Nos dois bairros que eu já morei por aqui, peguei a ascensão dos dois. Isso quer dizer que no começo eu andava por espaços vazios, matos e casas pequenas, que mais tarde se transformaram nas chatas, perigosas e barulhentas obras, com o incômodo de passar por pedreiros todos os dias. Depois vêm os prédios, de início vazios, depois muita gente e com elas muitos carros.
Quando eu me mudei pra cá, o único comércio por perto era um armazém da Dona Laíde. Eu ia lá só pra comprar um ovo, de vez em quando. Quando queria fazer bolinho de espinafre ou tentar uma receita, ia lá e comprava o ovo que eu queria. Ela fechou há pouco tempo e eu lamentei muito, tive que parar de fazer bolinho. Um pouco mais adiante tinha um bar, daqueles bares sujos de uma portinha. Tinha sempre uns bêbados por lá. Numa madrugada ouvimos um barulho estranho e no dia seguinte soube que um cara foi baleado na saída do bar. Na mesma rua, só que mais pra baixo, um dia vi uma espécie de passeata, de torcida organizada, com faixa e grito de guerra. se identificando como gangue da região da cidade. Fiquei com medo. Isso sem falar nos assaltos.
Por causa disso, viver aqui mudou meu hábito de sempre de pegar ônibus. A região que a minha mãe mora, que é no caminho pra cá, sempre foi muito segura. São muitos prédios com um comércio forte embaixo, então a qualquer hora do dia ou da noite eu podia sair pra comprar pão ou chegar em casa. Aqui eu passei a ser dependente de carona. Carona é muito chato, porque exige uma pontualidade que estraga a espontaneidade das coisas. As conversas de pós aula, os imprevistos e a vontade de ficar mais um pouco são sempre tolhidas porque você sabe que tem alguém esperando. Desde muito cedo eu aprendi a fazer o meu horário. Acho que eu tinha uns dez anos quando comecei a ir sozinha com o meu irmão para o colégio. Aí, depois de adulta, passei a ser aquela cujo marido está esperando no carro.
Antes eu só ia, agora passei a voltar de ônibus. Primeiro, por pura experiência. Eu precisava ver como me sentia, se era seguro. Tudo indicava que sim, muitos anos se passaram e há uma panificadora grande e bonita no caminho. Mas eu precisava ver como era, como eu me sentia. Se fosse inseguro demais, que eu pudesse perceber antes da situação ficar definitiva e, se for o caso, rever meus horários. O primeiro indício de que daria certo foi quando um dos vizinhos colocou um carrinho de caldo de cana na frente da própria casa. O bairro tem contrastes interessantes. Era popular até poucos anos e de repente ficou valorizado. Surgiram condomínios fechados e já não somos mais “fora da cidade”. Na volta, dez horas da noite, descobri luzes no prédio que eu jurava estar vazio. Pessoas anda, na rua, a casa que vende água fica aberta, um salão de beleza fica aberto, uma casa fica tão acesa e aberta que dá vontade de entrar. Pra completar, há dois rapazes vendem churrasquinho de gato madrugada adentro. Apesar de tão tarde e tão mais cansativo, passo por todos eles feliz, são todos meus amigos. É como se eu e meu bairro estivéssemos vivendo o mesmo momento, tentando nos reinventar.