Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor à procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Carlos Drummond de Andrade
Eu lembro minhas colegas de faculdade, quando começavam a namorar, perguntarem umas para as outras: “então, ele é Ele?”Ninguém precisava de manual para entender o que queria dizer o segundo ele: A Pessoa, um encaixe perfeito de um ser humano no outro, e que só com ela conseguiremos ficar felizes para sempre. Mesmo quem se considera muito racional acaba agindo com base nessa ideia. Aqui, do lado “mulheres ocidentais heterossexuais”, isso parece ser uma busca que nunca é totalmente colocada de lado. Se enquanto adolescentes esse Ele podia encarnar todo tipo de qualidades, quando mais velhas e já calejadas por outros relacionamentos, até podemos baixar bastante a lista de qualidades necessárias, mas em ambos a possibilidade sempre parece um sonho.
Vi um desses memes postado em um historys no Instagram e quase respondi – não o fiz porque me sentiria uma idiota respondendo à sério não apenas um meme, mas um meme num history. Nele dizia algo como: “neste momento, o amor da sua vida está sendo muito bem cuidado pela pessoa errada”. Na minha primeira leitura, aquilo me doeu. Já pensei que em algum lugar, enquanto eu estou sozinha com uma cadela idosa, certamente o homem dos meus sonhos estava com uma bela morena no colo, viajando, fazendo sexo, com os amigos, sendo muito feliz. Lembro da Cantiga da Bailarina, de Chico e Edu Lobo: “Sujo atrás da orelha/ Bigode de groselha/ Calcinha um pouco velha/ Ela (a bailarina) não tem“. Todos sabemos que as pessoas parecem muito mais felizes nas redes sociais do que na realidade, e ao mesmo tempo estamos sempre caindo no truque, sempre achando que todos levam vidas emocionantes menos nós. Talvez eu até tivesse continuado com ciúmes do homem que ainda não conheço, mas me chamou atenção ter sido um homem quem postou aquilo. “Não é verdade que o amor da sua vida está se divertindo com alguém. Ela está levando um monte de match no Tinder, tentando filtrar quem vale a pena por detrás de um monte de pedidos de nudes e se sentindo mal porque ela nunca parece ser boa o suficiente para que algum homem queira mais do que um pouco de sexo”. Do lado de cá, os homens nunca parecem estar sozinhos ou desejando um amor. Do lado de cá, toda essa liberdade sexual associada a nenhuma necessidade de intimidade parece ter realizado os homens de tal forma que eles não querem mais nada. Não conheço a obra de Bauman a fundo para saber em detalhes o que ele disse, mas acho importante salientar que a liquidez das relações da qual ele tanto fala têm diferenças de gênero – ao masculino o aspecto da variedade (com sua consequente dificuldade de escolha) me parece muito mais acentuado do que ao feminino.
Li uns artigos que falavam da proliferação de grupos de homens com ódio de mulheres; de acordo com eles, só os machos de queixo quadrado, boa genética e muito dinheiro obtém atenção feminina. Coincidentemente, a atenção que os dois grupos de homens – os alfa e os celibatários involuntários – gostariam de ter também é das mulheres favorecidas pela genética (ou pelas plásticas). Se é assim, a maioria das mulheres reclamam e os homens não-alfa também reclamam. Então os que estão se relacionando por aí são uma minoria bonita, enquanto os mortais comuns assistem de longe e invejam? Por que tanta frustração de dois lados que dizem buscar um ao outro?
Eu acho que a maior dor que pode existir para um ser humano, daquelas que fazemos todo tipo de coisas insensatas para não encarar, é aceitar que alguém que esteve com você, olhou nos seus olhos, soube da sua vida, quem sabe até tenha compartilhado da sua intimidade, e não liga a mínima. Não é certo, não é o que entendemos como ser “humano”. Quando começamos a frequentar demais os mesmo lugares, e somos atendidos pelas mesmas pessoas, o normal é começarmos a saber seus nomes e nos importar, mesmo que de maneira leve. Aquela pessoa não é mais uma estatística, não é mais uma Maria, é alguém cujo modo de andar, a fisionomia, o tom de voz e os trejeitos nos são familiares. Dentro de nós, somos os protagonistas sempre, então é inaceitável quando alguém nos reduz a um nada. Que nos ame, que nos odeie, mas que não diga que nem sequer existimos.
Nós sabemos que as estatísticas nos explicam. Se o Facebook assumiu que sabe com facilidade se vamos começar a namorar, imagine o resto. Eu acho que existe uma antipatia natural pela Sociologia ao se saber que ela se propõe a nos explicar pelo coletivo – e devo dizer que, mesmo para quem é apaixonado por ela, às vezes a gente se sente meio idiota de ver que escolhas que nos pareceram tão íntimas quando tomadas são apenas reflexo do grupo e época em que vivemos. Mas o sonho de todos nós é que, ao invés de perceber o grupo, que percebam o que há de único, porque todos somos também uma combinação tão diversa de fatores, cicatrizes, gostos, geografias e oportunidades. Só a velocidade e variedade que a tecnologia nos proporciona torna os encontros tantos e tão rápidos, que as pessoas se tornam um apanhado de imagens impossíveis de conhecer, então desumanizados e somos desumanizados o tempo todo. Gosto muito de uma citação de Amós Oz que diz, em O Judeu e as Palavras, que cada pessoa é uma forma da Deus vivenciar algo que Ele nunca vivenciou antes. Alguns dizem que toda carência humana por amor é uma saudades de um Amor Ilimitado que nos vê como únicos. O ilimitado sempre foi impossível, agora a luta é pelo menos obter o único.
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