Descoberta

Às vezes eu descubro algumas coisas na minha vida de dona de casa e tenho vontade de compartilhar, penso até em escrever um blog com esse tema. Aí penso que o blog se chamaria algo como “Redescobrindo a roda”, porque tanta gente já deve fazer isso há décadas e eu acho que é inédito. Como limpar azulejos de banheiro com bombril ou congelar o feijão em potinhos pequenos, sem tempero e só temperar na hora de comer. Por isso que qualquer ator ou comediante global tem filhos e já sai escrevendo almanaque para os pais. Pouco importa se outras pessoas já sabem, quando a gente descobre uma coisa é sempre a primeira vez. Pelo menos para nós.

Comecei falando da descoberta de obviedades para vocês perdoarem antecipadamente uma que eu contarei aqui. É sobre ensinar, sobre a relação professor-aluno. Eu ouvi e estudei na faculdade o quanto o professor é muito importante: deve ter uma atitude de aceitação, porque as expectativas ruins que ele tenha dos alunos se refletirão no desempenho deles; vocações e talentos podem ser perdidos com isso. Mas isso nunca me disse muita coisa, não me causavam qualquer sentimento por estarem muito distantes da minha história. A escola foi um período bom pra mim. Como aluna, sempre fui daquelas que sentava na primeira carteira, interagia pouco com os colegas e entregava tudo no prazo. Hoje acho que faltou alguém olhar pra isso e achar que eu era fechada demais, mas, normal ou anormal, é desse tipo de aluno que as escolas gostam. O aluno ideal é quietinho e concentrado.

Em resumo, passei toda a minha vida escolar como preferida, ou no mínimo uma boa aluna. Receber dos professores respeito e boas expectativas era o natural. A coisa mudou radicalmente quando decidi dançar. Outro tipo de habilidade, outros valores. Timidez não é uma qualidade pra um artista. Some isso com o preconceito imenso que existe na dança que escolhi – ballet – com idade, peso e tipo físico… Fui para o extremo oposto, de boa aluna a aluna non grata. Continuava a mesma pessoa: a que não incomodava ninguém, quietinha e concentrada. Mas ser preferida estava totalmente fora de questão. Eu era claramente um peso (nos dois sentidos). Os professores não sabiam o que fazer comigo; não queriam a minha presença e nem podiam me expulsar.

Eu continuei no ballet por quase quatro anos, apesar de tudo. E é tão ruim ficar num lugar apesar das pessoas. Aí eu fui pro flamenco, que tem outra maneira de ver a dança. Ninguém me achou velha, ninguém me achou gorda, ninguém me achou errada. E a minha professora, a Cris, é uma pessoa naturalmente amorosa. Ela vê em mim um potencial, e sei que ela vê potencial em cada aluno. É uma coisa que não se diz com palavras, mas que é tão clara. Eu sei. Atribuo a isso a maneira como cresci lá dentro, o fato de estar dançando com mais confiança do que em todos esses anos. Nos outros lugares, os bailarinos ensaiavam muito mais e conseguem muito menos; eu acho que o segredo está no relacionamento que a Cris tem com os alunos. Ela acredita que faremos o melhor e vamos lá e fazemos. A coisa muito óbvia que descobri nessa altura da vida é: o quanto é importante para um aluno sentir que o professor o percebe como alguém capaz.

Outro mundo

Quando eu não gosto das coisas que estou fazendo, das pessoas com quem estou me relacionando, das opções que tenho pela frente, gosto de me lembrar que existem outros mundos. Alguns deles estão há poucas horas de mim. Se eu sair de onde estou e ir para um lugar diferente, as pessoas terão outras relações, me verão de forma diferente, tudo pode ser diferente. Até os sons podem ser diferentes. Gosto de lembrar que onde estou é apenas um pequeno mundo, dentro de um cheio de possibilidades.

Indicação da Isabel.

Metáfora astrológica

Não deixa de ser irônico que eu tenha estudado tantas coisas místicas e sinta que eu as entendo melhor hoje, quando não vejo importância. Astrologia é uma delas. Eu sabia o significado das casas, dos planetas, dos signos, um pouco da mitologia grega necessária, mas em algum lugar dentro de mim nada disso era muito claro. Eram peças e eu não conseguia juntá-las. Talvez hoje eu consiga porque cresci com essas noções e em algum lugar interno as idéias foram amadurecendo; pode ser apenas porque eu era adolescente quando li e nessa fase a gente entendas as coisas de maneira muito superficial (embora se ache um gênio). Uma questão que sempre me intrigou foram as casas. Bem, terei que dizer umas coisinhas básicas de astrologia.

São 12 signos, que todo mundo já conhece. Cada signo corresponde a uma casa, logo, são 12 casas. Áries é o primeiro signo, e a primeira casa é simbolicamente ligada a ele. É a casa do eu, da personalidade, da maneira como as pessoas nos vêem, do impulso criativo. Touro é o segundo signo e a segunda casa é ligada a ele, e diz respeito às finanças, ao prazer, à terra, às posses. E assim por diante. Só que o signo e a casa mudam de posição conforme a posição do ascendente. É como se girasse uma roda dentro de outra roda. O ascendente é colocado no lugar da primeira casa:

No exemplo de cima, dá pra ver que a casa 1 tem dois signos. Isso porque o ascendente pode não ficar inteiramente encaixado na casa. Tudo depende do horário de nascimento. Nesse exemplo que eu coloquei, o ascendente da pessoa é Câncer. De resto, os signos seguem a ordem de sempre. As casas ficam assim, umas maiores do que as outras, por causa das posições dos planetas:

Agora ficou uma complicação, né? Mas o que eu quero mostrar é bem simples. Vejam que algumas casas estão cheias de risquinhos e outras estão vazias. Não têm planetas lá, não têm nenhum risquinho indo pra lá. Nessa figura que eu coloquei, não têm nada nas casas 4, 5, 6 e 7. Isso quer dizer que o assunto relativo àquelas casas não é relevante na análise astrológica.

Era esse ponto que eu não entendia, essa coisa de não ser relevante. Então se a pessoa não tem nada na casa ligada à carreira (casa 10), isso quer dizer que ela não vai ter carreira, ou que a carreira dela vai ser ruim? Não. Ela pode ser desempregada, pode ter um emprego ruim, pode ter um emprego bom, mas de qualquer maneira a carreira que ela seguir não será um assunto importante na sua vida. Outras coisas absorverão mais a sua energia.

Eu não entendia como isso era possível porque na época eu não tinha notado que as pessoas são monotemáticas. A vida possui aspectos inumeráveis, mas cada um só se preocupa com meia dúzia de coisas. Ou menos. Blogs pessoais mostram isso de uma maneira constrangedoramente clara. Você sabe que não vai ler aventuras sexuais no Caminhante Diurno. Ou dicas de moda no Belos e Malvados. Assim são os blogs e as pessoas: cada um é focado em algumas poucas coisas. Veja o caso da fama: ser famoso pode acontecer por acaso pra uns, muito mais provavel para quem a busca; pode ser motivo de frustração ou completamente indiferente na vida de outros. Já conheci uma que viajava o mundo e que não via nenhum valor nisso, porque o que ela queria era ser mãe. A importância das coisas não está na opinião dos outros, na quantidade de dinheiro que se consegue ou nos traumas de infância, necessariamente. O foco da vida de alguém está onde ela lhe dá mais importância. Para a Astrologia, onde ela tem mais planetas.

Como estragar uma amizade

1º passo: tenha um amigo. Funciona melhor se for um amigo de longa data, daqueles com quem você dividiu alegrias e tristezas, que tem muitas coisas em comum e mantém contato, nem que seja apenas virtual. Mas se não der, você pode estragar a amizade com um quase estranho, uma que ainda está nascendo e você arranca a bichinha pela raiz e ainda joga sal em cima.

2º passo: crie uma situação. Pra isso é preciso que você interaja com o amigo, e ele de alguma forma te fruste. Mas nem precisa ser uma frustração real, como tentar marcar alguma coisa e ele não poder ir. Pode ser uma frustração puramente imaginária. Você pode esperar que ele adivinhe o que você está pensando, que faça um favor que você nem ao menos pediu, ou que tome uma iniciativa qualquer. Basta que você acreditar que receber isso é um direito e que o amigo tem o dever de te atender com toda paciência.

3º passo: surte. Faço o contrário do que uma pessoa razoável faria. Dê as costas na hora que deveria ficar, ou jogue a culpa no amigo por uma situação que você criou. Seja carente e exija que naquele mesmo instante uma prova de amizade – daquelas que a pessoa tem que esquecer que tem orgulho. O que realmente jogará merda no ventilador será transformar uma situação pequena numa tragédia. Não seja proporcional. Diga pro seu amigo tudo o que lhe vier na cabeça, sem o menor cuidado. Vale qualquer coisa, até xingar de curitibano. Faça uma análise psicológica profunda e negativa, fale mal da maneira como ele se relaciona com a família (mesmo que ele nunca tenha te falado da família), jogue na cara suas incoerências (todos têm), revise fatos do passado de uma perspectiva totalmente maldosa.

4º passo: volte atrás. Depois da acusação, seu amigo já é quase um ex-amigo. Ele estará muito surpreso de ter sido tratado daquela maneira, e de saber que é assim que você o vê. É provável que ele se defenda. Aí nesse instante você recua – perceba que recuar não é retirar o que disse. Haja como se tudo fosse um engano – diga que ele interpretou mal os teus gestos e palavras, que em nenhum momento você não quis ofender. Alegue TPM ou problemas no trabalho. Faça de conta que aquilo não foi nada, que chamar a pessoa de egoísta é algo à toa, que amigos sempre fazem isso. Faça de conta que tudo está como antes. Além de não se desculpar, você também estará chamando o seu amigo de trouxa.

Pronto! Caso o seu amigo ainda fale com você (eu não falaria), a amizade nunca mais será a mesma. Ele saberá que você é surtado e sob qualquer pretexto se dá ao direito de magoar quem está por perto.

Simples

Com o celular foi assim: eu tinha um plano pós-pago básico que permitia um certo desconto na hora de trocar de aparelho. O meu celular nunca foi top de linha, mas procurava chegar perto. E isso continuou até o dia em que eu comprei um belíssimo LG, todo branquinho, com um menu em roda, um celular que todo mundo pedia pra ver de tão lindo. Mas, como todo LG que se preze, era um celular bonitinho e ordinário. Era complicado de usar, vivia acessando a internet por engano, a bateria acabava inesperadamente. Mas o que encheu mesmo o saco foi quando ele começou a apagar assim que fechava e passou a perder o sinal à toa, pra nunca mais achar. Decidi abandonar todos esses problemas e peguei um Nokia antigo, do tempo pré-mp3. Eu o adoro: acende luzes do lado quando toca (sou teen), a bateria dura infinitamente e nunca me deixou na mão. Agora tenho um plano mais básico ainda, que não me dá desconto em aparelhos. Por isso, não tenho previsão de trocar de celular.

Estou por fora do mundo dos celulares e isso é bom de uma maneira que eu nem imaginava. Pouco me importa se tem lançamento, quanto custa, o que fazem. O celular é apenas um exemplo de várias coisas na minha vida que eu enxuguei. O motivo inicial foi uma pindaíba; hoje a coisa cresceu e virou um estilo de vida. Vou ao shopping como quem vai à exposição – acho tudo muito bonito, mas sem aquela ansiedade de comprar. Era difícil gostar das coisas caras, me esforçar para comprá-las, e depois me sentir mal estava estourando o orçamento e abrindo mão de coisas importantes no futuro. É como se antes eu estivesse numa piscina que quase não dá pé, quase sempre me afogando. Achar que merece do melhor e só ter dinheiro para o bom, querer sempre um pouco a mais do que se tem é desgastante. Um lado meu se sentiu muito pobre em ter que se assumir mais C&A do que Siberian. Quando esse sentimento passou, ficou o alívio de viver com os pés no chão.

Galinhas

Nunca mais olharei as galinhas da mesma forma. Nunca.

Em 1922, o ano em que Mussolini ascendeu a primeiro-ministro, Schjedelrup-Ebbe mostrou como as galinhas, mesmo famintas, permitiam ao seu líder (a galinha “alfa”) comer primeiro e não ousavam interferir até que ela houvesse acabado; se o líder fosse removido, nem assim as galinhas comiam logo, preferindo esperar até que a “beta” enchesse o papo, e assim por diante, em escala descendente. A ordem das bicadas das galinhas mostrou-se tão rígida quanto num exército, a tal extremo que, quando afastada por algumas semanas e depois devolvidas ao grupo original, cada uma retornava de imediato à velha hierarquia. Como recompensa, o rebanho vivia em paz, não brigava por comida e produzia mais ovos. O preço era o da injustiça. As que estavam no fundo da hierarquia não somente tinham menos pra comer, mas também prole menos numerosa, sofriam de estresse, deterioravam-se fisicamente e, em momentos de perigo – quando a comida escasseava, quando a população ficava muito densa – transformavam-se em bodes expiatórios e eram atacadas sem misericórdia.

Theodore Zeldin
Uma história íntima da humanidade p. 128-129

Pensamento 1: Estar por baixo é sempre ruim, mesmo pra quem é galinha.

Pensamento 2: Será que todo mundo que tem galinha percebe essas coisas, e o Fulanorup só fez colocar no papel?

Pensamento 3: Todo bicho, de perto, deve ter suas idiossincrasias. Diz o Ricardo que até os peixes reconhecem a mão que os alimenta.

Quem precisa de comentários?

Desde que parei de receber comentários no meu blog, passei a ter preguiça de escrever no blog dos outros. E como toda pessoa que abandonou uma atividade, passei a olhar os comentadores frequentes de blogs como pessoas estranhas. Sim, é estranho. É mais prático passar reto, ou recomendar aos amigos, ou comentar com a pessoa que está próxima. Já sentar e escrever um outro texto porque leu um texto é estranho. Às vezes é porque somos virtualmente bastante tagarelas, e gostamos da audiência. Em alguns blogs os comentaristas se conversam e isso acaba sendo mais interessante do que a própria postagem. Mas muitas vezes – percebi depois que deixei de comentar – comentamos em blog por uma certa ansiedade. Ver aquele 0 comentários fazia mal à minha auto-estima, então eu imaginava que todos sentiam o mesmo e nunca queria deixar ninguém no zero. Não que eu seja tão empática e adivinhona assim, existem por todos os lugares queixas contra a diminuição dos comentários, banners que os comentários são a alma do blog e gente que diz claramente “poxa, fiz um baita post e vocês nem para irem lá dizer alguma coisinha”?. Que saco!

A maioria dos leitores são os silenciosos. O fato de serem silenciosos não quer dizer que eles não acharam muito bom, não mandaram pros amigos, que não refletiram por causa de um texto. Comentários dizem muito mais à necessidade de aplauso dos próprios autores. É como aquele amigo chato que está sempre dando deixas para ser elogiado – o resultado disso não tem tanto valor assim.

Coração

De acordo com o Livro dos Mortos do Antigo Egito, a pessoa que morria passava numa prova para testar sua pureza. Seu coração era colocado numa balança, e na bandeja oposta uma pena. Somente aqueles com o coração mais leve do que de uma pena poderiam usufruir do paraíso. Apesar de nunca termos falado disso, foi uma rosacruz que trouxe essa história de volta à minha lembrança. Quando a conheci, ela já era uma vovó. Essa senhora me falava muito do seu ex-marido, de quase trinta anos atrás, um viúvo que tinha o dobro da idade dela. “Nunca case com um viúvo. Viúvo é resto de defunto”. Ele era um médico importante e ela começou a fazer medicina para estar com ele. O grande amor da vida desse homem tinha sido a sua primeira mulher – eles eram vizinhos, cresceram querendo se casar e ainda crianças escalavam o muro para se desejarem bom dia. Pelas coisas que aquela senhora me dizia, esse médico foi uma das grandes personalidades da sua época, dessas que a história não guardou: inteligente, empreendedor, bondoso, grande especialista na sua área, admirado por todos. Ela o amava, o admirava e se sentia perfeitamente feliz ao lado dele. Ele dava aulas, viajava, coordenava um monte de coisas e era um homem ocupado. Ela, muito compreensiva, nunca viu nada de mau nas ausências do marido. Até que – quando ela estava no final da gravidez – a levaram para conhecer a amante dele. A mulher lhe falou tudo, quem era e o que sabia da intimidade de ambos, mas ela não acreditou. Ela só conseguiu aceitar a verdade quando a mulher lhe mostrou todos os presentes que havia recebido. O marido sempre comprava presentes iguais para as duas. Ela saiu de casa para nunca mais voltar. Quando o filho nasceu, irritada com a demora do ex-marido em registrar a criança, ela pediu ajuda a um amigo e o registrou com o nome dele.

Eu não entendia como ela podia falar desse homem com tanto carinho. Era um canalha. Por esse grande homem ela nunca mais se casou, não aceitou mais ninguém ao seu lado. Sua maneira de ver a situação me remetia ao Livro dos Mortos: “Quando a gente pesa o nosso coração numa balança, e coloca lado a lado tudo o que de bom e ruim que alguém nos fez, se a parte boa ficar um tantinho assim maior do que a ruim, essa pessoa já é alguém para se lembrar com carinho”. Ela guardou a maneira como ele sorria, como a punha no colo e a acalmava, como dedilhava um sambinha no violão.

La chicha de la bicha

Adoro a cantante Bebe e em geral procuro e entendo o que ela canta sem ter que recorrer à letra. Nem que para isso eu tenha que ouvi-la repetidas vezes, o que não é difícil para quem gosta de uma música. Só que havia uma que resistia à todas as minhas tentativas. Quis adivinhar do que se tratava, e a música é toda libertaria, toda feminina, toda falando de uma força e sensualidade inerente às mulheres. E mesmo assim as tais palavras do refrão me escapavam. Fui obrigada a buscar a letra da música, e de fato ela falava aquilo mesmo que eu não entendia: no subestime a esta bicha, aunque tenga poca chicha en la cintura. Não subestimar quem? Ainda que tenha pouca o quê na cintura?

Procurei em dicionários, traduções e conhecidos que falavam espanhol, e ninguém fazia a menor idéia do que queria dizer isso. Só sabiamos que eram gírias. Por causa do clipe comecei a imaginar que bicha era alguma expressão para mulher e chicha poderia ser algo como molejo. Quem resolveu o mistério foi um amigo sevillano. Bicha, como era de se esperar, não tem nada a ver com gay ou qualquer coisa nesse sentido. Bicha é uma mulher baixinha e magra, o que nós chamariamos de mignon (acho). O sentido de chicha é ainda difícil de adivinhar, e tem tudo a ver com a magrela da Bebe. Quer dizer “gordurinha gostosa de se pegar”, que pode ser na cintura ou em outras partes do corpo.

Não é legal existir uma expressão pra dizer que mulher tem gordurinha gostosa de pegar? Eu acho. Os homens não precisam ser lembrados disso, pelo menos não tanto quanto nós. Vejo no gosto pelas mulheres-fruta uma certa forma de resistência por parte deles, uma forma de dizer: nós queremos ter aonde pegar! Já nós buscamos a secura total. Nós, mulheres, achamos que estamos gordas quando calças baixíssimas e apertadas não nos ficam bem, deixam pele pulando pra fora. Daí concluímos que aquela pele é ruim e não a calça; como se o corpo fosse feito para a roupa e não o contrário. Por causa da chicha, fazemos abdomiais, aeróbicos, lipo e tomamos doses de testosterona. Só no peito e na bunda admitimos volume – o resto que suma, fique famélico, mostre apenas músculos e ossos.

Eu sei que sou repetitiva com esse assunto, mas é que as mulheres também são repetitivas com ele. Por favor, parem de aceitar tão passivamente esse padrão de beleza irreal e agressivo em que vivemos.

Sofrimento canino

Um dia li um manifesto de amor pelos cães, que adoraria colocar aqui se lembrasse onde foi. Num dos itens dizia que era importante estar com o cachorro nos seus momentos de dor. Que por mais que pro dono seja difícil ver o seu cachorro levar uma injeção, pro cachorro é ainda mais difícil ser deixado a sós pra receber uma picada dolorosa que ele nem sabe pra quê. Nesse sentido donos de cães se sentem um pouco como pais de bebês, porque quando eles sentem dor não dá pra perguntar aonde e nem porquê. E quando precisamos infringir alguma dor, porque será melhor pra ele a longo prazo, também não podemos explicar, podemos apenas tentar suavizar. Os cães sofrem sempre sem saber o porquê. E isso não pode ser evitado por mais amor que exista.

Mas nem sempre dá pra explicar as coisas, e não estou falando apenas de lidar com seres de outra espécie. Algumas pessoas fazem questão de nunca ouvirem explicações. Porque pressentem as explicações e saem correndo, porque deturpam o sentido de tudo que lhes é dirigido, porque se vitimizam demais, porque se colocam num pedestal, enfim, os motivos são muitos. Ou o problema pode ser do lado que devia falar: porque não gosta de se explicar, porque acha que não deve explicações, porque quer ser ouvido de uma maneira muito especial. Aí você combina as duas situações: uma pessoa que não ouve, um fato, uma pessoa com pouca disposição para explicar. O resultado disso é um sofrimento canino.

PS: A Terla não deixou por menos e me mandou os mandamentos que eu citei no post. Veja aqui.

Almofada de linhaça para aquecer

Eu ganhei a minha de presente e já senti que a minha vida mudou – esse inverno de temperatura perto dos zero graus já não será tão penoso pra mim. Como é bom e barato, me senti na obrigação de dividir. Vai aí a receita da almofada:

Almofada de linhaça
  1. Costure um saco de algodão, de preferência comprido.
  2. Deixe um dos lados do saco aberto, para que você possa abrir sem descosturar (quando for trocar a linhaça). Feche com uma fita ou elástico – não pode ser com algo metálico.
  3. Preencha o saco com uma grande quantidade de linhaça, até fazer a almofada ganhar forma. Pode ser a linhaça mais barata que você encontrar. Ela deve estar inteira, se for farinha de linhaça não funciona.
  4. Para esquentar o saco, basta colocar no microondas. O minha tem uns 3 kg de linhaça e eu deixo 3 min. Fico com um cheirinho gostoso e o calor dura muitas horas.
  5. Pronto! Agora é só ficar abraçada com o saco, colocar no colo, na barriga, deixar o gato deitar em cima… É muito bom colocar debaixo das cobertas pra esquentar a cama antes de dormir.
Dura por tempo indeterminado. A almofada mais antiga da qual eu tive notícia durou quase 4 anos, e só teve que ser aposentado porque estava descosturando.

PS: coloquei esse post no blog da Sonia Hirsch e descobri algumas coisinhas:
MaFê: linhaça é precível, pode dar gorgulho/caruncho, bacana trocar o recheio a cada 2 ou 3 anos. (Não sei se de esquentar no forno ela fica mais tempo preservada porque ‘assa’. Alguém sabe?) Abre a almofada, esvazia no jardim, que se a linhaça brotar dá lindas flores roxas, e enche com linhaça ‘nova’.
E a Sonia disse que dá pra aquecer no forno convencional também.

Os foras

Imagine que combinação: eu faço o gênero super-sincera e o Luiz dá foras homéricos. Ele é daquelas pessoas que não consegue fazer cara de paisagem e solta as exclamações de surpresa, ou que faz a brincadeira na hora e na frente da pessoa errada. A primeira vez que eu percebi isso nós ainda éramos namorados. Uma amiga minha estava namorando um cara com idade pra ser seu pai. O coroa cheio de botox, a quem chamavamos de Esbagaçado, nos recebeu no seu apartamento enorme e bem localizado. Tudo lá cheirava novo, caro e decorativo. Comeríamos comida japonesa. No meio de todo aquele clima, o Esbagaçado pediu aos convidados (nós) irem até a coleção de CDs pra achar uma boa música ambiente. Quando o Luiz vê coleção cheia de Leandro & Leonardo, Daniel, Família Lima e afins, não se contém e solta um “Nossa!”, acompanhado pela cara de nojo correspondente.

Aí eu me vejo obrigada a tentar alertá-lo com antecedência. “Olha, nós vamos pra casa da Fulana e a família é muito brega, então segura a cara quando enxergar o coqueiro entalhado!”. Quando eu aviso, tudo sai bem. Mas tem coisas que só da pra decidir na hora. Ele sabe, por exemplo, que não gosto de encontrar com um primo, que insiste em frequentar os mesmos lugares que nós. Mas o Luiz nunca lembra da cara do meu primo, diz que “se visse, passaria por cima”. Um dia estavamos no Shopping Barigui, andando naquela parte do meio e vejo que cruzariamos com meu primo há poucos metros. Agarro o braço do Luiz e tento levá-lo discretamente para a outra direção. Ele resiste e fala em voz alta: “Não, por aqui fica mais longe, nós vamos ali em frente!”, eu continuo puxando e começamos um cabo de guerra no meio do shopping. Discretíssimos.

Agora a pior de todas as vezes mesmo, foi o caso de um amigo que tinha passado uma temporada sumido. Depois soubemos que ele tinha ficado internado numa clínica psiquiátrica. Nunca soube direito o porquê, só sei que ele deu uma surtadinha. Fomos a uma reunião com vários amigos, conversamos a tarde inteira e na volta demos carona a esse amigo. No caminho, passamos pelo Hospital Psiquiátrico Nossa Senhora da Luz, o Luiz resolve ser engraçadinho e diz:
– Olha lá o Hospital de Louco. Alguém quer ficar por aqui?

Solidariedade estranha

Quando uma mulher está com um cisto enorme no seio, faz biópsia e ela dá um resultado chocante e muito ruim, e a mulher tem que tirar o seio, é sinal de que ela está com um tumor maligno, né? Se sim, eu conheço uma mulher que está com um tumor maligno. E finjo que não sei. Na verdade essa história se arrasta há quase um ano, quando apareceu no seio um inchaço que deixou a mama tão sensível que não dava para encostar. O inchaço foi crescendo e se tornou tão grande que ocupa quase o seio inteiro. Ela foi à vários médicos, usou de métodos alternativos e a parte inchada endureceu e parou de doer. Os médicos não estavam muito seguros pra operar, por causa do tamanho. Entre tirar ou não tirar, outro médico pediu outra biópsia e a partir daí eu apenas vi e ouvi coisas. Vi-a recebendo a solidariedade de muitas pessoas, vi dizendo que foi um choque e que agora se conformou, que a operação já está marcada. Como não nos encontramos em horários que normalmente nos veríamos, não sei se ela não me contou por simples desencontros ou decisão não me contar. Acredito na primeira hipótese, porque ela não também nunca escondeu. E eu não perguntei.

 

Pode parecer puro comodismo ou insensibilidade, mas faço isso por solidariedade. Uma solidariedade estranha, eu sei, mas na qual eu acredito. É que quando meu irmão sofreu acidente de carro, foi parar na UTI, quase morreu e etc, minha vida ficou interrompida. Fui eu quem assumi essa carga durante os primeiros meses. Era eu que o visitava, era eu que falava com os médicos, era eu quem passava a notícia para os outros. Por isso todos à minha volta sabiam o que estava acontecendo – minha família, a família do meu noivo, meus amigos, os vizinhos, os porteiros, pessoas que eu nem conheço. Sempre que eu precisava interagir com alguém, o outro me olhava com aquele olhar – um olhar solidário, um olhar de pena, um olhar de alguém de quem olha pra alguém numa fase difícil. Não que isso tudo não fosse verdade e eu não chorasse todos os dias, mas ver o meu drama refletido no olhar dos outros às vezes me era pesado demais. Às vezes eu precisava, e outras vezes não. Momentos de grande sofrimento são assim, nada nunca satisfaz completamente. Eu precisava sim de compreensão, mas em alguns momentos eu sentia falta de ser uma pessoa comum. De que me tratassem normalmente, que me falassem trivialidades, que em algum momento do meu dia eu não fosse aquela-cujo-irmão-está-entre-a-vida-e-a-morte.

 

Eu sou a que conversa com ela sobre as 25 maneiras de amarrar um lenço, ou coisas da TV. Para perguntar da operação, ela já tem todos os outros.