Amar a nossa mesma falta de amor

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor à procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Carlos Drummond de Andrade

Eu lembro minhas colegas de faculdade, quando começavam a namorar, perguntarem umas para as outras: “então, ele é Ele?”Ninguém precisava de manual para entender o que queria dizer o segundo ele: A Pessoa, um encaixe perfeito de um ser humano no outro, e que só com ela conseguiremos ficar felizes para sempre. Mesmo quem se considera muito racional acaba agindo com base nessa ideia. Aqui, do lado “mulheres ocidentais heterossexuais”, isso parece ser uma busca que nunca é totalmente colocada de lado. Se enquanto adolescentes esse Ele podia encarnar todo tipo de qualidades, quando mais velhas e já calejadas por outros relacionamentos, até podemos baixar bastante a lista de qualidades necessárias, mas em ambos a possibilidade sempre parece um sonho.

Vi um desses memes postado em um historys no Instagram e quase respondi – não o fiz porque me sentiria uma idiota respondendo à sério não apenas um meme, mas um meme num history. Nele dizia algo como: “neste momento, o amor da sua vida está sendo muito bem cuidado pela pessoa errada”. Na minha primeira leitura, aquilo me doeu. Já pensei que em algum lugar, enquanto eu estou sozinha com uma cadela idosa, certamente o homem dos meus sonhos estava com uma bela morena no colo, viajando, fazendo sexo, com os amigos, sendo muito feliz. Lembro da Cantiga da Bailarina, de Chico e Edu Lobo: “Sujo atrás da orelha/ Bigode de groselha/ Calcinha um pouco velha/ Ela (a bailarina) não tem“. Todos sabemos que as pessoas parecem muito mais felizes nas redes sociais do que na realidade, e ao mesmo tempo estamos sempre caindo no truque, sempre achando que todos levam vidas emocionantes menos nós. Talvez eu até tivesse continuado com ciúmes do homem que ainda não conheço, mas me chamou atenção ter sido um homem quem postou aquilo. “Não é verdade que o amor da sua vida está se divertindo com alguém. Ela está levando um monte de match no Tinder, tentando filtrar quem vale a pena por detrás de um monte de pedidos de nudes e se sentindo mal porque ela nunca parece ser boa o suficiente para que algum homem queira mais do que um pouco de sexo”. Do lado de cá, os homens nunca parecem estar sozinhos ou desejando um amor. Do lado de cá, toda essa liberdade sexual associada a nenhuma necessidade de intimidade parece ter realizado os homens de tal forma que eles não querem mais nada. Não conheço a obra de Bauman a fundo para saber em detalhes o que ele disse, mas acho importante salientar que a liquidez das relações da qual ele tanto fala têm diferenças de gênero – ao masculino o aspecto da variedade (com sua consequente dificuldade de escolha) me parece muito mais acentuado do que ao feminino.

Li uns artigos que falavam da proliferação de grupos de homens com ódio de mulheres; de acordo com eles, só os machos de queixo quadrado, boa genética e muito dinheiro obtém atenção feminina. Coincidentemente, a atenção que os dois grupos de homens – os alfa e os celibatários involuntários – gostariam de ter também é das mulheres favorecidas pela genética (ou pelas plásticas). Se é assim, a maioria das mulheres reclamam e os homens não-alfa também reclamam. Então os que estão se relacionando por aí são uma minoria bonita, enquanto os mortais comuns assistem de longe e invejam? Por que tanta frustração de dois lados que dizem buscar um ao outro?

Eu acho que a maior dor que pode existir para um ser humano, daquelas que fazemos todo tipo de coisas insensatas para não encarar, é aceitar que alguém que esteve com você, olhou nos seus olhos, soube da sua vida, quem sabe até tenha compartilhado da sua intimidade, e não liga a mínima. Não é certo, não é o que entendemos como ser “humano”. Quando começamos a frequentar demais os mesmo lugares, e somos atendidos pelas mesmas pessoas, o normal é começarmos a saber seus nomes e nos importar, mesmo que de maneira leve. Aquela pessoa não é mais uma estatística, não é mais uma Maria, é alguém cujo modo de andar, a fisionomia, o tom de voz e os trejeitos nos são familiares. Dentro de nós, somos os protagonistas sempre, então é inaceitável quando alguém nos reduz a um nada. Que nos ame, que nos odeie, mas que não diga que nem sequer existimos.

Nós sabemos que as estatísticas nos explicam. Se o Facebook assumiu que sabe com facilidade se vamos começar a namorar, imagine o resto. Eu acho que existe uma antipatia natural pela Sociologia ao se saber que ela se propõe a nos explicar pelo coletivo – e devo dizer que, mesmo para quem é apaixonado por ela, às vezes a gente se sente meio idiota de ver que escolhas que nos pareceram tão íntimas quando tomadas são apenas reflexo do grupo e época em que vivemos. Mas o sonho de todos nós é que, ao invés de perceber o grupo, que percebam o que há de único, porque todos somos também uma combinação tão diversa de fatores, cicatrizes, gostos, geografias e oportunidades. Só a velocidade e variedade que a tecnologia nos proporciona torna os encontros tantos e tão rápidos, que as pessoas se tornam um apanhado de imagens impossíveis de conhecer, então desumanizados e somos desumanizados o tempo todo. Gosto muito de uma citação de Amós Oz que diz, em O Judeu e as Palavras, que cada pessoa é uma forma da Deus vivenciar algo que Ele nunca vivenciou antes. Alguns dizem que toda carência humana por amor é uma saudades de um Amor Ilimitado que nos vê como únicos. O ilimitado sempre foi impossível, agora a luta é pelo menos obter o único.

Encontro noturno

-Boa noite, neném!

Eu poderia fazer tudo em silêncio, mas li uma vez um artigo que dizia que a voz do dono é muito importante para o cachorro. A Dúnia “acompanha” minha andança pela casa, recolhendo o lixo, a luz acessa da cozinha, então quando abro a porta ela já está à minha espera. De cachorro que se impacientava com qualquer tipo de dengo, agora ela fica entre os meus joelhos e rabo abanando enquanto falo com ela. Quanto tempo? Vai do quanto ela me aguenta. Neném, pretinha, bubu – quanto mais velha ela fica, mais bobos ficam os apelidos. Quando a Dúnia começa a se impacientar eu levo o lixo, tranco tudo e reabasteço os potinhos, enquanto ela me acompanha de longe e invariavelmente uiva de impaciência e bate as patinhas no chão. Eu uivo de volta. Sempre foi muito mais noturna do que diurna, e é neste nosso encontro que ela quer brincar. Ela se coloca no meio dos bambus e me aguarda, sabendo que lá ela fica protegida enquanto passo a mão pelo seu fuço e ameaço pegar suas patas. Quando eu a cerco e a derrubo, ganho a possibilidade de alisar os pelos da barriga. Mas às vezes ela apenas corre pra dentro da casinha e fica lá até eu ir embora. Para encerrar a visita noturna, ela ganha metade do remédio enfiado numa salsicha com muitas horas de antecedência, para deixar molinho e mais gostoso.

Sou ruim em datas, mas a Dúnia ja está com uns 16 anos. Cada noite assim é um presente.

dunia 11 Nov 2019

Shiva e Parvati – outra versão 2

(Ah, só vai ter graça se você leu a primeira parte)

Eu acho que gosto mais da primeira versão porque Parvati precisa apenas que Shiva a reconheça – e, quando acontece, ele é um perfeito cavalheiro. Nesta, o que faltou não foi reconhecimento e sim vontade de reatar os laços. Pelo que andei lendo, Shiva estaria relutante porque sofreu demais quando Parvati/Sati, se suicidou e o deixou sozinho. A respeito disso, só posso dizer: quem nunca? Se até Shiva, que é Shiva, fica traumatizado depois de uma grande perda… Mas seguimos e lá vem o fim da história.

Quando Shiva abriu os olhos e terminou sua meditação, ele estava cercado de deuses, inclusive por Brahma e Vishnu. Eles lhe pediram para que aceitasse Parvati de volta, porque a meditação dela estava ameaçando destruir o universo inteiro, e ela não iria parar enquanto Shiva não a aceitasse de volta.

Shiva decidiu testar Parvati e apareceu diante dela disfarçado de um velho brâmane.

-O que seu coração deseja minha querida jovem yoguina, ao ponto de recorrer a mais severa meditação?

-Meu coração pertence à Shiva, minha respiração anseia por reencontrá-lo.

-Shiva? Aquele homem mal-humorado, feio e sem lar? Ele não tem nada para oferecer a uma garota como você. Ele vive nas florestas e nos cemitérios. Seus atendentes – Shivaganas – são criaturas horrorosas. Você, certamente, teria uma vida de sofrimento com ele. Mude de ideia. Ainda há tempo de você se salvar.

-É um pecado terrível disser tais coisas! E um grande pecado, até mesmo, ouvi-las!

Ela percebeu que poderia estar sendo desrespeitosa com o brâmane e lhe deu as costas, então ele segurou o seu braço e lhe pediu em casamento. Quando ela virou, ele já havia abandonado o disfarce e era novamente o seu amado Shiva. Mas os disfarces não acabaram por aí: quando foi pedir a mão de Parvati em casamento, Shiva apareceu diante dos pais dela como um dançarino. Himalaya disse que a filha estava realizando austeridades para se casar com Shiva, que não iria aceitar um dançarino de rua. O dançarino insistiu e Himalaya mandou seus guardas prendê-lo. Mas o dançarino brilhava como mil sóis, rodopiava, se tornava mais pesado do que as montanhas e ninguém conseguia capturá-lo.

Então, Himalaya, Mena, Parvati e todos os presentes entraram num estado de encantamento. Eles avistaram o Senhor Vishnu com sua concha, seu disco – chakra –, sua clava e a flor de lótus. Eles avistaram as quatro faces do sábio Senhor Brahma e também Shiva com seus três olhos, seu tridente e sua lua crescente. Então, eles presenciaram o universo inteiro brilhar ao redor do misterioso dançarino. Shiva – o Senhor de todos os deuses –, estava ali, no pátio, dançando feliz, enquanto pedia a Mena e ao Himalaya a mão de sua filha Parvati.”

 

shiva dancing

Retirado daqui e daqui.

Shiva e Parvati – outra versão 1

parvati offering water

A Igreja Católica teve, durante séculos, o monopólio sobre a narrativa cristã. Mesmo hoje, os movimentos cristãos usam a Bíblia que foi padronizada pela igreja católica. Durante muitos séculos existiram vários evangélicos, até que o Concílio de Niceia, em 365, começa a decidir quais deles seriam oficialmente reconhecidos. Houve muita disputa para decidir o que ficava dentro ou fora, e quem se interessar pelo assunto pode ler vários Evangélicos Apócrifos que têm por aí. Tem Jesus sapeca e usando seus poderes na infância, evangélico de Maria Madalena…

Com o hinduísmo isso não aconteceu e o fato de ser muito mais antigo faz com que haja várias versões para a mesma história, sem que nenhuma seja mais certa do que a outra. Eu coloquei a história de Shiva e Parvati da fonte que eu considerei mais pura (um perfil de um devoto, inteiramente dedicado a Shiva), digamos assim, mas durante a minha pesquisa achei esta outra versão. Ela é interessante também, por isso decidi contar:

Himalaya e Mena eram grandes devotos de Shiva e quando tiveram sua filha, pediram para que um sábio, Narada, lesse seu mapa. Ele predisse que ela se casaria com Shiva. Mas, como aquilo era possível se Shiva havia se tornado renunciado e não queria mais se casar?, quis saber Himalaya. Mas Narada garantiu que assim seria, que a filha dele era ninguém menos do que a deusa Adishakti, a eterna esposa de Shiva. Mais tarde, quando chegou a idade de Parvati se casar, os pais revelaram a ela as palavras do sábio.

Pai e filha foram até Shiva, que iria iniciar um novo ciclo de meditação e pediram para que Parvati pudesse servi-lo como criada. Shiva respondeu irritado que era um Yogui e não havia porquê que ele tentasse empurrar sua filha para ele, mas permitiu que Parvati o servisse. Himalaya ficou assustado, mas Parvati reconheceu seu esposo e continuou firme.

Ele prosseguiu com as suas meditações, sempre indiferente, e a dedicação de Parvati tocou o coração de todos os deuses. Kama, o deus do amor, tentou acertar Shiva com uma de suas flechas e Shiva o derreteu com seu terceiro olho. Parvati ficou inconsolável e perguntou a Narada o que fazer para conquistar o coração de Shiva. Ele recomendou que ela meditasse em seu nome, que entoasse o mantra Om Namah Shivaya com persistência. Ela era a consorte divina, não havia como não dar certo.

Parvati se despiu de todas as suas jóias, adotou um traje simples de algodão e foi meditar no mesmo local onde viu Shiva pela última vez. Ela acatou a vida de privações de um asceta; no primeiro ano comeu apenas frutas e no ano seguinte apenas folhas. No terceiro ano, água e ar, no quarto ano apenas ar. Ela permanecia sentada entoando Om Namah Shivaya, mesmo debaixo do sol abrasivo do verão, mesmo quando a neve cobria seu corpo. Seu estado de profunda meditação começou a acalmar os animais ao redor, e até mesmo os tigres perderam a ferocidade. Os animais vinham e se aninhavam silenciosamente aos seus pés. As flores surgiram em abundância, as árvores se encheram de frutos e a floresta se tornou um oasis. Ainda assim, Shiva não veio.

Os pais de Parvati pediram para que ela parasse, que tudo era inútil, e voltaram para casa desconsolados porque ela não desistia. Parvati voltou a se concentrar e cada célula do seu corpo começou a vibrar tão intensamente que o corpo dela começou a brilhar como uma lâmpada, depois a irradiar calor, até começar a ressecar tudo o que havia a sua volta. O calor chegou até a morada dos deuses, que também não suportariam aquele calor durante muito tempo.

(E agora, terra e céus queimarão porque Shiva se recusa a aceitar Parvati de volta? Descubram no próximo post.)

Shiva e Parvati

(Esta história fica ainda mais interessante se você ler a primeira parte)

As consortes dos deuses não são apenas esposas dos deuses, elas são polaridades; é a forma feminina do deus, a outra forma de si mesmo. Do mesmo modo que a encarnação de Shiva é muito especial, a da sua esposa também é. Outra particularidade é que os mesmos deuses aparecem com diferentes nomes; é que para nós são apenas nomes, mas na verdade são combinações de palavras que falam de atributos e remetem a histórias diferentes. Rudra/Shiva, se casou duas vezes, na primeira vez com Sati e depois com Parvati. Mas, na verdade, ele sempre se casou com a mesma Rudrani, sua consorte divina.

Rudra ficou inconformado com a morte de Sati. Se a vida mundana já não lhe interessava antes, passou a interessar menos ainda. Ele se retirou para as montanhas dos Himalaias em meditação e austeridade. Enquanto isso, Sati renasce, agora como Parvati, filha de Himavat, rei das montanhas, e sua esposa Menavati.

Parvati encontra Shiva, que continua em austeridade, e decide se casar com ele. Os pais sabem quem ele é e da grandeza e dificuldade daquele projeto. Parvati passa a subir a montanha diariamente e servi-lo, na esperança que ele a percebesse. Como parte da sua jornada para casar com o senhor Shiva, ela se despe de todos os luxos, passa a praticar yoga, deixa de comer, resiste a condições climáticas severas em meditação, entoa mantras. Nada parecia tocar o coração de Shiva, nem a interferência dos deus, e os pais de Parvati imploraram para ela desistir. Mas ela continuou e um dia Lord Shiva desperta da meditação e percebe a verdadeira essência de Parvati. Ele pede desculpas por fazê-la esperar tanto e vivem felizes para sempre. Como deuses, eles realmente conseguem ser felizes e para sempre.

(Está aqui, em vários posts diferentes)

mutual love

Feliz 2020, amigos! Que possamos ter os nossos esforços coroados com muita felicidade!

Rudra e Sati

sati-immolates-herself

Brahma criou o universo e a participação dele nas histórias termina aí, só os outros dois deuses da trindade aparecem interferindo na nossa história. Quando o Dharma (A Lei) precisa ser reestabelecido, Vishnu reencarna. Ele é a força de manutenção, então os avatares dele são régios, calmos, doces, como Lord Rama; Shiva, que simboliza a força destrutiva, aparece em avatares mais guerreiros, fortes, radicais, como Hanuman, o deus-macaco que auxilia Lord Rama a derrotar Ravana.

Um dessas encarnações de Shiva é o não tão aprazível Rudra. Não é um deus fofo, o nakshatra dele é associado ao trovão e ele representa o aspecto furioso de Shiva, a ira que destrói as injustiças. É um tremendo guerreiro e um sábio renunciado. A própria palavra renunciado já dá a pista: ele passa muito tempo em meditação, vive coberto de cinzas, vive semi-nu, dorme na floresta.

(O que eu adoro nesta história de Rudra e Sati é o quanto o que realmente tem valor só é visível para os que têm olhos para ver. Ele era o Deus Shiva e…)

Sati era uma das filhas do riquíssimo rei Daksha, um brâmane muito poderoso e conceituado, versado nos complicados rituais védicos. As histórias hindus das princesas que querem casar estão cheias de festivais, de provas que elas inventam como erguer arcos com encantamentos ou coisas do tipo, proezas que têm o objetivo de fazer com que os homens possam se exibir e que elas possam se encantar com o noivo. Pois o olhar de Sati recaiu sobre alguém que nem ao menos queria se casar: Rudra. Ela realizou todo tipo de austeridade para se mostrar digna dele, e foi viver também na floresta e com a roupa do corpo. Daksha não aprovou a escolha e nunca entendeu como a filha pode rejeitar um reino para ficar com um mendigo; se ele já não achava Rudra sua pessoa favorita, com o passar do tempo passou a odiar o genro.

Daksha realizou um festival e Sati quis ir porque sentia falta da sua mãe e suas irmãs. Rudra disse que não era uma boa ideia, mas ela quis ir de qualquer forma. Todos haviam sido convidados e eles não, depois chegando lá o rei recebeu a filha com frieza, ela viu que não havia oferendas a Shiva… foram várias desfeitas até ela não aguentar mais e começou a discutir com seu pai. Como um pai e bramana podia ser tão cego, não via o quanto ela estava feliz e as imensas qualidades de Rudra; como uma filha podia se achar grande coisa e desrespeitar e envergonhar o próprio pai na frente de todos – e daí pra baixo. Sati – que havia se tornando um poderosa yogui – lamentou que nenhuma austeridade que ela praticasse mudaria o fato de que ela e Daksha eram pai e filha, que ela tinha o sangue dele, sangue que ela gostaria de arrancar de si, indigno, que num próximo nascimento ela pudesse nascer filha de alguém melhor. Ela então começou a se rasgar, enfurecer… a rainha e o as irmãs, assustadas, queriam que Daksha a parasse, e ele nada fez. Na sua fúria, Sati entrou em auto-combustão e queimou até virar cinzas.

Mas e Rudra? Conto no ano que vem…

(Eu tirei a história daqui, se quiser conferir. Mas já vou adiantando que ele vai apenas até onde eu já contei…)

O pior melhor de todos aspectos para o amor

meninas montam carneiros

Animada com os lindos Lua e Júpiter visíveis no céu, fiz um vídeo curtinho, desses que somem da rede em poucas horas, e um amigo disse que queria ter tido tempo de me fazer falar sobre Vênus em Áries. Fiquei sem graça, ele mesmo falou: “é ruim, né?”. Eu, como todo mundo, também gosto de respostas simples e que, de preferência, essas respostas me digam que tudo será ótimo de agora em diante. Mas agora que eu me vejo no papel de fornecer as respostas, fico com receio desse sim ou não, especialmente do não, porque ele pode levar facilmente a uma vitimização (“eu sabia, culpa de Vênus que estava no lugar errado!”) e a vida (e os astros) não é assim. Eu já vi gente muito melhor do que eu, com mais dinheiro, amor, amigos, apoio, emprego e até mapa astral, e que reclama como se fosse o mais azarado da Terra. Tudo é relativo, de verdade.

Pra começar, o bom ou ruim. Vivemos num momento que o outro lado é sempre acusado de ter ideologia, como se existisse um estado puro fora da ideologia e que toda ideologia fosse algo ruim. Ideologia é background e tudo bem background. Até mesmo a sua língua nativa é background. Em algumas línguas existem as palavras bom e ruim, em outras existe bom e não-bom; para alguns idiomas, dependendo do sexo e idade dos falantes, há toda uma hierarquia nos pronomes de tratamento. Essas coisas definem o modo das pessoas pensarem de maneira tão profunda que elas nem percebem. Astrologia também não deixa de ser uma ideologia. Pensando nessa questão de Vênus em Áries ser ruim para o amor, pensei no que era bom para o amor e cheguei em Vênus em Touro e Saturno na casa 7, a do casamento. Há uma visão de amor por detrás disso. Touro é o signo mais lento de todos, assim como Saturno é o planeta mais lento da astrologia tradicional (que desconsidera Urano, Netuno e Plutão). A noção por detrás é clara: amor precisa de tempo. Áries vê, conclui rapidamente, age sem pensar, conquista, enjoa. Com Touro e Saturno, as coisas são mastigadas, elas demoram a serem postas em movimento. Em contraste com o fulgor apaixonado de Áries, são até tediosas, previsíveis. Mas, uma vez que comecem, avançam de maneira inexorável. Dizem que o casamento de Saturno na 7 é aquele que começa praticamente sem paixão e termina com velhinhos fofos de mãos dadas.

Frequentadores de Tinder me garantem que se não rola nada depois do primeiro encontro, nem ao menos um beijo, é provável que a pessoa já tenha te bloqueado no whatsapp antes de você chegar em casa. Bauman chama de relações líquidas, diz que geram insatisfação e são impossíveis de serem preenchidas. Bom ou não, este é o estado atual das coisas, muito mais Vênus em Áries do que em Touro, menos ainda Saturno. Ou seja, o que os astros dizem, o que os outros dizem, o que a sua época diz… no fim, tudo volta para a mesma questão de sempre: o que você é capaz de fazer com o que tem.

Comfort food

pãozinho

Eu mesma só fui conhecer o termo há poucos anos, nem sei se ele existia antes. Foi uma blogueira que se viu tendo que comprar um Quick bem caro em outro país, porque para  a filha era importante naquele momento. Depois de semanas de telefonemas, ameaças e ajustes com operadoras de internet, parece que finalmente resolvi os últimos detalhes, e me vi comendo a mesma pizza que como desde criança. É uma pizza tão poderosa que serve de comfort food pra toda família. Minha mãe a comia quando era criança, meu irmão mais velho passa lá quase todos os dias quando vem pra Curitiba e considera aquela a melhor pizza do mundo. Eu ia resolver outros problemas e quando me vi estava lá, apertadinha na cadeira alta. Foi meu presente.

Saiu a nova temporada de Queer Eye e termino os programas com lágrimas no olhos e me sentindo confortada. Acho lindas as pessoas que eles selecionam e lindo o carinho deles. Também ouvi de uma tentativa fracassada de terapia, e me pareceu que faltou bastante aceitação por parte da terapeuta. Eles, os 5 fabulosos, realmente me convencem nas suas conversas terapêuticas, em poucas frases eles são de uma sensibilidade incrível. Eu acho que o falar a coisa certa passa muito por uma aceitação profunda do outro, pela experiência de vida, uma capacidade de amar.

Quando uma pessoa se vê muito sozinha, como eu me vi, ela se obriga a encontrar comfort em vários lugares. Descobri comfort em aplicativo de karaokê. Descobri comfort em música no chuveiro. Descobri comfort em vídeo de astrologia enquanto preparo café da manhã. Não quero sugerir comfort pra ninguém, o que eu quero dizer é que comfort não é só genético, não precisa vir da infância e do que nos aconteceu. Dá pra criar comfort. Procure comfort, seja comfort.

Amor demais

Comecei um festival Beatles na Netflix. Acho que só me falta ver um dos cinco que tem lá. Além deles, recomendo o do Canal NostalgiaA ironia é que eu nem me considero uma fã dos Beatles. Quem realmente era fã era o meu irmão, e se conheço todas as músicas deles e uma boa parte das de carreira solo do John, se deve ao fato de morar na mesma casa e não ter como fugir.

Tem trocentos estudos e teorias sobre o que torna os Beatles tão inesquecíveis. Uma das coisas que me toca, é a maneira como todos parecem ser pessoas bacanas. Quando jovens, eles são alegres e espirituosos; mais velhos, eles tentam tornar o mundo um lugar melhor. Dá impressão de que seriam ótimas pessoas para se ter como amigos. E que, se eles surgissem hoje, também fariam sucesso.

MAS, também acho muito triste a maneira como é o próprio sucesso que enche o saco e os destrói. O último que eu terminei foi sobre John e Yoko. Num certo ponto um dos entrevistados diz que era muito difícil ser (ex)Beatle, que todas as pessoas que olhavam para eles – dos fãs isolados e histéricos a quem fazia sua segurança, atendia seu quarto – queriam alguma coisa, estavam famintos. Lembrei da Amy Winehouse, que também foi devorada pelo sucesso. Ela decepcionou os fãs num show que se sentou no palco e se recusou a cantar. Os fãs ficaram magoados, mas aquela foi a única maneira que Amy conseguiu de parar aquela máquina que girava em torno dela. No do John, fala que ele estava tão péssimo sozinho, que a Yoko o fez tão feliz, que ele mudou tanto. E fã, por “amor”, se sentiu magoado porque ela não era o que se esperava para ele, era estranha, era feia, teria separado o grupo. John era só um homem, só uma pessoa tentando tocar a vida e ser feliz, é um absurdo que as pessoas tenham se sentido no direito de julgar isso.

Não tenho nenhuma conclusão sobre isso. Artista quer atenção, quer que seu trabalho toque as pessoas e faça parte do seu mundo. Eu também olharia para qualquer um deles com um olhar faminto. Harrison (se não me engano) falou num trecho: “Eu sempre tive pena do Elvis. Ele era um só. Havia muita gente trabalhando para ele, mas só um era o Elvis. Nós tínhamos uns aos outros”. Devia haver uma maneira de amar profundamente e não sufocar os nossos ídolos.

 

Velhos, feios e amados

cachorro velho

Eu nunca tinha acompanhado o envelhecimento de um cachorro como agora. Nós tivemos o Flock, que morava com meu pai, e ele havia se acostumado a passar mais tempo fora do que dentro de casa. Eu lembro quando meu irmão me disse, por telefone, que o Flock havia morrido. Lembro de ter sentido muito, mas pra mim foram umas férias que ele estava lá e outra que ele nunca mais esteve. Sempre me deu um certo calafrio as fotos dos cachorros com os olhos azulados. Os donos falando no diminutivo e com carinho de cachorros já tão feios, acabados. Agora que tenho uma velhinha em casa, não sei dizer se ela já chegou no estágio de alguém olhar uma foto e se sentir mal, acho que ainda não. As fotos são porque nós, donos de cachorros, só vemos ali o nosso filho peludo muito amado. Quando um cachorro deixa de ser louco, se divertir com tudo o que aparece pela frente e disparar frente a qualquer provocação, passamos a amá-lo ainda mais do que antes, porque tomamos consciência de que cada dia a mais com ele um presente. Vemos ali uma história.

Eu me pergunto que hiato tão grande de amor é esse que nos faz amar cada vez mais um cachorro velhinho e fugir de pessoas velhas. De fotografar a decadência do cão com a maior naturalidade e lutar contras as marcas do envelhecimento humano com todas as forças. De trocar quem tem uma longa história por um “modelo” mais novo, que não terá nem tempo de formar tanta história com você. Enfim, como o coração pode ser tão enorme para com uma espécie diferente e cheio de barreiras, até mesmo de ódio, com aquele que nos é igual.

Uma história de amor quente e ligeira

surya

Foi assim que conheceu o eremita Durvasas, vestido de trapos e cinzas, e de tal modo lhe agradou com sua bondade que ele lhe ensinou um encantamento mágico. Com esse mantra, explicou, poderia invocar qualquer um dos deuses do céu para amá-la e nela conceber um filho.

Seria verdade?, refletiu Kunti. Estava ao sol, passando e repassando as palavras mágicas em sua cabeça e mirando sua sombra no chão. Dizia a si mesma: “Durvasas brincou comigo!”, e franzia a testa. Mas logo pensava: “Ou talvez não…”

Sentia o sol quente em suas costas. O Surya dos mil raios brilhava sobre ela. E Kunti ficou a imaginar: “O mundo inteiro o vê durante o dia. Mas à noite ele seria somente meu”. Seria ele tão belo quanto a estátua no Templo do Sol?

Naquela noite, Kunti permaneceu acordada em seu leito até meia-noite. Lá fora, a Terra jazia em silêncio; o palácio estava às escuras. Ela levantou-se, foi à janela e, suavemente, recitou o mantra de Durvasas.

E houve luz, o cheiro de metal quente, e uma brisa, quente e seca como o deserto, cantando em seus ouvidos. Brilhava de tal modo que Kunti cerrou os olhos, mas a brisa fez surgir cores por trás das pálpebras. Ela estremeceu e tombou, quedando no tapete como uma vinha partida no chão da floresta.

Surya, o Senhor da Luz, carregou-a de volta ao leito e permaneceu sorrindo sobre ela., iluminando o quarto com sua presença, de modo a não haver sombra em lugar algum. Cingia-o uma coroa alta de ouro, cujas formas se alteravam e se transformavam conforme respirava. Uma faixa de jóias e brilhantes caía do seu ombro esquerdo sobre o peito nu; do cinturão, do colar e braceletes de bronze, e dos longos brincos de ouro, pendiam laços e ramalhetes de gemas luminescentes: todas essas luzes tingiam o quarto com milhares de arcos coloridos. Ao tirar a coroa, seus cabelos dourados encaracolaram-se em torno de seu rosto como um elmo de bronze fosco.

-Princesa, desperte!

Kunti abriu os olhos.

– Você me chamou – disse Surya – , e eu vim.

Kunti recuperou a voz.

-Senhor do Dia, perdoe-me, mas só o chamei para testar meu novo mantra.

-Sei por que me chamou, e sou agora somente seu. Quer que eu parta?

-Não tenho marido, Senhor Surya.

-Logo irá casar-se. Os filhos dos deuses nascem em um dia. Permite que eu fique?

-A luz… meu pai poderá ver.

-Ninguém mais pode ver esta luz, princesa. Crianças podem comandar os deuses; partirei, se quiser, e você me verá novamente apenas no longínquo céu azul.

-Tão depressa! – suspirou Kunti. – Fique um pouco; veio, afinal, de muito longe para ver-me aqui.

Mahabharata (versão de Willian Buck)

Vegetação

musgos-mexico

Eu sonhei que olhava para os fundos da minha casa e os vi cobertos de hera e musgo. E fiquei impressionada, como quem estava dormindo e finalmente abre os olhos, com a passagem do tempo. A árvore que avançava sobre o céu, a forragem verde que demora pra se acumular no caule, a força de plantas que cresceram selvagens por chuvas sem que ninguém as visitasse. Quanto tempo já se passou, eu repetia. E eu o abracei e disse que o amava, amor da qual eu nunca duvidei mas que a dor de outros tempos não me permitia mais pronunciar. E senti em volta de mim um abraço de amor que nunca mais tive. O tempo passou, já passou, muito depressa. Parecia distante e lutei um dia de cada vez; ao ver aquela vegetação tão forte, percebi que eu havia conseguido. Eu não sabia quanto tempo era necessário; nenhuma bruxa me avisou ou se colocou no meu caminho, nenhuma bruxa teve culpa. Quem não tem um guia externo tem que ser seu próprio leitor de sinais: a vida e a fertilidade cresceram sobre os meus erros. Tudo é novo.

Carta de amor

grão comercial

Ainda escreverei sobre Mo Yan no outro blog. Por enquanto, neste mundo cheio de desamor, deixo uma carta de um camponês apaixonado em plena Revolução Cultural chinesa. Uma explicação prévia: como era uma região agrícola, todo mundo produzia o que comia, ou trocava com os vizinhos. As pessoas das poucas profissões que não eram ligadas a terra, compravam sua comida com cupons. Não ser responsável pela sua própria comida era visto como sinal de status. Isto que é “comer grão comercial”.

Minha amada, sou filho de camponês, nascido em berço humilde, tu, por outro lado, és uma ginecologista que consome grão comercial, a diferença social entre nós é enorme, talvez me desprezes e, ao terminar de ler minha carta, deixarás escapar um riso de desdém da tua delicada boquinha antes de rasgar esta carta em pedaços; ou ainda, quem sabe, nem te dês ao trabalho de ler minha carta: vais mandá-la para o lixo tão logo a recebas. Mesmo assim, quero te dizer, minha amada, minha adorada, que se aceitares o meu amor, serei como um tigre alado, um corcel ajaezado, encontrarei uma força inesgotável, estarei revigorado, lépido como se tivesse tomado uma injeção de sangue de galo novo, não te há de faltar pão, nem leite, acredito que, com teu incentivo, poderei mudar de posição social e me tornar alguém que consome grão comercial, para poder ficar do teu lado…

Se não me responderes, minha adorada, não vou recuar, não vou desistir, vou seguir-te em silêncio. Aonde fores, irei também, vou me ajoelhar no chão para beijar tuas pegadas, e ficarei em pé diante da tua janela fitando a luz de dentro do quarto, do momento em que ela se acende até o momento em que se apaga, quero ser uma vela e queimar por ti, queimar até o fim. Minha adorada, se eu morrer por ti cuspindo sangue e me concederes a graça de lançar um olhar à minha sepultura, já estarei realizado. Se derramares por mim uma lágrima que seja, já não terei morrido em vão, tua lágrima, minha adorada, há de ser o elixir milagroso que me devolverá à vida.

Mo Yan/ As rãs, 5. posição 1800 de 6018

Durona

dudu durona

Eu não sei que horas a Dúnia dorme, ela está sempre acordada quando eu vou dormir, por mais tarde que eu vá pra cama. Agora, mais velhinha, o horário dela de acordar é pra lá do meio dia. Quando saio de bicicleta, às 7h, está bem mais cedo do que o horário dela. Eu acordo, vou até a cozinha pra um café rápido, volto pra terminar de me arrumar e saio. Principalmente no inverno, quando eu abro a porta, a Dúnia me olha com cara de sono dentro da casinha, aproveito pra fazer o carinho que ela normalmente não deixa e lhe dou um ossinho. O que ela não sabe é que, às vezes, enquanto estou tomando meu café, eu a vejo da janela da cozinha, sentada com o ouvido colado à porta da frente. Em algum momento, entre o café e terminar de me arrumar, ela volta pra cama e fecha os olhos pra me convencer que esteve lá todo o tempo.

Um amor maduro

frango-assado

Passávamos de carro pela Avenida Batel, um dos endereços mais caros de Curitiba. Aquela região, em especial, era cheia das antigas mansões dos barões de café, hoje todas transformadas em estabelecimentos comerciais. Ela me apontou uma casa de esquina, que naquele momento era uma das clínicas do meu plano de saúde. “Minha mãe vivia aqui, com seu segundo marido”. Minha amiga estava, conforme sua própria definição, na idade do sexo – sex agenária. Estava grande, vestia sempre roupas largas e desleixadas, enquanto a mãe se mantinha magra, era vaidosa, num daqueles casos clássicos que a mão parece ter menos idade do que a filha. O primeiro casamento, com o pai da minha amiga, havia sido um desses longos, de bodas que cobriam todas as pedras preciosas, e a mãe ainda passou muitos anos sozinha, de maneira que nesse segundo casamento a mãe dela já estava na terceira idade e o marido tinha pra lá de oitenta. Ela me mostrou de carro: todo final de tarde, a mãe e o marido trancavam a casa, passavam o cadeado pelo portão, e andavam de mãos dadas por toda avenida, tranquilamente, até chegarem no supermercado (que também não existia mais). Lá compravam um frango congelado, porque uma das especialidades da mãe dela era frango recheado.

-Que bonito, murmurei.

-Você achou bonito? Bonito nada, era uma porcaria! Você não imagina a quantidade de frango que os dois compraram em quatro anos de casamento, parecia um holocausto de frango. Eu pedia pros dois pararem de comprar frango, eram freezers e freezers, impossível comer tudo aquilo. Até hoje eu não suporto ver frango na minha frente!

Lanchinho

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Uma vez eu conheci um ex-blogueiro, que me disse que comeu muita mulher por causa do blog – o que logo de início de conversa me deixou bem complexada, porque nunca tive um encontro amoroso por causa do blog. Ele já não escrevia há anos e, com alguma resistência, me mandou o link. Foi interessante, porque também me vi com vontade de procurá-lo, marcar um encontro, ver no que ia dar. Só que o que ia dar, no caso dele, era sempre transformar a moça em lanchinho. Ninguém, nunca, há anos, era mais do que lanchinho. Pude ver o contraste e imaginei a frustração de algumas daquelas mulheres. O blog mostrava um homem muito amoroso. Havia textos emocionantes sobre os pais, proximidade e orgulho dos filhos, como foi levar a primeira filha para o altar. O que a gente queria, quando lia os textos, não era exatamente dar pra ele – o bom seria fazer parte daquela vida, daquela família, de todo aquele amor. Que ele também lesse nos meus gestos coisas que ninguém nota, que sentisse saudades. Mas só com o convívio a gente descobria que o amor descrito no blog era apenas e tão somente para aqueles familiares, ele não deixava entrar mais ninguém. Mulher, só lanchinho. Convicto, feliz, sexo sem vínculo. Por isso que a gente diz, e repete, e tenta de novo, precisa ser relembrado: escrita é sempre mentirosa, mesmo quando a pessoa fala a verdade.