícil acreditar que alguém olhe para mim e não veja apenas desânimo e velhice. Outras vezes eu nem preciso de príncipe, eu preciso de um homem que me abrace e me deseje. Só que tenho me recusado a ambos, porque sei que mal dou conta de mim. Não dou conta do interesse dos outros, não dou conta de me envolver, não dou conta de não me envolver, não dou conta de nada que envolva expectativas. Eu diria não querendo que o sujeito entendesse sim, e enlouqueceria quando ele não adivinhasse. Sou como um bicho ferido que se esconde. Se sempre detestei a companhia de pessoas carentes, dessas que tenta jogar seus problemas nas nossas costas, como esperar isso de um homem? Eu não estou nada apaixonante. Não posso procurar alguém com esse espírito, como uma pedinte. Enquanto eu precisar de um homem para ser salva, continuarei só.

Vingança

Como disse uma amiga, de que adiantaria matar um desafeto com um tiro – pra ele morrer rápido, confuso, sem nem ao menos saber porque está morrendo? Se fosse para matar desafeto, que fosse lentamente, sofrendo muito e ciente do porquê de tudo aquilo. Tipo vilão de filme, tipo Dexter. Mas somos, eu e ela, e quero crer que vocês também, incapazes do gesto. Algo nos impede, nem que seja o problema do que fazer com o corpo depois.
Na falta da possibilidade de vingar idealmente, me pego abrindo mão. Interromper as minhas coisas pra tentar causar algum efeito na vida do outro? Difícil. Eu acho que a vingança dá trabalho demais, pra depois a pessoa nem ao menos saber que existe uma relação direta de A + B, ou seja, o que ela está sofrendo e o que eu sofri por causa dela. E sem ela saber não tem graça. Dor por dor, ela vai sofrer de qualquer forma. Porque eu acredito muito na máxima de que o rio traz o cadáver. Quase nunca alguém que me faz um mal, o faz para mim, como se fosse um vilão de novela mexicana, determinado a ME magoar. Quem fez mal é ruim como pessoa, e espalha sua ruindade para quem está por perto, pelo ambiente. Pode demorar um pouquinho, mas chega o momento que ela se sufocará sozinha. A gente nem precisa se vingar, basta ter notícia.
Minha lógica me torna pacífica. Como se diz dos filhos de Oxóssi: “Apesar de não confiarem, são pessoas altamente confiáveis, das quais não se teme deslealdade; são incapazes de trair até um inimigo. Magoam-se com pequenas coisas e quando terminam uma amizade é para sempre”. As rasteiras mais doídas, até por uma questão de lógica, são dadas por aqueles de quem gostamos. Como diz aquele lugar comum, quem perdeu foi o outro. Nesse ponto eu confio muito no valor da minha amizade, na minha lealdade, na minha sinceridade quase doentia. Meu afeto é difícil de conquistar, mas é generoso e confiável. O amigo que perde meu carinho não precisa temer vinganças. Mas ele perde para sempre uma grande amiga. Que procure outra por aí e veja se é fácil.

Fragilidade

“Só os fortes sobrevivem”, dizia o ex de uma amiga, usando um darwinismo como desculpa para ser canalha. Mas, corrigindo o pensamento, Darwin jamais disse que os fortes sobrevivem, e sim os mais adaptados. Mesmo assim, vale a máxima. Não surpreende nunca tanta gente forte fazendo sucesso no mundo. Gente disposta a tudo em termos de comportamento, de alianças, de palavras. Que são capazes de se adaptar e adaptar seus princípios, onde você não encontra um núcleo duro, um limite ético que ela não seja capaz de ultrapassar. Gente assim me dá medo e parecem se proliferar. Que pessoas assim estejam reinando, no alto, não é surpresa nenhuma.

O que me deixa feliz mesmo é quando vejo a fragilidade encontrar espaço. Algumas pessoas são como flores que brotam no meio do asfalto, como a vegetação que surge nas frestas do cimento e ninguém consegue evitar. Pessoas lindas que preferem não ganhar a passar por cima de outros. Que não se apropriam do de ninguém, que não exploram ninguém, que apenas cuidam do seu. Num mundo como o nosso, onde tudo convida à maldade, parece impossível. Só que às vezes os ventos são tão violentos e a noite tão escura, que temo por elas. Que os céus protejam aqueles que ainda conseguem ser beleza onde tudo é secura. Elas são a energia que sustenta o mundo.

A suprema perfeição parece imperfeita
Mas seu uso jamais resulta em dano
A suprema abundância parece austeridade
Mas seu uso resulta inesgotável
A suprema habilidade parece canhestra
A suprema eloquência parece tartamudear
O movimento vence o frio
A quietude vence o calor
A pureza e a calma são as regras do universo
Tao Te King

Limbo

Existe uma fase muito chata assim que a gente casa e sai da casa dos pais. Assim que saímos, o espaço que era o nosso quarto assume funções novas, e passa para um irmão, ou vira sala, ou vira depósito, sei lá. Você chega lá pra fazer uma visita e já bate o olho e tudo foi tomado. Ao mesmo tempo, a nossa casa ainda não é nossa. É um limbo. Não estamos habituados com as distâncias, os corredores são novos, as diferenças saltam à vista. Lembro que no meu primeiro banho, chamei o Luiz pra vir comigo. Falando assim, parece romântico ou sexual, mas a verdade é que eu estava com medo de tomar banho sozinha. Com medo daquelas paredes intactas, daquele banheiro grande e estranho. E depois do banho, apenas depois do banho, nos demos conta de que havíamos esquecido de comprar tapetinhos de banheiro. Tapetinhos de banheiro fazem uma falta tremenda.

A fase que eu vivo agora também é assim.