Às vezes eu descubro algumas coisas na minha vida de dona de casa e tenho vontade de compartilhar, penso até em escrever um blog com esse tema. Aí penso que o blog se chamaria algo como “Redescobrindo a roda”, porque tanta gente já deve fazer isso há décadas e eu acho que é inédito. Como limpar azulejos de banheiro com bombril ou congelar o feijão em potinhos pequenos, sem tempero e só temperar na hora de comer. Por isso que qualquer ator ou comediante global tem filhos e já sai escrevendo almanaque para os pais. Pouco importa se outras pessoas já sabem, quando a gente descobre uma coisa é sempre a primeira vez. Pelo menos para nós.
Comecei falando da descoberta de obviedades para vocês perdoarem antecipadamente uma que eu contarei aqui. É sobre ensinar, sobre a relação professor-aluno. Eu ouvi e estudei na faculdade o quanto o professor é muito importante: deve ter uma atitude de aceitação, porque as expectativas ruins que ele tenha dos alunos se refletirão no desempenho deles; vocações e talentos podem ser perdidos com isso. Mas isso nunca me disse muita coisa, não me causavam qualquer sentimento por estarem muito distantes da minha história. A escola foi um período bom pra mim. Como aluna, sempre fui daquelas que sentava na primeira carteira, interagia pouco com os colegas e entregava tudo no prazo. Hoje acho que faltou alguém olhar pra isso e achar que eu era fechada demais, mas, normal ou anormal, é desse tipo de aluno que as escolas gostam. O aluno ideal é quietinho e concentrado.
Em resumo, passei toda a minha vida escolar como preferida, ou no mínimo uma boa aluna. Receber dos professores respeito e boas expectativas era o natural. A coisa mudou radicalmente quando decidi dançar. Outro tipo de habilidade, outros valores. Timidez não é uma qualidade pra um artista. Some isso com o preconceito imenso que existe na dança que escolhi – ballet – com idade, peso e tipo físico… Fui para o extremo oposto, de boa aluna a aluna non grata. Continuava a mesma pessoa: a que não incomodava ninguém, quietinha e concentrada. Mas ser preferida estava totalmente fora de questão. Eu era claramente um peso (nos dois sentidos). Os professores não sabiam o que fazer comigo; não queriam a minha presença e nem podiam me expulsar.
Eu continuei no ballet por quase quatro anos, apesar de tudo. E é tão ruim ficar num lugar apesar das pessoas. Aí eu fui pro flamenco, que tem outra maneira de ver a dança. Ninguém me achou velha, ninguém me achou gorda, ninguém me achou errada. E a minha professora, a Cris, é uma pessoa naturalmente amorosa. Ela vê em mim um potencial, e sei que ela vê potencial em cada aluno. É uma coisa que não se diz com palavras, mas que é tão clara. Eu sei. Atribuo a isso a maneira como cresci lá dentro, o fato de estar dançando com mais confiança do que em todos esses anos. Nos outros lugares, os bailarinos ensaiavam muito mais e conseguem muito menos; eu acho que o segredo está no relacionamento que a Cris tem com os alunos. Ela acredita que faremos o melhor e vamos lá e fazemos. A coisa muito óbvia que descobri nessa altura da vida é: o quanto é importante para um aluno sentir que o professor o percebe como alguém capaz.