Já deu pra perceber que eu aprendo muito com a
Dúnia, minha cadela. Desde que comecei a dançar, passei a respeitar muito a sabedoria do corpo; o nosso corpo sabe e nos avisa muita coisa antes das nossas mentes. Somos capazes de mentir e nos convencer, em nossos egos, mas nosso corpo não se deixará iludir. Por isso que eu olho a Dúnia: como cachorro, ela está muito mais perto da sabedoria do seu próprio corpo do que eu do meu.
A Dúnia era o menor filhote de uma ninhada de cinco, abandonada na frente de uma pet shop. Com cerca de um mês, subnutrida, coberta de fezes, xixi e pulgas, vermes maiores do que ela, era claramente um cachorro que não ia durar muito tempo mais. Então a veterinária nos proibiu de levar a Dúnia para lugares públicos até que recebesse as primeiras vacinas. Tínhamos a recomendação até de evitar que ela ficasse em frente de casa, porque os cachorros passam pela rua e poderiam passar alguma coisa pra ela. Por causa disso, a Dúnia passou longos meses dentro de casa, roendo tudo o que havia pela frente (até rodapé), colocando as patas na parede, barbarizando tudo o que estivesse ao seu alcance. Sempre brincávamos com ela no quintal pra ajudar a gastar a energia, e pra ela esses momentos eram essenciais. Os dias de chuva, os longos e frequentes dias de chuva em Curitiba, eram terríveis. Ela queria brincar, nós não a levávamos, ela não entendia, e a bagunça dobrava, agora com ares de revolta.
Quando ela finalmente pode viver fora de casa, ficamos preocupados de como seria quando chovesse – ficaria ela agitada e louca embaixo da chuva? Para nossa surpresa, isso não aconteceu. Ao contrário de alguns cães, a Dúnia não gosta de se molhar. Nos dias de chuva ela fica na casinha quase o tempo todo, sonolenta e olhando tristemente para o céu. É sua versão deprimida.
Eu também não gosto dos longos dias chuvosos. Fico com uma vontade irresistível de reclamar e querer jogar a culpa em alguém. Agora eu me conformei que talvez o mais natural seja ficar deprimido com a chuva. Ou alegre com tempo ensolarado. Com a Dúnia eu descobri que existe tempo de ficar quietinho e devagar, assim como existe tempo de ficar agitado e saltitante. Antes eu tentava ser mais relógio suíço. Eu me propunha a um nível tal de atividade, e se não conseguisse mantê-lo todos os dias, via aquilo como um fracasso. Tinha que manter a dieta mesmo nos dias tristes ou doente em casa. Tinha que estudar não sei quanto tempo mesmo quando não conseguia me concentrar. Tinha que me manter produtiva mesmo nas fases que só queria me esconder. Agora tenho tentado confiar mais. Alguns dos meus dias serão completamente inúteis, por uma necessidade que eu não entendo mas que agora aceito. Tem funcionado.
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