Mesmo ainda bonitona e com tudo em cima aos quarenta, Cris se sentia uma encalhada. Fez colégio, duas faculdades, tinha muitos amigos, participava de campeonatos de natação, era uma pessoa divertida, de bem com a vida, tudo certo, mas o tal príncipe não aparecia. Tinha tido seus namoros, claro, mas nunca deu aquela liga. Os amigos diziam não entender o motivo, que ela era maravilhosa e tinha tudo para encontrar alguém, mas não acontecia. Parecia que o seu destino era mesmo ser casada apenas com seus cachorros, que ela adorava.
Mas Jorge não poderia imaginar isso e estava prestes a mudar esse destino. Ele a via passar apressada pela garagem do prédio todo domingo de manhã cedo e voltar na hora do almoço e ficava por ali, esperando ela voltar. Ficava trancado no carro ouvindo música e da sua vaga via quando o carro dela chegava, dava um tempo e depois saia, simulando uma coincidência. Também gerava mais coincidência quando ficava em casa com o lixo, de olho no olho mágico da porta, para levar o lixo para fora na mesma hora que ela passava pelo corredor. Às vezes ouvia o barulho e ia correndo abrir a porta e cruzava com outra vizinha. Sem saída, ele cumprimentava, colocava o lixo e quando não tinha ninguém olhando trazia o lixo de volta para casa. Quando encontrava a Dr. Cristina – o porteiro já tinha passado toda ficha para ele, ela era advogada e aparentemente não tinha namorado – ela era sempre simpática, sorria para ele, mas nunca passava disso porque nem tinha muito como passar disso. O que ele queria também, que ela o convidasse para tomar uma xícara de café? Jorge pensou muito e decidiu que precisava de um plano. Um dia, no elevador, perguntou se ela gostava do Zeca Baleiro, ela disse que sim, claro, adorava, e ele perguntou se ela não queria ir pro show com ele, que seria na próxima semana. Ela topou, ele comprou os ingressos e ficou tentando reeencontrá-la para combinarem a saída. Eles não se viram mais e ele, desgostoso, foi pro show com a filha.
“Esses homens, todos uns bananas mesmo”, Cris reclamou para si mesma, sábado à noite, depois de esperar por ele a semana inteira e finalmente ter certeza de que o show estava rolando e eles não iriam juntos. Claro que ela, pelo seu lado, havia notado aquele vizinho tímido, mais velho e bem apessoado que cruzava com ela pelos corredores de vez em quando. Após tudo perdido, ela encontrou com Jorge no elevador e cobrou o show que não foram ver juntos. Ele ficou sem graça e Cris perdeu a paciência com aquela lenga lenga. Bateu no apartamento dele e o convidou para sair. Foi o que ele precisava para entender e finalmente tomar a dianteira. Jorge levou Cris para jantar, para cama *, para o altar, para uma casa com amplo jardim e cachorros, onde vivem até hoje, mais de dez anos depois.
*”Ela me levou pra cama e me fez homem!”
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