Logo depois de colocar o aparelho, olhei meu reflexo e disse que estava horrorosa. Meu ortodontista defendeu seu trabalho e disse “ah, não fala assim!”. Talvez, de tanto colocar aparelho, ele consiga ver beleza em dentes metálicos. Já eu sentia minha boca enorme, obstáculos, coisas em lugares que até meia hora e dez anos atrás estavam lisas. Eu ainda era aquela, lisa. Coloquei massinha pra dormir, xinguei muito no twitter, economizei sorrisos. E por força, há tantos dias sem nunca ter trégua na sensação, sem poder tirar e nem me recusar a continuar, tenho deixado pouco a pouco de ser quem eu era. Durante quanto tempo a gente consegue resistir e guardar algo que não está mais lá? Falo mais do que um sorriso branquinho – falo do calor, dos assuntos, dos objetos, das expressões nos olhares novos e antigos. Estou falando da vida que muda de forma contínua e em todos os detalhes. Quando estamos infelizes queremos correr, correr, correr. Corri, consegui, agora estou em outro lugar. Nem melhor e nem pior, outro. Aí me pego segurando as lembranças como quem atravessa uma piscina com um papel na mão. Eu não sei mais o que é estar acompanhada. Eu desligo o alarme de manhã, eu apago as luzes da casa à noite. Imito os uivos da Dúnia quando vou encher o pote de água, como diante do computador, verifico os risquinhos na bateria do celular, carrego quilos na mochila em viagens de ônibus pela cidade inteira, em qualquer horário. Um dia não foi assim, eu me lembro; quando eu tinha outro nome essa casa tinha mais gente, eu não conseguia dormir sozinha e comentava em voz alta qualquer coisa interessante que via na internet. Um dia meus pés foram bonitos, meus cabelos enroscavam e a minha pele era macia. Hoje não sei. Olho para essas lembranças e… vai ver que são apenas implantes de memórias, igual dos replicantes. Eu me pergunto qual o ponto de querer um homem. Fora o hábito da carência e da programação feminina, fora o sexo, qual o ponto? Fui acusada de não querer realmente nada com ninguém, senão teria tentado me aproximar do crush. Um crush que nunca esteve longe, em nenhum sentido. Não nego. Agora ele está com namorada e “Olha a prova de que eu não tinha chance, quem gosta de uma perua dessas jamais gostaria de mim!” – digo com a certeza de quem se vê no lado oposto às peruas. Mas qual lado é esse, o que um homem buscaria em mim? Nunca soube direito, nunca fui boa nisso. Eu era recém-formada e morava com a minha mãe a última vez que essa questão se apresentava. E achei, quando me casei, que essa questão estaria resolvida para sempre. Eu me desacostumei em ter quem se importe com os meus horários, me veja nos fins de semana e se apresente como algo meu. Eu estou tão só – às vezes isso é flutuar, às vezes é não existir. A vida tem trocado todas as células e os objetos de quem eu fui, nos mínimos detalhes, até nos que ainda amo. Minha solidão é dor e é incômodo, mas também é meu berço, meu alimento, meu cobertor. Carrego comigo galáxias, desenho em nuvens, choro e sorrio pro vento, à espera de saber o que fazer com tudo isso.
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