Leilão virtual

Começa agora o leilão virtual da Peça nº 1 da série Mocinhas, uma escultura feita por mim. É uma peça exclusiva. Clique nas fotos para ampliar.

Medidas: 39 cm de altura, 18 cm de largura, 19 cm de profundidade, 200 g
Material: pó de mármore com pigmento preto


Regras:

1. O lance mínimo será de 50 reais.

2. Os lances serão feitos via comentários, no blog. No comentário, o participante deve colocar seu nome, e-mail de contato e lance. Cada comentarista pode dar quantos lances quiser dentro do prazo estipulado.

3. A peça será vendida a quem fizer o maior lance. Em caso de retirada do lance ou falta de contato com o comentarista, o lance será anulado e entrarei em contato com o segundo lance de maior valor, e assim sucessivamente.

4. A data final para lances será até meia noite do dia 13 de novembro de 2009.

5. O ganhador do leilão pagará o valor do seu lance MAIS as despesas de envio. O envio será feito por Sedex a cobrar. Pra saber quanto fica o valor final, entre no site dos Correios, e calcule o valor de uma encomenda de Curitiba para sua cidade.

Está aberto o leilão.

Leilão encerrado.

Emprego

Entrei na faculdade de psicologia com dezesseis anos. Durante os cinco anos de curso, li sobre as mais diversas linhas porque não conseguia me decidir. Detestava psicanálise e só comecei a ver valor nela depois que um filosofo me apresentou Marcuse. Gostava da teoria Reichiana e Analítica (de Jung), mas não gostava da prática; gostava da Sistêmica, mas logo descobri que é difícil lidar com grupos, pior ainda institucionalizados. Só no fim do curso consegui optar pelo Psicodrama Moreniano, sem conseguir vivenciá-lo.

Tantas viagens teóricas me deram um vasto conhecimento em um monte de coisas, mas não me ajudaram em nada a saber o que fazer. Some-se isso à graves dificuldades financeiras e no fim do curso eu era uma aluna cheia de futuro mas com um currículo básico. Como ninguém no mercado de trabalho vai perguntar pro seus professores o quanto somos talentosos ou não, amarguei a fila dos desempregados um longo tempo. A vida inteira na verdade, mas isso é outro assunto.

O psicólogo de quem eu falei no post anterior me conheceu no meio da faculdade. Culto, inteligente, bem empregado. Discutiamos longamente sobre psicanálise, sempre saíamos juntos quando eu ia a São Paulo e eu não escondia minha admiração por ele. Quando me formei, ele foi um dos que entrou na campanha de me ajudar a arranjar um emprego. Lembro que nossas conversas, antes futeis e divertidas, passaram a versar sobre como eu deveria me portar numa entrevista de emprego, táticas agressivas de entrega do currículo, exemplos de grandes empreendedores. Eu até anotava o que ele me dizia.

Um dia estava especialmente desanimada. Perguntei como ele tinha conseguido seu emprego, numa grande empresa da área de saúde. Ele ficou sem graça, tentou se esquivar, e no fim me disse:
– Você sabe que meu pai era médico especialista em sexualidade. Ele soube que abriu essa vaga e me indicou. Mas eu estudei muito pra entrar lá, ele só me indicou porque eu estava muito preparado!

(Não gosto de colocar emoticons em textos, mas nesse não tem nada que expresse melhor:)

¬¬

Benefício

Uma empresa (cujo nome não revelarei) ofereceu a seus funcionários um plano odontológico no mínimo diferente. O funcionário inscrito nesse plano, ao procurar um dos dentistas cadastrados, pagará apenas… 100% do tratamento. Foi isso mesmo que você leu, a empresa não custeará um tostão. É que fica bonito dizer que oferece Plano Odontológico quando a Exame fizer o ranking das melhores empresas para se trabalhar…

Um dia, quando eu estudante universitária, um psicólogo me disse:

– Se você não fosse tão marxista, seria uma excelente psicóloga da área de RH.

Me chamar de marxista não foi exato. De qualquer forma, valeu pelo elogio!

Técnica anti-vendas

Uma mulher que freqüenta academia comigo é mais do que uma vendedora da Natura: ela é uma das maiores vendedoras da Natura na cidade de Curitiba. Desconfio que a venda de cosméticos renda mais do que a sua profissão. Já dá pra imaginar que pra isso ela veste a camisa e vende quase em tempo integral. Já presenciei várias vendas com a mulher semi-nua no banheiro – uma boa oportunidade para mostrar cheirinho do hidratante, o novo óleo, a delícia de sabonete. Sem falar dos pacotes temáticos que aparecem o ano inteiro.

Meu horror a vendedores parece ser diretamente proporcional à minha cara de crédula. Pra vocês terem uma idéia, já cheguei a ser abordada 3 vezes no mesmo trajeto, cada quadra por um vendedor diferente: um punk, um hare-krishna e de um curso de inglês. E não compro de tudo não; só porque uma vez comprei um hidratante com cheiro horrível de bala (apesar de quase não usar hidratante) porque fiquei com pena da demonstradora, isso não quer dizer que…

Como já adiantei, eu mal e mal uso hidratante. Só no inverno, e de supermercado mesmo. De maquiagem, lápis preto e batom. Isso sem falar que eu acho péssimo misturar amizade com negócios. Por isso, costumo comprar o pouco que preciso em loja. Já dá pra imaginar que alguém como eu convivendo com uma vendedora como ela, precisaria desenvolver alguma técnica para sobreviver. E desenvolvi. Primeiro, revelo aqui a regra de ouro das vendas:

O SIM

Não sei se é um princípio de inércia, ou uma certa forma de iludir o cérebro, mas os vendedores sabem que precisam fazer o cliente dizer Sim continuamente. Parece que depois de uns vinte sim a venda está ganha. Exemplo:

– E senhor gosta de estar bem informado? Sim.
– Considera a busca pela informação parte da sua rotina? Sim.
– Considera o Jornal Tal uma boa fonte de informação? Sim.
– Receber o Jornal Tal com X de desconto sobre o exemplar avulso seria um bom desconto? Sim.
E por aí vai.

Então, queridos leitores, para cortar o mal pela raiz, você deve dizer não logo na primeira pergunta. Pra garantir o sim, os vendedores procuram fazer uma primeira pergunta inegável, quase totalmente óbvia. Você tem que ser forte! É preciso criatividade, assertividade e até mesmo cara-de-pau para conseguir negar o inegável. Veja só o que eu respondi:

– Você gosta de se cuidar?

– Não. Eu venho aqui na academia, faço minha série e pronto. No resto do tempo, não estou nem aí com a minha aparência.

Com a mesma super-vendedora, na época em que ela tentou vender Herbalife:

– Você se preocupa com a sua saúde?

– Não. Eu já como bem justamente pra não ter mais que pensar nesse assunto.

Este foi um post da campanha Caminhante para um mundo melhor. Afinal, todo mundo gosta de paz, né? (sim!)

Nos bastidores

Agora, quando vejo a remontagem de espetáculos clássicos, fico pensando o quanto deve ser complicado adaptar um elenco à uma coreografia pré-existente. Quem está de fora não sabe, mas coreografias são processos dinâmicos, moldados até o último dia, feitas especialmente com e para as pessoas que estão lá.

Pra começar, um elenco nunca é uniforme. Toda turma tem seus preferidos, seus melhores (que nem sempre são a mesma pessoa), os esforçados, os enrolados, os perdidos, os indiferentes. E não dá pra simplesmente pegar os melhores interpretes e entregar para eles os melhores papéis. A escolha dos papéis provoca uma ciumeira sem tamanho, acaba com as relações até então de amizade, dá início a um período de vigilância e disputa mútuas. Quem tem a coreografia mais elaborada, quem fica mais tempo no palco, por que fulano ganhou aquele papel? Cada centímetro, cada vez mais à frente/no centro é disputado. Se os critérios de escolha não forem unânimes (e raramente são), os egos ficam cada vez mais difíceis de serem administrados.

Assim como nas novelas, papéis podem diminuir ou aumentar com o tempo. Alguém mostra uma inesperada desenvoltura, aparece, aumenta o que deveria ser um papel pequeno e consegue mais espaço (ou o contrário). Para mim, essa foi uma das maiores diferenças que senti entre o meio acadêmico e a dança: na academia, o legal é ser o mais fiel possível àqueles que nos servem de base; numa coreografia, fugir um pouco de scrip é estimulado e desejável – mostra interesse, criatividade, enriquece a participação.

Todos os ensaios, os repetitivos e exaustivos ensaios, têm por objetivo tornar um movimento de fora o seu próprio movimento; transformar pessoas com facilidades e padrões diferentes em um conjunto. Todas as feridas, as guerras e os climas se calam quando as luzes do teatro se apagam. Boicote é uma coisa que não passa na cabeça de ninguém, porque todos estão lutando pelo mesmo objetivo: um espetáculo perfeito. Eu não acreditava que seres humanos fossem capazes dessa proeza.

Espetáculo Arca de Noé

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Ando sumida para os amigos nos últimos tempos porque tenho ensaiado enlouquecidamente nos últimos meses, e à medida em que a data se aproxima fica cada vez mais puxado.

Por isso quero convidá-los para ver o resultado de tanto empenho, o espetáculo Arca de Noé. Baseado naquele disco que embalou a infância de muitos da minha geração, é um espetáculo leve, divertido e que mistura um pouco de várias danças e batuques.

Serão duas únicas apresentações:

Dia 25/novembro (quarta-feira)
SESC da Esquina – Rua Visconde do Rio Branco, 969
às 20:30

Dia 5/ dezembro (sábado)
Guairinha – XV de novembro, s/ nº (entrada à direita da quadra)
às 20:30

A entrada inteira custa 24 reais (glup!). Mas estudantes, carterinha do SESC, compra com alunos e na escola pagam meia – 12 reais. Como fico quase ste dias por semana na escola, o mais prático é tentar passar lá e comprar:

Cecconello – Escola de Dança
Rua Lauro Wolff Valente, 155 – Portão
Edifício Advance
fone: 3039-0610

Algumas palavras (alheias) sobre Deus

Desta vez foi o Chicuta que trouxe o assunto Deus ao debate. Nunca me preocupei em ter uma posição definida sobre esse assunto. A questão Deus encobre muitas outras questões, com respostas que geram outras perguntas. Ou seja, a pergunta – e não o que vem depois – é o que importa.

O vento voa,
A noite toda se atordoa
A folha cai.
Haverá mesmo algum pensamento
Sobre esta noite? Sobre o vento?
Sobre esta folha que se vai?
(Cecília Meireles/ Epigrama IX)

Eu não aceitaria a idéia de um deus que conseguisse ser pior do que eu, mais mesquinho. Quem tem orgulho para ser ferido sou eu. Precisar pisar em ovos a gente pisa com o chefe.

Deus pessoal, deus gente, dos que crêem
Existe, para que eu possa te odiar
Quero alguém a quem possa a maldição
Lançar da minha vida que morri,
E não o vácuo só da noite muda
Que não me ouve
(Fernando Pessoa/ A falência do prazer e do amor: Terceiro tema IX)

O que pode provar a inexistência (ou a existência) de deus?

(Via Filosofiaulas)

O que os crentes não admitem é que a idéia de um Criador não implica que ele esteja atento às suas criaturas.

Eu acredito em Deus,
Mas Deus acredita em mim?
Vou acreditar em qualquer deus
Se algum deus existir

Eu acredito em Deus
Mas então acredito em três
Vou acreditar em vinte deuses
Se eles acreditarem em mim…

Quem criou a minha vida?
Quem a tornou existente?
Quem aceita essa terrível
Responsabilidade? (….)

Vou acreditar em açúcar e condimentos,
Vou acreditar em tudo o que é bom;
Vou acreditar em você e em você e em você e em você
E naquele que…

Quem vai acreditar em mim?
(Retirado do livro Meu eu melhor, de Leonard Bernstein)

Eu vejo divindade na alegria.

Eu acreditaria somente num Deus que soubesse dançar (….)
Aprendi a caminhar; deste então, gosto de correr. Aprendi a voar; desde então, não preciso que me empurrem para sair do lugar. Agora, estou leve; vôo; agora, vejo-me abaixo de mim mesmo; agora, um deus dança dentro de mim.
(Nietzsche/ Assim falou Zaratrusta)

Na tristeza também.

No céu também, há uma hora melancólica
Hora difícil em que a dúvida penetra nas almas
Por que fiz o mundo?
Deus se pergunta e se responde:”Não sei”.

Os anjos olham-no com reprovação e as plumas caem
Todas as hipóteses
A graça, a eternidade, o amor, caem.

Outra pluma, o céu se desfaz
Tão manso, nenhum fragor denuncia
O momento entre tudo e nada
Ou seja, a tristeza de Deus.
(Carlos Drummond de Andrade/ Tristeza no céu)

Mas não consigo vê-la em templos.

Quando me perguntam eu deveria dizer que não sou religioso. Dizendo-me religioso os outros logo pensam que sou adepto de alguma religião. Eles imaginam que as religiões e as igrejas são semelhantes aos supermercados, lugares onde a gente vai se abasteceer de mercadorias sagradas. Para eles, ter sentimentos religiosos sem freqüentar igrejas ou pertencer a religiões seria o mesmo que dizer que me abasteço de verduras, frutas, legumes, carnes, leite e cereais sem fazer compras. (….)

Não há indicações de que Deus tenha concordado em se tornar uma mercadoria a ser distribuída com exclusividade pelos seus supermercados religiosos. Deus é livre como o Vento pelo menos foi isso o que Jesus disse. Claro que há religiões que dizem que o Vento só pode ser obtido engarrafado. Elas se acreditam como distribuidoras de Vento engarrafado. (….) A minha experiência com o sagrado vem sempre fora de lugares religiosos, diante do mistério da noite estrelada, de uma teia de aranha, de uma árvore florida, da ternura do amor, do riso de uma criança, da frescura dos riachos, da graça do vôo dos urubus, da alegria do cachorro que me recebe. Essas coisas que me dão alegria e que, por isso mesmo, são para mim sagradas, nunca encontrei nas igrejas. Sagrado, para mim, é aquilo que meu coração deseja que seja eterno.

(Rubens Alvez/ Sou religioso)

Quem diria que o bisneto do Capitão Rodrigo*, um político tão vaidoso quanto generoso, impulsivo, pai de família e mulherengo, conseguiria criar em mim um (único) sentimento de empatia justamente nessa questão espinhosa?

Nos tempos de moço, deu-se ao luxo de negar Deus, mas isso foi numa época em que o ateísmo era moda, como o chapéu-côco, o plastrão e fraque. A experiência de vida, o instinto, o sexto sentido – tudo lhe assegura que deus existe. Só que o meu Deus – reflete Rodrigo, olhando para a torre da Matriz que a janela enquadra – não é o deus das beatas, nem do Padre Josué. Meu Deus é macho, sabe as necessidades do sexo a que pertence e que, afinal de contas, foi criado por Ele. É um Deus tolerante, compreensivo, generoso. Em suma, é um Deus Cambará.
* Personagem da saga O Tempo e o Vento. A segunda parte, chamada Retrato, dedica-se quase que exclusivamente a ele.

O filme de sexo explícito mais brochante de todos os tempos

Imagine um filme com atores jovens, bonitos, com cenas reais de sexo. Imagine que você se sentirá menos excitado do que vendo a novela das oito. Duvida? Então o desafio a ver este filme. Dá até pra assistir ao lado da mãe – eu sei porque eu assisti ao lado da minha. Foi ela quem alugou, nesses acessos de aproveitar promoção da locadora e pegar um monte de filmes. Na caixa, dizia ter cenas polêmicas e contava com um elenco estrelado. Uma bala pra quem descobrir a nacionalidade de Romance X.

Aqui havia o video, mas o Google Adsense me mandou um e-mail ameaçador e tive que tirar. Clique aqui para ver o trailer.

A gola

Fui cortar meu cabelo de manhã e o salão ainda estava fechado. Comecei a visitar as lojas da região. Olhando distraidamente umas araras, encontrei uma blusa de lã. Faz tempo que estou procurando uma e não encontro. Custava só 30 reais e ainda por cima aceitavam cartão. Era bom demais pra ser verdade. Quando experimentei, vi que tinha um detalhe interessante na manga, que ela era quentinha ( justamente naquele dia fez muito frio e eu saí desprevenida), e a cor ficava bem em mim. Isso sem falar no caimento era perfeito. Eu tinha adorado tudo. Mas aí olhei para a gola. Era como se fosse rendada, fazendo ondinhas. Nada contra e nada a favor pra mim, mas pro Luiz…

Nessas várias conversas absurdas que todo casal tem, nós gostamos de listar coisas que nos fariam rejeitar alguém logo num primeiro encontro. Uma montanha num prato num buffet de casamento fez o Luiz desistir na hora – “estava aproveitando porque era de graça? Por que ela não fez duas viagens?” Adesivos do tipo “beber, cair e levantar” tem o mesmo efeito sobre mim. Um desses itens imperdoáveis são justamente as “golas de velha”. O Luiz considera qualquer gola de roupa com efeito rendado ou bordado simplesmente horrível, com um ar de professora de magistério das antigas. Pra uma mulher jovem usar uma coisa daquelas, só sendo muito convencional e chata.

Se me perguntassem se eu acho que a mulher deve se vestir de acordo com o gosto do homem que está ao seu lado, minha resposta seria um sonoro não. De cortes de cabelo às roupas mais loucas, o Luiz nunca se sentiu no direito de dizer o que devo usar. Eu sei que ele não diria nada ao ver a blusa; mas também sei que intimamente ele torceria pra nunca estar do meu lado quando eu estivesse com aquilo. Tentei virar a gola pra dentro e não adiantou. Foi com dor no coração que eu disse para a vendedora que a roupa não tinha ficado boa.

Se isso não é amor, não sei o que mais seria.

Cara-de-pau

Eu já disse o quanto eu sofria com a minha ex-vizinha. Foram anos passando raiva, sem conseguir dormir direito. A família dela era de Jacarezinho, e no começo eles compraram a casa grande que ficava aqui atrás. Aí revolveram voltar para cidade deles, e deixaram os filhos em Curitiba pra estudar. O rapaz era boa gente. Já a peste da irmã era tudo o que se pode esperar de uma adolescente mimada vivendo longe dos pais. Chegava de madrugada, batia as portas dos armários e andava horas de salto pelo quarto até resolver dormir. Fazia escândalo quando brigava com o namorado, conversava alto em qualquer hora da madrugada. O pior de tudo: quando a gente batia na parede pra mostrar que ela havia nos acordado, a FDP se sentia provocada e fazia mais barulho ainda.

O pai dela, que dava umas incertas por Curitiba, um dia veio bater à nossa porta. A conversa começou bem: “Em primeiro lugar eu queria pedir desculpas pelo barulho que meus filhos fazem”. O mea culpa acabou aí. Ele quis saber se nós tínhamos conexão a cabo. “Sim, nós temos, é da GVT, o serviço deles é excelente. Quer o número deles?”. Aí ele nos fez uma proposta indecente: pra diminuir nossa conta, poderíamos fazer um gato na nossa conexão e estendê-la para todo o conjunto de sobrados. Ele mesmo já fazia isso em Jacarezinho, era ótimo, todos ficavam felizes. Estranho – nossos outros vizinhos (com crianças de diversas idades) também queriam compartilhar conexão? “Na verdade, eu ainda não falei com eles”. Ou seja: o pai da critura que não tinha a menor consideração pelo meu sono queria que eu cedesse a minha conexão pra filhinha dele se divertir na internet.

Mas o que realmente encerrou a conversa com chave de ouro foi ele dizer que nas próximas eleições seria candidato a deputado estadual. Caso nós ainda não tivessemos em quem votar…

QI canino

Além de sempre sair com cara de psicótica nas fotos, a Dúnia me trouxe muitas preocupações desde pequena. Eu dizia que ela era meio autista, porque não suportava muito contato. Era um filhote que gostava mais de ficar no armário debaixo da pia do que no colo. Com o passar dos anos, ela tem se tornado cada dia mais dengosa, mas mesmo assim o que ela gosta é de brincar. Alguns minutos de carinho e ela já pega a bolinha e quer correr por aí. Soa bonito, mas isso é meio frustrante; mais ainda com um filhotinho lindo em casa.

Numa dessas crises de aversão a carinho, a Dúnia fez tanto esforço pra se desvencilhar das minhas mãos que caiu no chão em cambalhota, e produziu um barulho feio com o topo da cabeça. E bateu a cabeça mais umas duas vezes. Eu pensava – pronto, agora o cachorro ficou retardado. Como saber se aquelas quedas realmente a prejudicaram? A dúvida me perseguiu durante muito tempo. Quando, por exemplo, eu quis ensiná-la a brincar de bolinha e ela parecia se divertir mais em me ver pegar a bolinha do outro lado da sala do que fazer a parte dela. Ou quando não usava de jeito nenhum aquele Pipidog que custou uma fortuna e foi para o lixo.

Só quando a Dúnia foi adestrada, tivemos o diagnóstico final: ela não apenas não era retardada como era um cachorro inteligentíssimo. E usava isso a seu próprio favor, lógico. Percebia as ordens contraditórias, conquistava espaço aos poucos, testava nossos limites. Depois que um cachorro da gente é adestrado, a gente fica fã desse tipo de serviço. Doutor Pet tá aí pra provar. Adestramento é como terapia: dá vontade de mandar todo mundo fazer.

Desde aquela época, ela vive lá fora – como disse uma amiga, a rua é a televisão do cachorro. Mas quando vê a porta aberta dando sopa, ela sempre tenta entrar em casa; o processo de ser arrastada pra fora a diverte. No fim de semana ela foi fazer isso e o Luiz a flagrou: ela parou da frente do armário onde sempre entrava, subitamente consciente de que não cabe mais lá. Pena que eu não vi a cena!

Eu sou o fantasma do passado

Eu tinha meus 17 e uma colega de faculdade descobriu que sua vida era dança de salão. Sempre de carona com ela, passei a freqüentar esse meio. Ela me levava junto porque me considerava a companhia perfeita: se me convidassem pra dançar, eu ia; se não, me divertia em olhar os casais rodopiando no salão. Até oficina de tango eu fiz. Quando minha amiga se tornou professora de dança de salão, eu ia nas aulas com muitos homens pra ajudar a formar par. Nos termos da dança, eu era uma dama leve. Além de fácil de conduzir, eu pegava os passos com facilidade. Minha paciência com os alunos fazia minha amiga ter certeza de que um dia eu também me tornaria professora.

Um dia resolvi virar uma aluna regular e comecei a fazer dança de salão no SESC. As aulas eram sábado à tarde. Sim, eu tinha facilidade; por outro lado, não levava aquilo à sério e estava sempre esquecendo as figuras que já haviam me ensinado. Tanto que cheguei a ser convidada pra me apresentar com o grupo do SESC e joguei a oportunidade fora, sem dó. No primeiro ensaio, me colocaram de par com um cara que dançava muito mal e estava a fim de mim. Fiquei irritada com aquilo, errei tudo de propósito e nunca mais apareci no ensaio. Eu encarava essas apresentações como um grande mico.

Aí comecei a namorar um tal de Luiz e o horário da aula começou a atrapalhar. Tentei levá-lo pra dançar comigo e nasceu aí um ponto de discórdia que dura até hoje: ele dança o básico e olhe lá, não aprende nada novo e se recusa a ser ensinado. Eu começo a conduzir, fico frustrada e não tenho permissão pra dançar com outro homem. Resultado: passei a dançar sozinha, na minha sala. Sem precisar me esforçar pra arranjar alguém, o pouco interesse que eu tinha pela vida noturna morreu por completo. Assim se encerrou o assunto dança da salão na minha vida. A amiga nunca perdoou esse namorado que me afastou do que seria minha vocação. Só que quem se tornou ex foi ela…

Como se diz por aí, Deus escreve certos por linhas tortas, o mundo dá voltas e a vida é engraçada. Aquela história de que eu seria professora de dança era, de certa forma, era uma profecia. Agora que faço parte do meio da dança, perguntei da minha amiga e ninguém nunca ouviu falar nela – o que é muito estranho. Será que o concurso na prefeitura, o casamento e possivelmente os filhos a afastaram do que ela tanto amava? O que sei é que a sobrinha dela (que eu só não carreguei no colo porque não gosto de crianças) faz aulas de ballet. E fará parte da mesma coreografia que eu, no fim do ano.

Fantasma do natal passado

Eu a conheci numa aula de ballet. Lembro bem que foi a primeira vez que fizeram um ponché de 180 graus na minha frente, e aquilo me desconcentrou. Além disso, foi umas das bailarinas mais delicadas que eu já vi em aula. Isso sem falar que ela chama atenção: alta, ruiva, olhos claros. Foi a única mulher que deixou o Luiz sem graça quando os apresentei.

Qual não foi minha surpresa quando nos reencontramos em uma apresentação de contemporâneo e ela disse que me conhecia de algum lugar, e não era da aula de ballet. Ela foi minha caloura em ciências sociais. E claro que eu não lembrava dela, porque como as pessoas mal olhavam pra minha cara ali, me acostumei a andar pela faculdade sem olhar para os lados. Sem falar que eu tinha acabado de entrar no CDM e ela já tinha feito parte da Téssera. Ou seja, ela já tinha vivido o que eu estava passando e iria passar na federal.

Depois daquela conversa, passei a me dedicar cada vez mais à dança. O mestrado e o grupo de estudo ficaram para trás; substituí a cadeiras com braços pela barra. Nossa amizade era baseada em conversas rápidas na academia, porque quando uma estava chegando a outra estava de saída. Um dia, no banheiro, perguntei se o horário do centro acadêmico ainda existia. É assim: nas quartas de manhã, durante uma hora, as aulas são interrompidas para o centro acadêmico se reunir. Isso faz com que as aulas terminem uma hora mais tarde. Durante a faculdade, me coloquei abertamente contra isso – o que explica parte do ódio que as pessoas tinham por mim. Sua resposta foi sim, que aquele horário era “uma conquista do centro acadêmico”.

Então ela começou a defender o tal horário. Falou do senso comum douto e de uma terminologia que conheço a fundo mas nunca mais tinha ouvido, muito menos usado. Enquanto falava disso ela se vestia. Ela colocou um óculos de aro grosso, uma calça jeans larga, uma blusa de tricô cinza sem graça por cima de uma camiseta também apagada. Tudo tão apagado, tão pouco feminino, tudo gritando: “Eu sou uma intelectual!”. Me assustei em perceber que agora eu era a bailarina e ela a socióloga.

Desde então, surge um certo desconforto quando nos encontramos.