Tem umas coisas que o cachorros não gostam, que eles fazem apenas para nos agradar. Pode pesquisar. Uma delas é se deixar abraçar. Eu brinco dizendo que a Dúnia é vintage, porque a crio de uma maneira bem anos 80 – fora de casa, latindo pra rua, meses a cada banho, sem entrar pra dormir comigo e outros mimos que os atuais cachorros têm. E não a abraço. Essa parte não é por minha causa, ela que nunca deixou. Ela fugia de um jeito quando eu tentava abraçá-la que uma vez ela caiu das minhas mãos com o topo da cabeça no chão e fez um barulho oco, achei que depois daquilo ela passaria a ter retardo. Quando treinei para brincar de pegar a bolinha e ela ficava me encarando como se não fizesse o menor sentido, vi ali uma confirmação. Depois soube que ela era muito inteligente, totalmente inteligente. Devia olhar pra mim e pensar: humana besta, pra que jogar e pegar de volta?
Além de não gostar de abraço, a Dúnia não é muito chegada que eu a olhe diretamente nos olhos. De longe sim, mas digo chegar bem perto do rosto do cachorro e olhar. Outra coisa que para humanos é normal e para eles fica agressivo. Falo sério quando digo que tenho inveja de quem tem cachorro dengoso que quer contato e ser alisado. A minha demonstra que me ama quando se coloca diante de mim enquanto limpo lá na frente ou deixa a pata em cima do meu pé sem motivo. Como vocês podem ver, consegui alterar muito pouco a sua natureza canina. Nunca reclamei; dizem que os cães sempre se parecem com os donos e, bem, descobri que sou até meio Iansã, ou seja, nada fácil. A Dúnia sempre foi cachorro de agito, de brincar. Ela tinha tanta energia e era tão louca, mas tão louca, que agora que está velhinha ela ficou normal. Até aprendeu a gostar de carinho – só não muito, cadê o ossinho?
No inverno, eu saía de casa a zero grau e ela saía do quentinho pra me dar Oi, e eu tentava evitar isso mandando que ela me esperasse na casinha. Não adiantava muito – ela saía, entrava de volta, esperava pelo ossinho e depois saía de novo, pra fazer xixi. De qualquer forma, agora, quando eu saio cedo, ela vem me cumprimentar e depois volta pra casinha, bem fofa, esperando o ossinho. Foi num desses raros dengos, há poucos dias, que eu pude olhar bem nos olhos dela, de perto, e vi que eles estão começando a clarear de catarata. Minha Dudu, apesar de toda energia, já tem pra lá dos seus treze anos. E como todo cachorro que vive muito, vai ficar ceguinha.
Quando eu adotei a Dúnia, senti que isso abriu em mim um amor imenso por todos os cães. Especialmente os vira-latas, os pretos, os grandes, os de orelha pontuda, os border-collies, os pastores alemães. Eu achava que seria dessas pessoas que sempre se cercam de cães, que vão adotando vários ao longo da vida, e não aqueles que sentem tanto a morte de um único cão que nunca mais querem outro. Agora eu já não sei mais.
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