Quando começaram a aparecer shorts nas vitrines de Curitiba, eu jurei que aqui essa moda não pegaria. Quem está ou esteve aqui há pelo menos vinte anos entende o que estou dizendo. O verão nunca ultrapassava os 25º C e nem os panos subiam mais do que um palmo acima do joelho. Esse comprimento, em público, já fazia as mulheres receberem tantos e tão insistentes olhares que era quase como sair nua. Com uma cidade tão fria, nos dois sentidos, é muito fácil manter uma moral muito mais pudica em relação a cobrir os corpos. Me parece que aqui, mais do que em outros lugares, se leva muito mais à sério a imposição de esconder todo corpo que não segue o Padrão Ego. Uso uns sunquinis enormes pra nadar; eu diria que a diferença deles pros maiôs é apenas que mostro umbigo. Mesmo assim, sou a Leila Diniz da minha escola – “você é aquela moça que nada de biquini, né?” Esse meu hábito já me fez passar por alguns episódios desagradáveis: passaram “por acaso” a mão em mim algumas vezes, me comeram com os olhos de maneira bastante ostensiva, fui abordada por homem casado. Pela lógica deles, se eu fosse mulher séria não estava mostrando, né? Outra visão é a de que eu mostro porque “estou podendo”. O que há por detrás da minha atitude – e que ninguém entende – são duas vivências determinantes na minha forma de entender o assunto:
Lembrança 1: Estou cercada de pessoas, praticamente todas mais bronzeadas do que eu. Sou um pontinho branco – ou bastante vermelho, no espaço de algumas horas – no meio da multidão. Homens e mulheres passam por mim com poucos panos coloridos cobrindo seus corpos. Algumas estão na areia, pegando ainda mais sol, o que chega a ser aflitivo; outras estão no mar, jogando frescobol, conversando com amigos ou cuidando dos filhos. Algumas dessas mulheres são mulatas incríveis, com corpos tão lindos e tentadores que nos fazem entender a mística em torno delas. Também com panos poucos coloridos, passa por mim a vovó, que tem o corpo todo marcado pelo tempo. Lá vem correndo a menina barrigudinha, seguida pela sua mãe, que tem o corpo diferente da pré-adolescente, que não se parece nada com a quarentona. Tem mulher de seio pequeno que mal segura o top, mulheres de quadris enormes, mulheres com pelos loiros, mulheres, enfim, variados tipos, idades e histórias de corpos. Todas estão curtindo a sua praia. Todas estão de biquíni.
Lembrança 2: Olho para as pessoas – ao cruzarem comigo na ruas, conversando entre si nos ônibus, dando entrevistas na TV, almoçando em restaurantes por quilo, atendendo o telefone no balcão da loja – e tenho vontade de pedir que posem para mim. De tanto passar o dia inteiro esculpindo e estudando a anatomia humana, as pessoas se tornaram modeláveis para mim e tenho a impressão de que todos têm corpos de barro que podem ser mexidos e acrescentados. Como se apenas um gesto no local e profundidade certos fossem capazes de alterar peles e músculos. Só que os corpos que me chamam atenção não são os que comumente se considera belos, ao contrário: o corpo liso e jovem é sem graça, é uma folha sem linhas. Nos corpos de plástica é pior, pois vejo a ação do bisturi, que não respeita proporções, tira demais e uniformiza. Os corpos que tenho vontade de eternizar são aqueles que me dão histórias num simples olhar. Vejo nobreza em rostos enrugados, mãos fortes que sustentam o mundo, quadris acolhedores, ingenuidade em lábios repuxados pra cima. Não quero o belo de revista, que se esgota na página seguinte – busco o belo do singular, do conteúdo que transborda, do espírito que marcou a matéria.
Por isso que quando fui convidada a escrever sobre a beleza feminina saiu isso.
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