´tasquiupariu, que clima!

Tenho nada pra falar não, só quero expressar minha revolta. Primeiro, contra as Claudias e Marie Claires da vida, que fazem reportagens irreais sobre moda inverno. O que são aquelas mulheres de bota e shortinho, ou lingerie decotada por debaixo do casaco? Só se for inverno carioca. Seguindo a mesma linha, quero reclamar de ter ido na C&A esses dias em busca de algum casaquinho e não encontrei absolutamente nada de manga comprida. Um monte de vestidinhos, blusinhas, sainhas lindas que eu teria que usar pra dormir, porque mesmo pra ficar em casa seriam fresquinhos demais. Em terceiro, quero apontar uma grande injustiça de São Pedro. Comoassimbial a tempestade de segunda foi conseqüência do calor que fez no domingo? Domingo de manhã fez vinte e poucos graus; de tarde, já estava frio. Por causa de algumas horinhas de alívio a gente é punido com um rio despencando sobre nossas cabeças? Absurdo, desproporcional!

Por último e não menos importante, quero manifestar minha revolta, meu repúdio, meu ódio aos curitibanos que ficam achando muito bonitinho essa cidade estar mofada e com frio em plena primavera. Basta sair um solzinho que meu twitter se enche de #euquerocuritibadevolta #quesaudadesdofrio e #odeiocalor. Tomanocu, tá?

Dominó

Dominós pra mim sempre foram sinônimo de um joguinho descompromissado ou daquelas sedutoras fileiras pra serem derrubadas. Por isso quando ouvi que meu pai atuava como juiz de campeonato de dominó, achei que era gozação. Aí me explicaram que um dominó jogado com maestria envolve muito raciocínio. Os jogadores procuram prever que pedras o outro tem, a partir do que está no tabuleiro, do jogo em mãos e do número total de combinações de peças. Surgem obscuras questões (não me perguntem quais) que às vezes precisam de mediadores, e é aí que entra o papel do juiz. Na próxima vez que você passar por um parque e cruzar com velhinhos jogando dominó, aposto que os olhará de maneira diferente. Eu olho.

Ou seja, o dominó pode ser infantil ou complicado, depende da atitude dos jogadores. Penso nisso quando converso com pessoas totalmente estratégicas nas suas relações. Que entram num grupo e procuram saber quem é o líder, montam mentalmente a hierarquia, que rege as relações desvendam os códigos de conduta, pensam nas vias de ascensão e as maneiras de exercer influência. Não que com o tempo eu não note essas coisas; é que eu acho cansativo e desinteressante agir assim. Prefiro jogar da maneira infantil mesmo.

Single Ladies

Tá, eu sei que já faz séculos que esse clipe esteve no topo. Mas eu não sou tão pop assim e me encantei com ele recentemente (mais precisamente há 5 min depois de ver o Lata Velha no site), estou aqui embasbacada com o rebolado da musa e quase estrago o efeito dos relaxantes musculares no meu corpo.

Pra reles mortais como eu, olha só que legal: um videozinho que ensina uns passos do clipe.

Ombros

Não sei se é porque sou geminiana, mas meus ombros sempre foram meu ponto de tensão mais importante. Estar com os ombros doendo é o básico. Tinha freqüentes torcicolos durante a adolescência, que me deixavam sem olhar para um lado às vezes para os dois. Durante a faculdade, fiz alguma coisa que me deixou sem forças no braço e tive que ir a um quiropraxista. Foi o meu acupunturista que me salvou quando eu tirei o nervo do ombro do lugar, o que causa cãimbras terríveis cada vez que a gente move a cabeça. Desconfiei da mesma causa quando passei a noite em claro com dores que vinham da base do pescoço e se estendiam por todo o braço direito, mas era apenas uma crise de overtraining, que me fez abandonar o krav-magá.

Desconfio que uma dor no ombro que tem me perseguido tenha origem numa antiga lesão no pé, porque as duas dores aparecem ao mesmo tempo. Nesse período, fico com um ombro um pouco mais alto do que o outro. Meu estado de espírito se revela facilmente com meus ombros caídos, demonstrando que estou insegura e/ou infeliz. Tenho uma foto bem emblemática disso: numa viagem, cercada de dois amigos, sorrindo e ombros muito caídos. Eles estavam lá, revelando que a noite estava horrível e eu queria ir pra minha casa chorar. Mas isso já é outra história.

É por esses mesmos ombros acabo de tomar um relaxante muscular. Tudo por culpa de várias cambalhotas no chão, que machucam meu corpo por serem no chão e machucam meu ego por não estarem saindo. Ai, que dor!

Imatura, eu?

Assim como o Marty Mcfly do De volta para o futuro perdia a razão quando o acusavam de ser covarde e levou 3 filmes pra parar com isso, eu também fazia muita besteira se fosse acusada de imatura. Alias, nem precisavam me acusar diretamente. A simples idéia de parecer imatura já me levou a muita coisa.
Eu era solteira e tinha saído para dançar com uma amiga. Num momento que eu estava sozinha, um cara se sentou na minha mesa. Ele se sentou num ângulo que quando eu falava com ele, via nitidamente seus amigos nos observando. Eles estavam tão animados e entretidos com o que acontecia na minha mesa, que só faltavam fazer Hola a cada investida do cara.

Estava nitidamente fazendo papel de troféu (ou de trouxa). Na certa, estava rolando algum tipo de aposta. Quando comentei com o cara sobre o agito dos seus amigos, ele soltou esse discurso:

– Eu não me importo com a opinião dos outros. Acho que as pessoas devem fazer o que é melhor para elas e serem independentes da opinião da sociedade. Se meus amigos querem ficar olhando e comentando, o problema é deles. Eu acho que você não deve pautar suas decisões com base nisso. Se você sentir vontade de fazer alguma coisa, deve ser superior ao que eles vão pensar e fazer do mesmo jeito.
Quanto tempo eu perdi, quanto papel de trouxa! Saí quando não queria, aguentei desaforo, deixei de reclamar dos meus direitos. Um dia percebi que o preço que eu pagava por essa fictícia fama de madura era alto demais. E pior: essa acusação de imaturidade é uma maneira de manipular. Somos acusados de imaturos quando estamos agindo conforme nossos sentimentos, ao invés de fazer a vontade dos outros. Imatura eu era quando me importava com a opinião dos outros!

– Já eu me importo com a opinião dos outros sim. Não me sinto bem com os teus amigos me olhando. Não quero que fiquem me observando e rindo de mim como se eu fosse uma idiota que caiu na conversa de alguém. Não vou ficar com você pra virar troféu depois.

Assim como o McFly, eu aprendi a dizer não. Meu sangue ainda ferve às vezes, mas sei que o preço a pagar por isso não vale a pena. E se negar a fazer papel de madura às vezes tem resultados inesperados. O Sr. Não-me-importo-com-os-outros me ligou depois.

Caminhante e questões sexuais

Depois de responder e ainda por cima responder questões esdrúxulas, a Caminhante Corporation Inc resolveu fazer uma coletânea de questões sexuais que apareceram no Google Analytics.

Primeiro grupo de questões é associa tara com erros de ortografia. Será que o internauta estava digitando com uma mão só?

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O outro grupo busca pelo tópico Capricho – mulheres que querem agradar o sexo oposto. Milhões de “o que os homens gostam”

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Por fim, coisas que existem por aí. Mas não sei o que o meu blog tem a ver com isso:
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Desvantagens de começar o ballet depois de adulto

Dançar ballet, pra muita gente, é um sonho de infância. Antigamente custava muito caro e tem gente que carrega esse desejo durante toda a vida. Então, acho que o fato de resolver uma frustração já é motivo suficiente pra começar a fazer. Isso sem falar nas outras vantagens, como melhorar a postura, a coordenação motora, o senso de ritmo, a força e o alongamento – não é à toa que o ballet é o exercício mais completo que existe. E quem faz ballet fica com facilidade pra fazer quase qualquer outra dança, porque ele é a base da maioria.

Mas nem tudo são flores. Existem algumas experiências comuns a todo mundo que tenta entrar no ballet tarde. Em maior ou em menor grau, todo mundo que começa ballet tarde passará por:

Você vai se sentir gorda

Independente de quanto você pese, no ballet vai parecer que você está acima do peso. Primeiro porque as roupas de ballet foram feitas para mulheres com um tipo físico pouco brasileiro: magérrimas, pernas alongadas e finas, quadril estreito e pouco seio. Se você foge desse tipo, se olhará no espelho e sentirá que o collant não te favorece. Não é à toa que os bailarinos adoram usar preto. O outro motivo é a faixa etária das suas colegas de aula. Uma mulher magra não tem o mesmo corpo de uma adolescente ou uma pré-adolescente magra. Mais ainda adolescentes que aprendem a ter medo de gordura desde cedo e muitas vezes desenvolvem distúrbios alimentares.

Você se olhará no espelho e se sentirá gorda. Você voltará para casa e quererá fazer um regime. Talvez você precise e isso te faça bem, talvez não. O fato é que por mais que você emagreça, nunca será como elas. E isso não é ruim, porque a vida não é só ballet. O que cai bem num collant pode ser horrível lá fora. Lembre-se que o padrão de beleza do ballet é ainda mais cruel do que o de modelos. Uma bailarina de 1,68 e 50 kg foi considerada gorda no Bolshoi.

Você vai se sentir velha e burra

Pra ser uma grande bailarina, é necessário começar cedo. Então, você tem duas alternativas: aprender lado ao lado com alguém muito (às vezes décadas) mais jovem do que você; ou dançar ao lado de alguém com a sua idade, mas com décadas de experiência. Viver uma situação dessas é um grande exercício de humildade. Ver uma criança executar lindamente um movimento que você nem entendeu como funciona é dose. Até seus professores poderão ser mais novos do que você.

Você se sentirá deslocada. Às vezes as pessoas poderão esquecer que você é jovem no ballet, e querer que você tenha uma confiança e um conhecimento que não tem. Ou o contrário: podem te tratar como uma vovó, uma retardada que precisa de milhares de explicações de coisas que deveriam ser óbvias, por achar que você é uma velha inútil. Porque seus professores aprenderam quando criança e não fazem idéia das milhares de regrinhas que fazem o corpo e a alma do bailarino. Eles nunca viveram num mundo onde meia ponta e transferência de peso não querem dizer nada. Assim como você aprenderá a ser bailarina, eles aprenderão a serem professores de adultos.

Você vai se sentir deixada para trás

Uma mulher querendo dançar ballet não é vista como uma criança que sonha em ser bailarina. Pra criança, existe a possibilidade de se destacar, de ser alongada ou não, de ter facilidade com certos movimentos, enfim, os professores se sentem formando alguém para o futuro. Isso não acontece quando a gente é adulto. Você pode receber apenas a atenção básica pra não cometer erros terríveis. Enquanto as outras sofrem com os gritos e marcações, você pode sair da aula sem ter ouvido uma única observação. Numa mistura de preconceito e realismo, vários erros que você cometeu podem ter sido deixados de lado, porque afinal você não vai muito longe mesmo… Mas quem pode dizer de antemão até onde você vai? Ninguém!

Quem pisa numa sala de aula por vontade própria – muitas vezes gastando do próprio bolso – é mais disciplinada, mais empenhada e tem mais equilíbrio emocional do que aquelas crianças que eles tanto investem. Na freqüência nas aulas, no esforço em cada movimento, na vontade de colocar em prática o que o professor diz, ao buscar outras coisas além das aulas; isso tudo pode mostrar às pessoas o quanto você é sincera e que merece atenção. Por outro lado, sempre haverá uma menina mais alongada, mais rápida, mais bonita e mais jovem. Lamento dizer, mas é para elas que estão reservados os solos, os papéis principais, a maior dose de atenção. Aos menos talentosos está reservado o corpo de baile. E, por mais que fazer parte desse mundo já seja uma felicidade muito grande, devo dizer que – grande, pequena, adulta, criança – se sentir para trás é sempre difícil.
Depois de tudo isso, a pessoa pode se perguntar: vale a pena? Eu vejo que se manter no ballet está muito mais ligado ao nosso nível de frustração do que qualquer outra característica. Ao tentar fazer um movimento e não conseguir, a gente sente vergonha e vontade de se esconder. Mas todas as outras pessoas da sala – os professores e todos os alunos – já passaram por isso. No ballet o imperdoável jamais é não conseguir fazer e sim desistir de tentar. Quem consegue suportar a própria auto-crítica, é recompensado fazendo o impossível.

De novo?

Não é propriamente algo inédito: espetáculo pra ser montado, pessoas ganhando destaque e eu nada. Aí parece que vai, mas não vai, vai não vai e eu acabei fondo, ou seja, mifu. Genial foi a justificativa: não ficarei na coreografia tal porque as pessoas já estão ensaiando faz tempo. Ou seja, eu fiquei de lado por não ter ido para ensaios que não fui chamada.

Rejeição é sempre uma merda, né? Felizmente pra minha semana, finalmente recebi notícias do meu livro. Um ano e meio depois, finalmente me pediram pra escrever a orelha e a contracapa. Isso evitou que eu passasse minha noite em claro remoendo sentimentos negativos, mas não me impediu de me encher de pizza e fazer aula com aquela sensação de “pra que me esforçar se ninguém está nem aí mesmo?”. Vontade de faltar ensaios e voltar a ter meus sábados para mim. Mas já viu – se aparecendo sempre já não me dão nada importante, se eu sumir darei o motivo perfeito pra me cortarem de tudo.

Saudades do tempo em que eu estava do lado de lá – das melhores, das preferidas, das cheias de futuro, das que vale a pena investir. Não estou sofrendo como no ano passado, mas não adianta: o calor dos holofotes é bem melhor do que o mofo das cortinas.

A medida

Meu pioneirismo e minha timidez fizeram com que eu tivesse vários namoros virtuais, no tempo em que isso era considerado pura maluquice. Uma vez eu bati o meu recorde e namorei um cara que morava à mais de 12 horas de vôo. E, como todo namoro virtual que se preze, eu acreditava que aquilo era especial e o amava.

A falta de perspectiva me exasperava. Minha única chance de ficar ao lado dele seria fazer um doutorado. Não seria nem um doutorado na área que eu queria. Um professor importante (e galinha), por motivos totalmente duvidosos, me pediu várias vezes para ser orientanda dele. Então, para estar ao lado do homem que eu amava, bastaria me esforçar como uma louca, conseguir pagar a passagem, fazer um bom projeto, falar com meus pais e viver em outro país, com pouco dinheiro e sem amigos.

Apresentei todas essas questões ao meu melhor amigo gay na época, o João. Seria loucura fazer tudo aquilo pra ficar ao lado de alguém que você ama?
– Não é loucura. Acho possível fazer tudo isso e muito mais pra ficar com alguém. Desde que a outra pessoa esteja disposta a fazer o mesmo.

Nem preciso dizer que não fiz doutorado nenhum. Depois do que o João me disse, aquele amor já não me parecia tão grande assim. Vejo isso acontecer o tempo todo: a mulher ter gastar do seu dinheiro, ir para outra cidade, deixar tudo para trás, para o homem… fazer o favor de dormir com ela? O João é que era sábio.

Quanto ao namoro, acabou meses depois quando ele arranjou outra.

O mais bizarro dos filmes franceses

Minha mãe e meu irmão adoram filmes cabeça-europeus ou feitos-em-países-sem-água-potável. Sempre atentos à programação da Fundação Cultural de Curitiba, eles me fizeram assistir Kadosh, Osama, Fogo Sagrado, A caminho de Kandahar e outros filmes que de tão desconhecidos nem eu mesma sei o nome. Imbuída desse espírito, assim que casei, quis converter o Luiz ao cinema alternativo. Na sessão de filmes europeus da nossa locadora, me deparei com uma capa com uma foto muito interessante que sugeria um filme quente. Era A Professora de Piano.

(A partir de agora, contarei o filme em detalhes. Se quiser um dia conferir pessoalmente O Mais Bizarro dos Filmes Franceses, não leia)

Pra começar, a gente sente uma vontade imensa de socar a tal professora de piano, porque ela passa o filme inteiro sem dar um sorriso. Ela é toda recalcada, trata os alunos mal, vive num muquifo com a mãe e é grande interprete de Schubert. Quando não está dando aulas, seu hobbie é freqüentar lugares onde rola sexo. Ela espiona casais em drive in, procura literatura erótica, entra em cabines com filmes pornôs e cheira o papel higiênico sujo que tem lá. No seu desespero, tenta dar um créu na mãe. Tudo com a mesma cara de bunda.

Um dia, por incrível que pareça, um aluno loiro, jovem e bonitão se interessa por ela. Ele é o homem da foto da capa. Só que quando eles saem daquele beijo, ela se oferece para bater uma para ele. Mas ela não quer uma coisa convencional – ela tenta fazer isso machucando o bilau do cara. Ele sente dor e (óbvio!) não consegue, o que a aborrece. Depois ela envia a ele uma longa carta, dizendo que quer ser maltrada, algemada e várias perversões sado-masô. A primeira reação dele é de choque e repulsa. Mas depois ele fica louco, faz conjecturas (nenhum filme é francês sem isso), vandaliza o apartamento, e violenta a professora na presença da mãe. A mãe fica assustada e a professora de piano… faz cara de bunda.

Na última cena do filme, há um recital. Ao invés de subir, ela fere o ombro com uma faca e sai correndo. A camêra se mantém imóvel mostrando o teatro. Fim.

Posfácio:

A atriz Isabelle Huppert ganhou o prêmio de melhor atriz no Cannes de 2001 por esse papel;

Eu a reencontrei muito tempo depois no filme 8 mulheres, mas fui elegante e fingi que não conhecia;

Nunca mais assisti um filme da Fundação Cultural de Curitiba;

O Luiz continua fã convicto de enlatados americanos.

Mais treino, menos talento

Quando a gente olha o fruto final do trabalho, parece impossível chegar lá: um livro interessantíssimo, fouetés limpos, uma escultura tocante, uma ópera bem interpretada. Dizer que tudo isso é dom, não deixa de ser uma injustiça com quem fez: se por um lado é um reconhecimento do talento, por outro a gente desvaloriza as longas horas de dedicação, durante anos a fio, pra chegar àquele resultado.

A questão do talento é um tema recorrente pra mim, algo que me atormenta. Nascido ou adquirido? O fato é que, com raras excessões, tudo começa numa sala de aula. Começa com um professor, com exercícios, treino, decomposição o que no futuro será muito complexo. Existe uma adaptação de físico, de personalidade, de hábitos. Qualquer área é cheia de ritos de iniciação, pequenas batalhas, demarcação de espaços, limitações e disciplinas. Coisas que só se vivendo, no corpo e na alma, no contato com aqueles que passam pela mesma coisa. Com a admiração pelos melhores, a comparação com os medíocres, na luta com os medos internos. E com a passagem dos anos, porque algumas coisas precisam de tempo para decantar – por mais que na nossa época a gente goste de tudo pra ontem.

Depois de já ter vivido intensamente em mais de uma área, creio que na vida é possível aprender de tudo. Não estou dizendo ser famoso ou grandioso – mesmo porque esse tipo de ambição prejudica até mesmo os talentosos. Com bons professores, com dedicação sincera e humildade para pagar o preço, acho possível fazer de tudo um pouco na vida. É uma pena que tanta gente se conforme a uma janela quando existe o céu lá fora.

Mais uma história soteropolitana

Um dia estava brincando e meu irmão mais velho estendeu as duas mãos, dizendo que eu tinha duas chances pra descobrir onde estavam as balas. Eu escolhi as duas e ambas estavam cheias de balas mastigáveis. Logo meu irmão, um vendedor nato, me oferecendo minhas balas preferidas. Perguntei de onde elas surgiram. Ele me disse que – ao lado do ponto de ônibus – havia uma velhinha com um carrinho de doces que vendia uma quantidade muito grande de bala por apenas alguns centavos.

Na época, minha melhor amiga era a Natascha, uma alemã. Contei da velhinha e juntamos nossos centavos. Apesar de nunca brincar fora do condomínio, sabíamos onde ficava o ponto de ônibus. Fomos muito animadas, ainda duvidando da nossa sorte. Chegando lá, avistamos um carrinho de doces com uma velhinha bem pobre. As balas estavam muito baratas, conforme meu irmão falou, era algo como 1 kg de bala por 1 real. O problema é que a velhinha colocava as balas no pacote com as mãos. Eu nunca tinha visto mãos tão nojentas em toda minha vida – elas estavam encardidas e as unhas eram longas e pretas. Compramos as balas meio porque não tinha como voltar atrás.

Voltamos e lavamos tudo. Depois de muita água corrente, as balas ficaram grudentas e desbotadas. E nada do nojo passar. A solução foi generosamente oferecer nossas balas a outras crianças…

Em defesa dos mimados

Todo mundo conhece os defeitos dos mimados. Acostumados a serem sempre acolhidos em casa, esperam receber isso do mundo lá fora. Como gente assim é irritante, a conclusão natural que a gente chega é que aquele que não foi mimado, quem teve que conquistar cada pedaço de chão, é a pessoa de valor. Enquanto os mimados se acomodam, os não-mimados conquistariam o mundo com sua iniciativa. Ótimas companhias, então.

Venho aqui dizer que não é bem assim. Que se por um lado receber excesso de atenção enfraquece, não ter recebido atenção nenhuma torna a pessoa dura demais. Quem não foi ajudado, não consegue estender a mão pra ajudar. Essas pessoas podem ver os outros em dificuldades e serem incapaz de dizer uma palavra, dar um abraço. Tudo porque no dia em que elas precisaram de ajuda, ninguém estava lá. Por um sentimento meio vingativo, elas acham os outros devem sofrer sozinhos também. Mais ainda: elas ficam extremamente irritadas com gestos de carinho e consôlo. Irritam-se com os que se mostram frágeis, porque acham apelativo; irritam-se com os que dão colo, porque seriam os que se deixam manipular. É um mundo muito duro.

O mundo capitalista-competitivo-globalizado já é duro demais pra gente levar essa dinâmica pra dentro de casa.

Três maneiras de expressar a mesma coisa

Meu irmão chama isso de não desistir quanto tudo está ruim; eu chamo de nunca ir embora quando ninguém sentirá sua falta.

Teve um momento em Joinville que eu pensei em ir embora. Olhava para aquelas bailarinas e me perguntava o que estava fazendo no meio delas. Não ousei comprar nenhuma roupa com estampa de sapatilha de ponta, porque apesar de fazer ballet todos os dias eu me convenci de que não era uma bailarina. Estava longe de casa, deprimida, com sono atrasado, vestindo roupas sujas, comendo e dormindo mal; tudo pra fazer um curso onde eu não conseguia acompanhar o nível da turma. Como disse minha mãe antes de eu viajar, eu estava há apenas duas horas de casa. E se eu desistisse? Em Curitiba, teria que destrancar academia, voltar pro Ballet, explicar pra todo mundo que voltei antes do tempo. Minha mãe diria que já sabia. Em Joinville, minhas colegas de alojamento primeiro tentariam me fazer desistir, depois diriam que sou uma fraca. No curso, só notariam minha ausência quando surgissem alguns buracos – nada que eles não tampassem com facilidade. E foi essa facilidade que me fez ficar.

De maneira semelhante, pensei muitas vezes em largar o ballet. Eu sentia no silêncio dos professores a falta de fé de corrigir e ensinar alguém tão velha. A minha própria falta de fé, a solidão em estar cercada de meninas tão novas, o choque da auto-imagem em parecer tão gorda perto delas, as dificuldades físicas com o en dehors que eu não tenho. Bastava ir embora e voltar a ser socióloga. Ninguém se surpreenderia, ninguém consideraria uma perda.

Agora quando chego em casa exausta e feliz, ensiando, pegando coreografia, ganhando um papel e outro, rindo com as meninas, vejo o quanto é bom não se permitir deixar as coisas no meio. Não pretendo fazer isso agora, mas a terceira maneira de expressar a regra é só ir embora quando o corpo quer ficar.