Uma pedra no meio do caminho

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Não sei dizer porque me lembrei disso. Uma colega de colégio, do segundo grau, me encontra no recreio e diz:

Te vi um dia desses! Era de tarde, você estava descendo a rua que vai dar lá no terminal. A rua estava vazia e eu estava dentro do carro, esperando a minha mãe. Tentei te chamar e você não me ouviu porque o vidro estava fechado e você estava do outro lado da rua. Eu tentei acenar e você não olhou, você estava distraída. Ao invés de você andar olhando por onde anda, pra frente, você fica olhando pra cima e não presta atenção direito. Quando estava quase saindo do meu campo de visão, você deu uma topada numa pedra e por pouco não caiu. Aí você olhou para trás e começou a discutir com a pedra! Eu rolei de rir dentro do carro.

Óbvio que eu não discuto com pedras, apenas falo com elas.

A revolução altruísta

É fascinante pensar a quantidade de informações que os nossos pais nos passam e como elas ficam, e algo que eles nos disseram sem dar uma importância maior do que qualquer outra informação pode ser determinante no nosso futuro. Minha mãe me alimentou com muitas histórias, de irmãos Grimm e contos tradicionais aos livros de Chico Xavier e outras histórias de fundo moral. Ela me contou uma vez a história de uma mulher que foi procurar Buda porque seu marido havia morrido e ouviu falar que ele era um grande mestre, um iluminado, e queria que ele trouxesse seu marido de volta. Buda lhe pediu para trazer uma semente de mostarda de uma casa onde nunca havia morrido alguém. A mulher foi de casa em casa, explicou sua história, e todos lhe diziam que não podiam ajudar – uns haviam perdido o pai, outro um filho recém-nascido, a esposa… “Mas, mãe, a gente poderia dar uma semente de mostarda pra ela porque aqui não morreu ninguém”. Aí ela teve que me explicar que a nossa situação – uma mulher com seus filhos num apartamento – não existia naquela época, que as famílias moravam juntas, que a gente provavelmente viveria numa casa grande com a vó, nossos tios e primos. Nessa que seria a nossa casa, a gente tinha perdido o pai dela antes mesmo de eu nascer. A mulher voltou até Buda e lhe disse que não havia encontrado a semente, em todas as casas alguém havia morrido. Ela havia visto a dor dos outros e aceitado melhor a sua.

Essa história foi determinante pra mim quando me separei – de longe a coisa mais difícil que enfrentei na vida. Sempre gostei de olhar em volta e quando estava deprimida fazia o exercício de olhar ainda mais. Descobri perto de mim muitas dores, que jamais faziam o meu peito se encher de alegria, mas que me faziam aceitar aquela fase. Naquela época fiz aula de costura, um lugar que mais tarde fui perceber que era o refúgio de muitas mulheres como eu, que precisavam lidar com suas dores. Nem todo mundo por ali estava aprendendo, algumas já eram costureiras profissionais e precisavam apenas de uma ou outra dica e principalmente de companhia. Era um círculo de mulheres. Uma dessas mulheres era uma senhora baixinha, gorda e com uma gargalhada deliciosa que a fazia chacoalhar o corpo todo na risada. Numa tarde qualquer, nossa professora recebeu o telefonema do filho adolescente. Ele a avisou de uma mudança de horário porque alguém no colégio dele havia acabado de morrer subitamente durante a aula, aparentemente um ataque cardíaco. Ok. Apenas dias depois soubemos que o colega de colégio que havia morrido era neto da nossa colega de risada gostosa. Quando ela reapareceu, tinha o olhar baixo e mal falava. Minha professora me cutucou, disse para eu lhe fazer um gesto de carinho. Cheguei até ela e lhe dei um longo e sincero abraço, e nós duas nos emocionamos. A minha dor que me doía tanto e não me deixava em paz pelo menos tinha um componente de escolha.

Um mês depois da minha separação eu fui pra uma festa. Era um amigo que estava meio afastado e quis me animar porque soube. Valeu muito a pena, deve ter sido a primeira ocasião em meses – separação nunca é apenas aquela assinatura – que eu chorei de rir. Num certo momento chegou uma amiga que não via há tempos e ela me disse, com muita sinceridade, que estava passando exatamente o mesmo sofrimento que eu, porque havia se separado do noivo há pouco tempo. Depois soube que nossos amigos em comum lhe deram bronca quando ela disse isso para eles: como ela ousava, comparar um noivado com um sujeito que a enrolava há tempos e vinha para Curitiba a cada quinze dias com o fim de um casamento de mais de dez anos? Isso sem dizer que, ao contrário de mim, ela os solicitava o tempo todo com telefonemas e queixas. Eu os angustiava por não me abrir e ela enchia o saco por estar sempre nas últimas. Em algum post eu sei que já citei essa amiga, mas o que não disse é que eu realmente acredito que a dor dela era tão grande quanto a minha. É que ela não conhecia o segredo: eu fiz da minha dor a minha semente de mostarda e fui me curando com a dor do mundo. Ela se trancou no seu sofrimento como quem grita numa sala de espelhos.

Eu realmente acredito no altruísmo. Acredito na busca pela felicidade e na confusão que isso é, na diversidade dos caminhos e suas interpretações, na incapacidade da linguagem em realmente nos colocar claramente diante de outros ser humano. Se nos chocamos com as cenas de violência e os assassinos, é justamente porque somos quase todos seres pacíficos que se deixariam matar muito antes de pensar em ir a extremos com alguém. Fico feliz que coisas que sempre me pareceram tão minhas, tão idiossincráticas e religiosas, agora encontrem respaldo científico. Recomendo The altruism revolution a todos que estejam precisando reavivar sua fé na humanidade. Tem no youtube com legendas em inglês e no Netflix.

 

Os chifres do boi

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No documentário O desafio de Rudolf Steiner, mostra umas fazendas com visões mais humanistas no trato com o gado e um fazendo explica que lá eles não cortavam os chifres do boi. Que um boi sem seus chifres fica despersonalizado, confuso, perde o contato com sua essência e por isso se torna mais fácil de dominar, o que é muito bom para a pecuária “comum”. Aqueles bois não, cada um era um, do seu jeito, com seus chifres e cientes de quem eram e o que queriam. Um bom desses quem sabe diria, se fosse gente, austríaco e extremamente talentoso:

As perfídias que me fazem tropeçar, que me desesperam e quase me enlouquecem a cada dia tornam-se ineficazes para mim, se consigo vê-las com clareza, assim como coisa nenhuma sobre a qual eu tenha clareza é capaz de me atingir, ou, menos ainda, aniquilar. Ter clareza sobre a própria existência, não apenas penetrá-la com o olhar, mas esclarecê-la no mais alto grau a cada dia – eis aí a única possibilidade de se haver com ela. Antes eu não tinha essa possibilidade de inferir no jogo diário e mortal da existência, não tinha nem o entendimento nem a força necessária para tanto; hoje esse mecanismo se põe em movimento por si só. (….) Ouvi tudo, não segui coisa nenhuma. Continuo experimentando ainda hoje: não saber no que vai dar é algo que fascina o solitário que voltei a ser. Há tempos não pergunto mais pelo sentido das palavras, que só fazem tornar tudo mais incompreensível. A vida em si, a existência em si, tudo é lugar-comum. Quando nos lembramos do passado, como faço agora, as coisas vão pouco a pouco se resolvendo por si mesmas. A vida toda convivemos com pessoas que não sabem nada sobre nós, mas afirmam constantemente saber tudo; nossos parentes a amigos mais próximos não sabem nada, porque nós mesmo pouco sabemos sobre nós. Passamos a vida inteira nos investigando, vamos sempre até os limites dos nossos recursos intelectuais, e desistimos.

Thomas Bernhard/ Origem, p. 306 – 307

 

O baú oriental

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Me contaram essa história como verdadeira, tal como deve ser.

Era um médico que morava sozinho numa casa. Tinha sucesso na profissão, amigos, etc. Na sua sala de estar, havia um grande baú oriental, todo entalhado, bonito, e permanentemente fechado. O que havia lá ele não dizia para ninguém. Os amigos brincavam, perguntavam, ameaçavam abrir, e o médico apenas sorria, jamais revelava o que havia dentro.

Um dia, ele chegou em casa e notou que tinha algo estranho. Chegou na porta da frente e ela estava aberta, haviam arrebentado a fechadura. Entrou na sala, preocupado, e o seu baú estava aberto. Viu o resto da casa e não estava faltando nada. A reconstituição dos fatos foi a seguinte: o ladrão arrebentou a fechadura, entrou na casa, abriu o baú e, assustado com o que tinha dentro, saiu correndo.

Arte degenerada

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Quando eu vi Arquitetura da Destruição, uma das coisas que me assustaram no filme foi perceber que eu e Hitler, no campo artístico, tínhamos ideias parecidas. Assim como ele, eu também gosto mais da arte clássica, renascentista, e tendo a ver a arte moderna pura e simplesmente como arte ruim. O filme me fez pensar que se por acaso eu fosse alçada à condição de semi-deusa, que qualquer coisa que eu pensasse ou dissesse foi levada tão à sério que adquiriria o status de dogma, minha ignorância e limitações estéticas trariam um período de ignorância e obscurantismo artístico. Porque é isso o que vemos no filme, a exaltação de uma arte voltada aos ideias nazistas de força e perfeição e empobrecida de outros aspectos – o que dá uns 95% da própria essência da arte. Quando vemos a arte produzida por períodos ditatoriais de outros países – penso na China Comunista e URSS, mas devem haver outros exemplos por aí – há o mesmo fenômeno.

Eu não sou uma pessoa tão inculta e condenável assim por ter minhas limitações de gosto artístico, vai. E nem Hitler. Todos nós temos gostos limitados, ninguém dá conta da totalidade da existência. O que para mim é sujeira e ruído, para o outro pode ser a forma de expressão possível. O que eu vejo como erro e pecado, para o outro pode ser liberdade ou redução de danos. O erro está em um gestor ter tanta certeza da sua posição que a transforma em verdade para uma cidade ou país, quando transforma em lei ou atitudes. Para decidir sobre o corpo dos outros, a escolha dos outros, a arte dos outros, o melhor ainda é perguntar pra eles.

Cris e Jorge

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Mesmo ainda bonitona e com tudo em cima aos quarenta, Cris se sentia uma encalhada. Fez colégio, duas faculdades, tinha muitos amigos, participava de campeonatos de natação, era uma pessoa divertida, de bem com a vida, tudo certo, mas o tal príncipe não aparecia. Tinha tido seus namoros, claro, mas nunca deu aquela liga. Os amigos diziam não entender o motivo, que ela era maravilhosa e tinha tudo para encontrar alguém, mas não acontecia. Parecia que o seu destino era mesmo ser casada apenas com seus cachorros, que ela adorava.

Mas Jorge não poderia imaginar isso e estava prestes a mudar esse destino. Ele a via passar apressada pela garagem do prédio todo domingo de manhã cedo e voltar na hora do almoço e ficava por ali, esperando ela voltar. Ficava trancado no carro ouvindo música e da sua vaga via quando o carro dela chegava, dava um tempo e depois saia, simulando uma coincidência. Também gerava mais coincidência quando ficava em casa com o lixo, de olho no olho mágico da porta, para levar o lixo para fora na mesma hora que ela passava pelo corredor. Às vezes ouvia o barulho e ia correndo abrir a porta e cruzava com outra vizinha. Sem saída, ele cumprimentava, colocava o lixo e quando não tinha ninguém olhando trazia o lixo de volta para casa. Quando encontrava a Dr. Cristina – o porteiro já tinha passado toda ficha para ele, ela era advogada e aparentemente não tinha namorado – ela era sempre simpática, sorria para ele, mas nunca passava disso porque nem tinha muito como passar disso. O que ele queria também, que ela o convidasse para tomar uma xícara de café? Jorge pensou muito e decidiu que precisava de um plano. Um dia, no elevador, perguntou se ela gostava do Zeca Baleiro, ela disse que sim, claro, adorava, e ele perguntou se ela não queria ir pro show com ele, que seria na próxima semana. Ela topou, ele comprou os ingressos e ficou tentando reeencontrá-la para combinarem a saída. Eles não se viram mais e ele, desgostoso, foi pro show com a filha.

“Esses homens, todos uns bananas mesmo”, Cris reclamou para si mesma, sábado à noite, depois de esperar por ele a semana inteira e finalmente ter certeza de que o show estava rolando e eles não iriam juntos. Claro que ela, pelo seu lado, havia notado aquele vizinho tímido, mais velho e bem apessoado que cruzava com ela pelos corredores de vez em quando. Após tudo perdido, ela encontrou com Jorge no elevador e cobrou o show que não foram ver juntos. Ele ficou sem graça e Cris perdeu a paciência com aquela lenga lenga. Bateu no apartamento dele e o convidou para sair. Foi o que ele precisava para entender e finalmente tomar a dianteira. Jorge levou Cris para jantar, para cama *, para o altar, para uma casa com amplo jardim e cachorros, onde vivem até hoje, mais de dez anos depois.

*”Ela me levou pra cama e me fez homem!”

Todo mundo não existe

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Aprendi isso em terapia: todo mundo não existe. A não ser que você tenha tido um vídeo íntimo vazado e esteja sofrendo de bullying em cadeia nacional, não existe o “todo mundo” que pensa ou sente algo a teu respeito. Os funcionários da padaria, o pessoal do ponto de ônibus, o motorista do carro ao lado, ou seja, pra maioria da população você nem ao menos existe. Aí você diminui para as poucas pessoas com quem convive, elimina as que não estão envolvidas na situação, coloca também aquelas que te amam e estão do seu lado, corta de um lado e corta de outro e acaba descobrindo que o tal “todo mundo” se reduz a um círculo muito pequeno de pessoas, às vezes nem isso. Pode ser que seja apenas uma pessoa e ela seja tão poderosa que o seu juízo pese mais do que “todo mundo”. Um conselho fácil de dar e às vezes difícil de aplicar: não dê poder a quem te fere.

Me indica

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Tenho uma amiga que às vezes, em conversas sem relação com nada, me diz: me indica um livro. Ou: ah, você ainda não me indicou um livro. Já mandei videos, comentei tudo o que há sob o céu e mandei até uns textos do outro blog, que ela nunca comentou e nem sei se leu. É que de vez em quanto bate aquela culpa por não ler, ou a necessidade de parecer intelectual e eu sou aquela que “vive lendo”. Fico me perguntando qual a melhor metáfora para explicar como é isso – um pintinho no ninho querendo que a mãe lhe traga minhoca, uma pessoa na rede pedindo pra mucamba lhe trazer um suco? O fato é que nunca consegui lhe indicar o tal livro e nem lhe explicar o motivo.

Dois comentários para a cabra

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A caixa do supermercado, pra mim:”Eu digo pra meninas que aqui no caixa rápido é só os filé. Os homens feios vão todos pra fila dos carrinhos”

(E minha resposta-teoria: “É que aqui é só gente solteira. Quem faz compra mensal tem família, eles são todos pais e já não ligam mais pra aparência.”)

.oOo.

Duas empregadas conversando no tubo: “Meu patrão tinha uma festa e veio todo bonito, perfumado e desfilou pra mim, perguntou se estava bonito. Eu disse sim, muito elegante. Imagina, aquele homem desfilando pra mim! Se eu pego ele de jeito, jogo numa cama e…”

Cobertor pequeno

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Vi uma discussão na minha TL e pensei em escrever um texto, e pensar nos argumentos me fez pensar que, ao invés de alargar a questão, faria com que os dois lados ficassem com raiva de mim. O que você propõe então, me perguntariam, e eu diria que nada, não sei a resposta, e que talvez minha proposta fosse essa, que menos gente pretendesse que sabe a resposta. Tem uma figura que fez muito sucesso por aí, com um número no chão, e quem estava de um lado o via 6 e do outro 9, como um convite para que a pessoa entenda que a verdade depende do ponto de vista. Eu acho que é um pouco além. De legalização do aborto às roupas da Globeleza, as pessoas se perguntam: é bom ou ruim? Uns acham bom, outros acham ruim. Filosoficamente falando, acho que cada ato é bom e ruim. Quando cobrimos de um lado descobrimos de outro, que dar atenção a uma coisa é deixar outra de lado, que ao escolher uma alternativa perdemos o controle sobre o que não escolhemos. Um ato pode ser num só tempo libertário e conservador, machista e feminista, avanço e retrocesso. Idem para as consequências. Vocês vão dizer “que óbvio isso”. Não é não. Se fosse óbvio, não se brigaria com tanta certeza por aí.

Eremita

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Tenho um problema sério quando fico muito tempo sem contato humano: eu acostumo. Acostumo e gostcho demais. Olho para o ritmo normal da minha vida ao longo do ano, as pessoas que estou sempre em contato, as várias conversas engatilhadas e os compromissos e me espanto – como aguento? Eu sei, estar sozinho pode dar uma ilusão enorme de paz e sabedoria, como o sujeito que passa vinte anos numa montanha e se crê santo pra perder a calma quando cruza com o primeiro. Mas… como aguento? Sei que se eu falasse das coisas que me são verdadeiramente caras não encontraria ouvidos. Posso adivinhar o silêncio educado e impaciente se começasse a falar dos livros que li, as séries, os canais no youtube, os sonhos, as coisas que pensei. Mas não, eu não saí, não bebi, não fiquei e nem fui cantada por ninguém, então, na versão oficial, nada me acontece há semanas.

Dez mil

Li a entrevista de algum cartunista, em algum lugar, e nela ele dizia que se você se propõe a ser cartunista e vai procurar um lugar pra te publicar, eles vão querer que você leve pelo menos dez mil tirinhas. Não sei se ele falou figurativamente, mas lembro que o número era esse. Você tem que provar pro editor do jornal que você é consistente. Fazer algumas histórias divertidas todo mundo faz, algumas, durante um tempo. O problema é o desafio diário de alimentar o jornal com elas sempre, então o editor não vai correr o risco de ter uma história ótima durante um mês, acostumar os leitores e depois ouvir um “puxa, desculpe, não consigo mais”.

No livro Conversando com Deus tem uma frase que eu coloquei na geladeira (nota mental: reescrever porque o papel está todo ensebado) que não sei se está mal traduzida ou se a culpa é de Deus mesmo. Ela diz:

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Caso não entendam minha letra, a frase diz: “Escolha sempre a mesma coisa. Até a sua vontade se manifestar em sua realidade”.

Por isso que venho bater um ponto imaginário aqui, dia sim dia não. Um dos meus grandes medos é ser desses que tem projetos incríveis na gaveta pra um dia. Conheço muitos grandes futuros escritores, assim como conheço tediosos convictos que se fizeram publicar. Que entre os dois extremos, eu consiga encontrar meu caminho.

Melhor que filtro solar

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Ao contrário do que a gente pensava na época que o Bial eternizou a mensagem “Use filtro solar“, esse não é um conselho imperdível e acima de qualquer risco. Aqui em Curitiba, por exemplo, é muito comum as pessoas terem que fazer reposição de vitamina D por causa da falta de exposição ao sol e usar filtro solar é um desses fatores, porque o filtro solar bloqueia a absorção da vitamina. Se a pessoa está todinha com filtro ou se pega sol apenas pelo vidro (dirigindo, por exemplo), fica sem vitamina D. Tem umas linhas mais naturais que também dizem que ele faz mais mal do que bem, que o ideal é buscar alternativas mais naturais. Mas, enfim, o assunto não é esse.

Se eu fosse dar um conselho definitivo, como se fosse esse do filtro solar, ele seria: faça terapia. Uma amiga veio me falar de uma dificuldade num relacionamento, que gostava muito do sujeito e estava agindo praticamente ao contrário. Sonhava acordada com ele e frente a frente era tão durona que ele deve ter pensado que ela não é a fim. Mas quando ele ia embora, ela lamentava que não tivesse rolado nada… Eu me identifiquei muito, mas muito mesmo, no nível já fiz igual. Fiz? Quando parei pra pensar, me dei conta de que aquilo fazia parte de um passado distante, que não sou assim faz tempo. Foi só quando ela me falou aqui que me dei conta do tanto que eu caminhei. Ou, dito de outra forma: eu poderia ser assim até hoje. Sem saber, fazendo uma limpeza ali, revendo conceitos acolá, eu mudei.

Não sei dizer quanto tempo de terapia eu tenho, fiz muita terapia. Foram linhas diferentes, abordagens diferentes e com anos de intervalo. Embora, como tudo na vida, existam profissionais e profissionais, mesmo quando fraquinha o saldo costuma ser mais positivo do que negativo. Incluo também nessa lista outras atividades “bobas” – danças, vivências, grupos de apoio, conselhos de pessoas mais velhas, etc. Sou muito à favor de procurar ajuda. Tenho muitos amigos ateus, céticos até os ossos, então se pinta um termo suspeito do tipo “energia” eles já jogam tudo no lixo. Eu mesma tenho uma tendência a me tornar uma observadora cínica ao invés de me misturar. Hoje vejo que quem sai perdendo com isso é a gente. Querer fazer tudo sozinho é querer enfrentar a vida na raça, abrindo caminho no mato com um canivete suíço; a outra opção é gps, guia, estradas e quem sabe até pegar um avião.

Activia sabor ameixa

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Acordei cedo por motivos outros, e quando vi fui a primeira pessoa a passar pelo caixa do supermercado da terça. E logo na primeira cliente do dia a caixa precisou ficar parado. Basicamente, fui ao supermercado só para comprar iogurte, mais especificamente, o litrão de Activa de Ameixa. Já fiz intensa pesquisa com vários iogurtes, e único que não me enjoa se eu tomar sempre, por ser menos doce, é esse. Quando fui buscar, tive a feliz surpresa de ter encontrado justamente o Activia Ameixa numa promoção de quase 50%. Só que na hora de passar no caixa, passou o preço inteiro. Devo ter perdido muita promoção, porque geralmente estou ocupada abrindo sacolas e enfiando umas nas outras ou simplesmente não lembro direito do preço para poder afirmar com certeza que não passou. Mas desta vez não teve como não notar. A moça do caixa fez a única coisa ao seu alcance – acionou o aviso que chama alguém. Fiquei lá parada, a única cliente numa caixa, o único número indicando problema, e nada. Se eu não tivesse ido justamente pra comprar iogurte, teria dado as costas e pronto. Depois de uma longa espera surge a moça, que sem dúvida não achou que precisava olhar caixa nos primeiros cinco minutos que o supermercado abriu. Por sorte, estava num caixa ao lado dos iogurtes. Apareceu uma família que não acreditou quando eu aconselhei a procurar outro caixa e ficaram por ali, de testemunhas. A moça do patins foi até a geladeira e de onde estava deu pra ver que ela buscou a etiqueta errada. Ela cancelou a compra e quis digitar o preço do Activia Morango, que estava em promoção mas não tão barato. Não, tem que ser o Ameixa, aí largo todo mundo lá, vou até a geladeira, arranco a etiquetinha de promoção e trago. “Ah, é que essa estava escondida” “Ela estava junto dos iogurtes de ameixa”, disse A Louca do Iogurte de Ameixa.

Às vezes me parece que a vida adulta nos reduz a isso, a batalhas pequenas e constantes apenas para manter o espaço. Como dar a elas a medida exata da nossa atenção, sem deixar passar e ao mesmo tempo não se deixar afetar?

Entrevistas

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Uma vez eu disse pra um novinho (acho esse termo muito engraçado!) que nenhuma entrevista com gente com menos de quarenta anos de idade valia a pena. Quarenta sendo boazinha, nem todo quarenta, melhor ainda se a pessoa tiver pra lá dos sessenta. Ele não gostou, é claro, achou papo de gente velha que se valoriza, porque afinal eu estava mais perto dessa idade interessante do que ele. Estou realmente perto dos quarenta, e mesmo assim ainda acho que uma entrevista minha não vale a pena. Quem sabe daqui há uns vinte anos, se eu de lá pra cá eu conseguir superar esse marasmo.

Uma vez estava passando uma entrevista da Carolina Dickman com o Faustão. Não lembro se estava na casa de alguém ou se estava fazendo outra coisa no momento, só sei que eu não estava prestando atenção e a toda hora ouvia ela dizer “eu acho”. Foram tantos “eu acho” que fiquei com vontade de matar a criatura. Depois me dei conta que a culpa não era dela. Ela era uma novinha. Quando se é novo, tudo o que você pode dizer é o que você acha. Uma pessoa quando jovem não passa de um projeto. Ela tem muitas opiniões, faz generalizações, pretende muita coisa, mas tudo pro futuro – e esse futuro pode nunca se realizar. Interessante é entrevistar que não é projeto e sim quem já é. Essa pessoa vai não te falar o que ela acha, ela vai falar o aconteceu, qual sua participação, o que ficou ou o que mudou, as pessoas que estavam ao lado dela. A fase do “eu acho” é o início da régua e os desafios estão todos nelas: os caminhos disponíveis, que escolhas fará, que exemplos têm, o que consegue fazer no dia a dia. Mas para ouvir, vai por mim, a outra ponta é mais interessante.