A beleza do entorno

entorno

Acredito que a beleza tenha propriedades mágicas, que seja uma busca tão básica do ser humano como se alimentar e amar. Colo aqui um texto que escrevi em 25/abril/2016, chamado Beleza x Função:

Quando dizem que sem a beleza o mundo pode existir perfeitamente, as pessoas mais “de humanas” costumam ficar sem saber o que responder. A minha resposta é: cite ou me mostre, em qualquer tempo ou lugar, uma civilização onde as coisas sejam só funcionais. Onde a construção seja apenas uma cobertura, o caminho seja apenas um amontoado pra pisar. Mesmo da mais simplória das civilizações, já viu um vasinho que seja apenas um oco sem cor, sem simetria, sem textura? Não existe essa data anterior à beleza, a fase do funcional puro, onde apenas a partir daí começa a preocupação com o luxo que é fazer as coisas serem bonitas. Nós queremos mais. Sempre que possível, o homem tenta tornar o que o cerca belo e especial.

Acredito que a bandeira do belo é tão ou mais importante quanto a bandeira dos acadêmicos. Mesmo no meio da guerra (li há pouco A guerra não tem rosto de mulher) o ser humano não deixa de procurar a beleza, de ser subitamente arrebatado por ela, ser tocado de esperança na presença dela. O simples estar num lugar feio ou bonito nos afeta, mesmo que se feche os olhos, mesmo que se diga a si mesmo que é assim. Nesse “é assim” cabe tanta coisa, tanta injustiça. A pobreza é feia – feia na roupa, feia no corpo, feia na casa, feia na rua. Quando a coisa é feita com o que dá, com o que sobra, fica difícil deixar bonito. Vejo os programas de decoração, as transformações, e ninguém fica indiferente à sensação de viver num ambiente bonito, de ter orgulho de onde você está. Pena que isso não é – ainda? – considerado um direito inalienável do ser humano.

Homens bonitos vendendo produtos

a gente junto

Constatei o óbvio nas últimas semanas: é muito difícil dizer não pra gente bonita. Um foi na padaria. Lá tem uns potinhos com um negócio que parece waffer, mas bem caramelizado, não sei explicar. Acho que é uma sobremesa holandesa, é daqueles lados. De tanto passar por eles acabei comprando, e gulosa que sou comi tudo de uma vez e fiquei enjoada. Aí um dia fui na padaria e tinha um banner daquilo, com um lindo rapaz loiro sorridente e, ao lado do banner, justamente o rapaz, pra dizer que é ele quem faz e é receita familiar. Pode ser mentira, porque hoje em dia dizer que é receita familiar gourmet está na moda. Eu fugi, tive que desviar do meu caminho – se ele me oferecesse aquele troço olhando fundo nos meus olhos, teria que levar uns três. Sempre achei o cúmulo da idiotice machista quando homem fala isso. Mas ali, com aquele rapaz, eu não teria coragem de dizer que não queria. Pior ainda dizer que tinha comido e achado enjoativo, vai que ele parava de sorrir por minha causa, uma estrela se apagaria no céu. Outro foi um moreno lindo. Tive que ir no banco buscar um cartão novo e levou muito tempo, a situação absurda de uma agência do centro com apenas um caixa atendendo. Quando chego, sen or, que caixa. Ele me entregou o cartão e queria que eu fizesse um seguro contra roubo, clonagem de cartão, sequestro alienígena, daqueles que a gente paga uma taxa mensal. Ele aproximou os olhos do vidro e fixou o meu olhar com aquele rosto perfeito, olhos amendoados, cílios grandes. Foi uma batalha interna dura, mas a mesquinharia venceu. Ele não estaria lá para olhar de novo pra mim quando a fatura chegasse.

Defeito

Eu estava disposta a crushzar meu crush à distância até a morte, mas minhas amigas não se conformaram e queriam a todo custo me aproximar dele. O plano era mostrar a ele um dos meus textos, ele ia achar o máximo, iria atrás do meu perfil, descobriria que eu sou eu, me adicionaria e então eu poderia falar com ele sem parecer uma desesperada. Aí quiseram deixar o meu Facebook mais interessante, colocar uma foto bonitona. Eu nunca entendi muito a lógica de foto bonitona diante de um homem que já nos viu ou verá, só pra ele pensar que uma boa maquiagem e o ângulo certo são capazes de milagres. Enfim, mas eu sou eu, uma tonta que se conforma em jamais se declarar. Minha amiga veio aqui, me fez colocar uma roupa que mostrava o colo, me mandou segurar livro, jogar a cabeça para trás como se estivesse gargalhando, me postar diante do espelho, olhar pra cima, olhar pra baixo, colocar a mão aqui e ali. Eu estava me sentindo desconfortável, mas eu ficar desconfortável em foto é o meu normal. Depois de várias poses e fotos e nenhuma parecer estar boa, ela me falou que eu sei que ela é super sincera mesmo e sinceramente meus cabelos brancos me deixam com uma baita cara de velha e ela estava tentando disfarçar. Assim que ela falou, vi que ela fez uma cara de quem se arrependeu, provavelmente porque eu fiz uma cara de quem se magoou. Meu cabelo fica realmente estranho, tenho fotos onde ele está totalmente branco e em outras é como se ele fosse castanho. Então, eu entendi que há verdade no que ela disse. Mas ao mesmo tempo, se um dia quiser uma foto bonitona minha, já sei que temos concepções diferentes. Se eu achasse que meu cabelo é algo a se envergonhar, a ser disfarçado e escondido, eu pintaria. É a diferença de quem vai tirar foto de uma mulher gorda e manda ela ficar de lado, de preto e ângulos de cima pra disfarçar ou coloca um biquíni e tira foto na praia. Eu sei que a primeira opção é mais fácil de absorver. Eu tenho uma faixa branca, bem no meio da testa, e eu disfarçava usando sempre franja. Um dia puxei ela para trás na frente dos meus amigos Elson e Flávia e o Elson soltou um “que lindo” muito espontâneo. A Flávia recriou esse efeito com mecha o quanto pode, até detonou o cabelo. Por ironia da natureza, eu e ela temos a mesma idade e a Flávia que quase não tem cabelo branco adoraria ter porque acha a coisa mais linda. Se eu me acho linda? Quando me olho no espelho, me sinto de novo com cabelo cheio de mechas, o que fiz apenas uma vez na vida – poucas semanas depois pintei tudo, parecia cabelo branco… Levei um tempão pra absorver, tenho dias e dias, mas hoje quando me dá na telha prendo a franja para trás, exibo mesmo. Feio ou bonito, é o que me convém hoje. É meio:

ser aceito e popular

A árvore que cai na floresta vazia

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Antes de mais nada: a atitude mais antifilosófica que pode existir é a resposta imediata. Este é um dos grandes males do nosso mundo hoje, talvez a origem: a necessidade de responder de uma vez que sim ou que não. O zen – pelo menos o zen com que sonhei a minha vida inteira através dos livros – trabalha justamente com a atitude contrária. Ele tem os chamados koans, que são perguntas que podem não fazer muito sentido e que servem de objeto de meditação para o discípulo. Num deles, se perguntava se Buda realmente existiu. Acho forte pedir para alguém que largou tudo e se propôs a uma vida monástica colocar em dúvida se o ser que teria dado origem à sua religião. Aqui, do lado cristão, as pessoas agem como se Deus fosse ficar ofendido.

Depois de anos sem ler sobre o zen, me pego com este koan dançando na mente:

Se uma árvore cai numa floresta e não tem ninguém lá para ouvir, será que ela faz barulho?

Eu vi e testemunhei momentos lindos. Tive uma professora de balé que quando se aproximava da barra para mostrar um exercício modificava a ar à sua volta de uma forma que céu e terra se encaixavam. Conheci uma recepcionista com um bom humor invencível e que conseguia tirar o melhor de quase todo mundo que cruzava seu caminho. Eu vi carinho e generosidade de quem não tem nada ou quase nada, vi lágrimas de amor em ponto de ônibus, desconhecidos que se ajudam na rua cientes de que nunca mais se verão. Eu me pergunto sobre performances artísticas com energia de mudar o mundo e que tiveram meia dúzia de parentes como público. Eu já vivi, como tantos outros já viveram, estalos internos e arrebatamentos que não podem ser descritos em palavras. As estrelas olham para nós e eventualmente olhamos para elas no mesmo momento. Amazônias inteiras. Como, aonde?

Incorreção

Hallellujah é uma das músicas do primeiro Shrek e foi a Anne, do Belos e Malvados, que me ensinou a gostar dela, na versão do Rufus. Ainda amo a versão do Rufus, ainda me parece a que alcançou a dose certa de doçura, sem ao mesmo tempo se derramar demais como nas muitas interpretações gospel que existem no youtube. Falando nisso, antes de entrar onde eu queria, me enfurecem que muitas dessas versões, além do tom excessivamente meloso, praticamente só mantém o Aleluia, porque “corrigem” a letra. Ao invés do Rei Davi em crise, da solidão e do estar quebrado, aquela louvação de sempre. (It’s not a cry that you hear at night, it’s not somebody who’s seen the light, it’s a cold and it’s a broken!) Deixaram o Cohen lisinho, correto e com a brancura do Omo! Quando conhecia a versão do Rufus tentei gostar do Cohen e não rolou, não gostei da voz, achei arrastado, achei brega. Há poucos dias parei no I´m your man e queria morder o homem, apertar as bochechas dele. Amo que ele seja tão tímido, judeu, desajeitado e incorreto. Por um mundo mais Cohen e menos (insira o ídolo teen-galã-rebolativo do momento).

(Lembrei que também gosto muito da feiura do Gonzaguinha. )

Curtas sobre e com eles

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Meu amigo Alessandro recebeu no Sarahah que é muito mais interessante por escrito do que pessoalmente. O que posso dizer a respeito disso, se fosse pra mim: assim espero.

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Meu irmão era o mestre em não brigar. Eu me aborrecia com ele e ele simplesmente não brigava. Reagia como se estivesse bem, porque se pra ele estava, então estava. Tenta ficar irritado com alguém que está de boas pra você ver, é muito difícil.

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Os problemas que tive com aparelho serem foram na terceira semana. Só que quando tento marcar consulta extra é sempre tão difícil e cai poucos dias antes da manutenção, que desisti e me aguento. Desta vez, o dente entortou, a mola passou por cima do arco, elástico saiu, eu ficava ajeitando com o dedo, feia a coisa.

-Você não faz ideia da surpresa que eu e meu aparelho temos para você esse mês.

-O que você andou fazendo de errado?

-Eu não fiz nada, quem fez foi a natureza.

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Já dei uma nota de vinte para o cobrador pedindo desculpas. Ele foi gentil e olhou para mim com enormes olhos verdes. Pensei em falar do quão grandes e verdes eram aqueles olhos e parei. Juro para vocês que ele praticamente batia as pestanas para que o detalhe não passasse anônimo.

Embrace

Uma das coisas que me afastou da psicologia foi quando percebi que há uma personalização de problemas que são coletivos. Se a mulher vai para o consultório com problemas de auto-estima porque se acha gorda, e quase todas as mulheres do mundo estão se achando gordas, fazendo plásticas e dietas porque se acham gordas, tanto as que fazem parte das estatísticas crescentes de obesidade quanto as que estão abaixo do peso, temos aqui um problema que não é apenas da mulher que vai no consultório. É um problema de todas nós. Ao mesmo tempo, a psicologia existe porque existe um problema que, para a pessoa, pouco importa se é pessoal ou coletivo: é algo que a impede de ter qualidade de vida e ela quer mudar.

Esse é um buraco tão profundo, um caminho tão difícil a ser seguido. Conheço gente que usa PP e acha gordura em si mesma, que diz que gostaria de serrar parte do quadril; também conheço quem quase não consiga comprar roupas e se sinta julgada o tempo todo por causa do peso. E existe sofrimento em ambas. Então eu quero, de coração, indicar este documentário (Netflix) pra ser uma pedrinha em meio a tantas mensagens que nos levam à insatisfação todos os dias. Que ele te emocione e te faça refletir também.

Zaz

Na prorrogação do aniversário do Alessandro, quase todo mundo já tinha ido e eu estava pra buscar a minha bolsa, uma amiga dele nos pede atenção. Todos haviam oferecido algum presente pra ele em forma de algum tipo de performance (eu li uma poesia) e a moça nos diz que agora que estava bêbada, se sentia preparada para a homenagem dela. Aí disse como conheceu o Ale, falou de sua admiração por ele e colocou na TV o clipe da Zaz. Cantaram com entusiasmo, meu irmão que sabe francês pareceu achar a letra interessante e eu ia perguntar pra ele depois e acabei esquecendo. E esqueci mesmo, não deveria ser tão importante e achei o ritmo meio chatinho. Até que ela reapareceu no meu FB. Mais do que achar a letra uma fofura, o que realmente me tocou foi ver a Zaz. Ela canta aquilo com tanta verdade que me comovo. A graça está em todos nós pensarmos que somos autênticos e desapegados, igual a letra. Quando vejo a Zaz cantando, me convenço de que ela pelo menos é.

Curtas de silly face

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Uma coisa que me aborrece bastante em usar aparelho é a sensação de que o dente nunca está completamente limpo. E levando em conta que por mais que se escove é possível que ressurjam sujeiras de duas refeições atrás, não é só impressão.

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Como sou atrasada com séries, só descobri agora a Claire Underwood. Antigamente, correria no salão pra cortar o cabelo igual. Hoje já sei que não adianta, eu não ficaria maravilhosa daquele jeito. Outra coisa que eu aprendi é que cabelo curto em loira é outra história.

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Eu pretendia votar Nulo, aí cheguei na frente da cabine e só tinha botão de Branco. Eu jurava que antes tinha um botão Nulo. Ou não tinha?

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Tem aquele cachorro que lembra a Dúnia. A gente passava lá e ele latia. Aí adotaram outro, de uma raça que lembra boxer, mas ele é pequeno. Agora o filhote fica latindo pra gente, enquanto o pseudo-Dúnia olha tudo com cara de egípcia. É muito engraçado.

Menos espaço

Maiôs de natação são feios, quase sempre pretos ou azul marinhos, então que legal seria um que fosse ótimo pra nadar e ao mesmo tempo tivesse estampas tão bonitas quanto os de praia. Excelente ideia a minha, não? Pois é, eu também achava. Na minha última compra, voltei com três estampas lindas e coloridas, mas mais por uma certa teimosia do que outra coisa. Digo isso porque sei que vão encalhar, posso citar um ou dois nomes de mulheres que teriam “coragem”. As que vão vender são as outras, essas sim atendendo os pedidos: preto, fundo preto, estampa miúda e convencional, o mais discreto possível. Comprei, mas comprei frustrada. Nenhuma das mulheres que me pediu isso é obesa, nem ao menos são gordas. Mas mesmo que fossem. Se acreditamos que o que torna o nosso corpo belo é ficar o menor e mais escondido possível, é claro que cores e estampas nos parecerão feios. Eu também estou condicionada por esse olhar, eu também me sinto mais segura com um fundo preto que me diminua e uniformize. Mas precisamos sempre, em todos os momentos, ficar preocupadas com esse “cair bem” de um outro a quem creditamos tanta crueldade?

Atração

Como ser atraente para quem a gente gostaria de ser atraente, taí uma questão insuperável. Todo mundo quer ter o it, o borogodó, aquilo que tem a ver com a beleza mas que não se reduz a ela. A quantidade de buscas e artigos relativos ao tema são uma prova disso. No tempo que o blogger me mostrava as buscas do Google, alguém sempre aparecia no meu blog com varições desse tema: do que os sagitarianos gostam? Como conquistar homens na balada? Homens gostam de mulheres de cabelo curto? Os artigos que dão passos e dicas são tão inúteis quanto irresistíveis. Dia desses cliquei num que dizia que um dos itens importantes na atração era o “Alongamento”. Como ninguém nunca se preocupou em saber se (a resposta é sim) eu encosto as mãos no chão com os joelhos esticados, tive que ler. Na verdade, o autor quis dizer consciência corporal, porque falava de dança, esportes e outras coisas que faziam com que a pessoa se expressasse bem fisicamente. Vendo pela bilionésima vez o vídeo da Carmen Miranda, e sentindo vontade de morder essa mulher, ser essa mulher, usar roupas coloridas enquanto desenho círculos no ar e olho de lado, tive um insight sobre o tema: atração é algo que a pessoa faz – seja pela forma como sorri, a doçura da sua voz, seu senso de humor, a espiral dos seus gestos ou do seu mindinho ou das suas argumentações inteligentes – que nos dá a impressão de que a nossa vida seria muito mais luminosa ao lado dela.

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Os cafas e os anjos

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Do lado de cá – o lado feminino – vejo minhas amigas sofrerem muito com os homens. De um lado elas, pessoas cheias de qualidades, qualidades que eu conheço e reconheço, e do outro lado homens não percebem, não agem de acordo, não dão valor. Quando é com a gente dói muito, mas de fora é tão claro que… como direi? Tem aquela passagem bíblica (gênesis 19) dos homens que queriam violentar os anjos. Isso pra mim fala duas coisas a respeito deles:

1- que não eram imunes à beleza. Eles perceberam naqueles anjos algo acima da média, encantador, extraordinário. Mas:

2- eles reagiram como sabiam. No caso, com brutalidade.

Estar diante do extraordinário, superior, belo ou diferente é uma coisa, saber reagir à altura é outra. Canso de dizer aqui o quanto o homem (agora no sentido de humanidade) é um ser limitado. Diante de uma situação, se a gente tiver três atitudes diferentes no repertório já é muito. Então, quando penso nas minhas amigas tão especiais que são tratadas como se nada fossem, não me parece que os tais homens necessariamente fizeram por mal ou que não viram o valor que elas têm. Eles podiam apenas ser brutos e limitados demais para reagir diferente.

Beleza x função

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Quando dizem que sem a beleza o mundo pode existir perfeitamente, as pessoas mais “de humanas” costumam ficar sem saber o que responder. A minha resposta é: cite ou me mostre, em qualquer tempo ou lugar, uma civilização onde as coisas sejam só funcionais. Onde a construção seja apenas uma cobertura, o caminho seja apenas um amontoado pra pisar. Mesmo da mais simplória das civilizações, já viu um vasinho que seja apenas um oco sem cor, sem simetria, sem textura? Não existe essa data anterior à beleza, a fase do funcional puro, onde apenas a partir daí começa a preocupação com o luxo que é fazer as coisas serem bonitas. Nós queremos mais. Sempre que possível, o homem tenta tornar o que o cerca belo e especial.

Curtas sobre as outras mulheres

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Diana Vreeland. Conheçam. Tem no Netflix.

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“Mas”, ressaltou a Suzi enquanto assistíamos o documentário, “eles não resistiram e tiveram que mostrar que apesar de excelente profissional ela foi uma péssima mãe”. Os pequenos machismos do nosso dia a dia.

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“Eu estou apaixonada!”, disse com tanto entusiasmo que quase lhe dei os parabéns. Naquele momento, ela era a jovem cheia de perspectivas e eu era a vovó de cabelos brancos.

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Ex de um amigo. A primeira reação diante das fotos é dizer “Uau!”. Lábios enormes que ela faz questão de ressaltar com batom vermelho. “Então era assim que eu deveria ter reagido”, pensei, depois de uma vida inteira de batom cor de boca.

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“Procure a estrela mais brilhante do céu. E quando a encontrar, saiba que ela não é uma estrela e sim um planeta: Vênus.” Também quero.

Duas vivências que determinaram minha concepção de beleza

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Quando começaram a aparecer shorts nas vitrines de Curitiba, eu jurei que aqui essa moda não pegaria. Quem está ou esteve aqui há pelo menos vinte anos entende o que estou dizendo. O verão nunca ultrapassava os 25º C e nem os panos subiam mais do que um palmo acima do joelho. Esse comprimento, em público, já fazia as mulheres receberem tantos e tão insistentes olhares que era quase como sair nua. Com uma cidade tão fria, nos dois sentidos, é muito fácil manter uma moral muito mais pudica em relação a cobrir os corpos. Me parece que aqui, mais do que em outros lugares, se leva muito mais à sério a imposição de esconder todo corpo que não segue o Padrão Ego. Uso uns sunquinis enormes pra nadar; eu diria que a diferença deles pros maiôs é apenas que mostro umbigo. Mesmo assim, sou a Leila Diniz da minha escola – “você é aquela moça que nada de biquini, né?” Esse meu hábito já me fez passar por alguns episódios desagradáveis: passaram “por acaso” a mão em mim algumas vezes, me comeram com os olhos de maneira bastante ostensiva, fui abordada por homem casado. Pela lógica deles, se eu fosse mulher séria não estava mostrando, né? Outra visão é a de que eu mostro porque “estou podendo”. O que há por detrás da minha atitude – e que ninguém entende – são duas vivências determinantes na minha forma de entender o assunto:

Lembrança 1: Estou cercada de pessoas, praticamente todas mais bronzeadas do que eu. Sou um pontinho branco – ou bastante vermelho, no espaço de algumas horas – no meio da multidão. Homens e mulheres passam por mim com poucos panos coloridos cobrindo seus corpos. Algumas estão na areia, pegando ainda mais sol, o que chega a ser aflitivo; outras estão no mar, jogando frescobol, conversando com amigos ou cuidando dos filhos. Algumas dessas mulheres são mulatas incríveis, com corpos tão lindos e tentadores que nos fazem entender a mística em torno delas. Também com panos poucos coloridos, passa por mim a vovó, que tem o corpo todo marcado pelo tempo. Lá vem correndo a menina barrigudinha, seguida pela sua mãe, que tem o corpo diferente da pré-adolescente, que não se parece nada com a quarentona. Tem mulher de seio pequeno que mal segura o top, mulheres de quadris enormes, mulheres com pelos loiros, mulheres, enfim, variados tipos, idades e histórias de corpos. Todas estão curtindo a sua praia. Todas estão de biquíni.

Lembrança 2: Olho para as pessoas – ao cruzarem comigo na ruas, conversando entre si nos ônibus, dando entrevistas na TV, almoçando em restaurantes por quilo, atendendo o telefone no balcão da loja – e tenho vontade de pedir que posem para mim. De tanto passar o dia inteiro esculpindo e estudando a anatomia humana, as pessoas se tornaram modeláveis para mim e tenho a impressão de que todos têm corpos de barro que podem ser mexidos e acrescentados. Como se apenas um gesto no local e profundidade certos fossem capazes de alterar peles e músculos. Só que os corpos que me chamam atenção não são os que comumente se considera belos, ao contrário: o corpo liso e jovem é sem graça, é uma folha sem linhas. Nos corpos de plástica é pior, pois vejo a ação do bisturi, que não respeita proporções, tira demais e uniformiza.  Os corpos que tenho vontade de eternizar são aqueles que me dão histórias num simples olhar. Vejo nobreza em rostos enrugados, mãos fortes que sustentam o mundo, quadris acolhedores, ingenuidade em lábios repuxados pra cima. Não quero o belo de revista, que se esgota na página seguinte – busco o belo do singular, do conteúdo que transborda, do espírito que marcou a matéria.

Por isso que quando fui convidada a escrever sobre a beleza feminina saiu isso.

Be more cat

(Adoro este vídeo, Be more dog)

Quando conheci a Claudia e a achei bonita careca, me lembrei de uma coisa que a Tere, que tem gatos, me disse: “Nós deveríamos ser mais gatos. O gato é tão ele, tão irritantemente ele, faz tudo sempre do jeito que ele quer, que a gente acaba se conformando e se adapta a ele”. Eu acho que a beleza também tem disso. De ao invés de aderir correndo a um padrão, teimar um pouco mais. Quando a gente ama alguém, não se pega amando seus cacoetes, suas pintinhas, as rugas dos cantos dos olhos quando sorri? Acho que quando a pessoa teima em ser ela, pode acontecer justamente o mesmo processo dos gatos – o mundo é que se adapta à nossa estética.

 

Ando com os meus cabelos brancos por aí e muita gente acha ele lindo. Vou confessar: eu não acho. Eu tenho aquela auto-imagem de ter o cabelo castanho bem escuro, quase preto, então eu não vejo o meu cabelo como “quase luzes” ou diferente, eu vejo cabelos brancos mesmo. Sempre me estranho nas fotos. Mas mesmo assim eu não pinto. Aceito que agora ele é mais branco e pronto. Meu corpo mudou e o meu cabelo também. Eu envelheci; fora o meu cabelo, acho que a juventude tem até feito uma hora extra em mim, então não vou pedir mais. O tempo, dinheiro e preocupação de pintar o cabelo são investidos em outras coisas. Ou quem sabe eu até pinte, só de que rosa, azul ou outra cor absurda. Tinha vontade de fazer isso aos trinta e me achava muito velha; agora, com quase quarenta, me sinto pronta. Be more cat.

 

Este é Serafa, o mito, um dos gatos da Suzi.