Tem uma música do Alejandro Sanz que eu adorava e que se tornou insuportável pra mim depois que fiz pesquisa e convivi com pessoas que perderam totalmente a visão. É esta aqui, Siempre es de noche:
A história da música é de uma conversa que ele teria visto, o moça descreve para o rapaz o mundo que ele não vê. Quando ela se afasta, ele pergunta para o observador, o Alejandro, num tom apaixonado, se ela é bela. Acho que já disse isso aqui uma vez, que essa pergunta é bastante comum, pelo menos entre aqueles que um dia foram videntes: como ela é, qual é o rosto, que impressão passa? É curiosidade pura, porque para tocar em alguém é preciso intimidade. Saber que a pergunta é comum retira todo romantismo que o Alejandro atribuiu… Mas o pior, pra mim, é o refrão: “o que eu não faria para contempla-la, ainda que fosse um só instante”.
Um exemplo, para depois voltar no Alejandro. Eu era muito CDF quando era criança, do tipo que já passava de ano no terceiro bimestre. Uma das poucas matérias que eu não ia tão bem era matemática. Aí quando entraram física e química no currículo, talvez porque naquela altura eu já estava em escola pública, meu desempenho caiu de uma maneira absurda. Eu senti como se de repente tivesse ficado retardada. Aquilo se tornou um tormento, eu tinha que colar e chutar o tempo todo, por mais que tentasse eu não conseguia entender. Nunca fui de decorar e aquelas fórmulas eram simplesmente impossíveis para mim, símbolos que não faziam sentido. Ao mesmo tempo, eu era apaixonada por trigonometria e logaritmos, gostava de fazer caminhos enormes só com o teorema de Pitágoras, resolvia logaritmos de cabeça enquanto andava até o colégio. Até hoje não sei o quanto eu teria me beneficiado por uma maneira diferente de ensinar matemáticas e afins ou eu estava destinada a ser pior do que os piores porque sou uma pessoa de humanas. Hoje uma das grandes invejas da minha vida é justamente esse tipo de raciocínio. Eu, que mal consigo fazer conta sem olhar para os dedos, se pudesse escolher teria uma mente matemática. Eu sei que para quem o possui o mundo é diferente, existe uma beleza subjacente, uma ordem. Quanto mais abstrato mais legal deve ser, meu deus, babo só de olhar aquelas fórmulas e imaginar o que se imagina para chegar até elas.
Existe um mundo cuja existência eu sei e não entendo, que é o mundo da matemática. Digo que tenho inveja mas, na verdade, é uma desejo bastante abstrato, porque como invejar algo que é tão longe de qualquer coisas que eu já vivi. Lembro que ele existe, penso que bom seria, mas estou bem aqui. Onde outra mente veria matemática, eu não vejo nada ou vejo outras coisas. É mais ou menos assim, acho, que um cego de nascença se sente com a pergunta se ele não sente falta de enxergar. Vários deles me disseram: NÃO, em si. Mais pelos outros, por saber que existe, por viver num mundo organizado assim. Ou seja, “o que eu não daria para contemplá-la blablablá” é coisa de vidente.
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