Psicólogos são bichos orgulhosos.
Eu não costumo tocar no assunto, mas também não me nego a falar a verdade quando surge esse assunto na mesa. Os de fora acabam percebendo que eu fiz psicologia, mas os psicólogos passam anos falando comigo e acham que apenas me interesso pela área ou que não consegui (aka não tive capacidade) me formar. No dia que sabem, que realizam que eu tenho a mesma formação que eles, estagiei, me formei e depois nem me dei ao trabalho de tirar o CRP (registro que permite exercer a profissão), eles ficam agressivos. Eles não aceitam que alguém possam largar uma profissão tão nobre. São psicólogos, então não ficam agressivos de maneira assumida. Num primeiro momento, eles querem que eu diga o porquê da minha escolha, e seja lá o que eu responda – me arrependi, não acredito na profissão, a vida quis assim, fui abduzida – eles a desvalorizam. Eu que não persisti, que não vi direito os sinais, que tomei uma decisão errada. Depois desse período inicial de negação, eles finalmente aquietam com o seguinte argumento: É, é que ser psicólogo
não é pra qualquer um mesmo…
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Depois da faculdade, acabei me afastando de uma colega bem chegada. Para mim foi algo mais do que natural, já que não fazíamos mais trabalho juntas e não frequentavamos os mesmos ambientes. Outro motivo importante, que eu não via como dizer, e que ela era extremamente católica, radical, do tipo que desrespeita e vê como inferior qualquer outro tipo de religiosidade, e isso para mim era demais. Tenho problemas com pessoas dogmáticas, ainda mais no sentido religioso. Para ela, me parece, o meu afastamento foi um corte inesperado. Eu ligava, ela reclamava que eu tinha “sumido uma semana inteira”, aí eu tinha cada vez menos vontade de ligar porque ao invés dela ficar feliz eu tinha que ouvir uma bronca. Era tanta DR que nós parecíamos um casal lésbico. Eu fui me afastando, me afastado, e uma vez ela me ligou no meu aniversário, depois de quase uma no. Eu justifiquei minha ausência dizendo que estava muito ocupada, fazendo outra faculdade, mestrado, academia, amigos… e ela, para tentar se mostrar compreensiva e superior só repetia:
– VOCÊ ESTÁ FELIZ? – seguido de uma longo discurso de psicóloga-compreensiva-que-vê-as-coisas-do-ponto-de-vista-do-outro.
Um dos motivos que me afastei da área: acho insuportável essa coisa de ser psicólogo full time. Difícil quem não caia nessa armadilha.
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Tem quem se sinta atraído por psicólogas. Uma vez comecei a sair com um cara que me disse que tinha três ex-namoradas psi. Na hora achei pura coincidência, até que numa conversa ele me disse algo como “sempre quis andar de bicicleta quando era criança e os meus pais não deixaram, você acha que é por isso que eu blábláblá?”. Eu percebi que ele queria ser analisado, e naquela época já não era psi na minha alma, só não tinha certeza. Eu respondi com uma brincadeira qualquer, fingindo que não percebi a isca e ele não gostou. Claro que a história não durou quase nada. Tive um amigo no segundo grau que era apaixonado por mim e dizia que seria meu primeiro paciente quando eu me formasse, e ficou com esse discurso anos a fio. O que meu amigo não sabia é que era justamente sua vontade de ser meu paciente que me impedia de ter alguma coisa com ele. Ou eu cuido ou eu vejo como homem. Em outras palavras: tesão zero por quem depende de mim.
Eu sempre aviso que não gosto que elas me façam de terapeuta. Eu já percebi que quando a amizade vai por esse rumo, nunca mais sai.
Tem uma história em particular que me dá muita raiva, cansei de ser feita de trouxa. Ao contrário do que meus colegas psi gostam de acreditar, devo ser boa nisso, porque basta eu me distrair pra nego querer chorar no meu ombro. Quando acontece, respiro fundo, ajudo e faço de tudo para que não se repita. Se repete, odeio a pessoa por isso. Se eu quisesse ser psi, cobraria e ganharia bem pra isso. Dos meus amigos eu quero amizade.