Eu tenho uma séria desconfiança de uma coisa que levou a minha casa a ser uma das poucas da vizinhança que nunca foi assaltada é o pouco cuidado que dedico à minha fachada. Um lado é falta de dinheiro mesmo, não vou mentir. Todos os meus vizinhos já retocaram a pintura – alguns mais de uma vez – e a minha ainda é a mesma de quando eu me mudei. Meu muro eu pinto com cal fino mesmo, a barateza do método é simplesmente de Deus. O outro é falta de comprometimento. Por exemplo, é bastante anti-ecológico pessoas que lavam suas calçadas com mangueira, certo? Pois eu sou mais ecológica ainda: eu jamais lavei minha calçada. Não passa pela minha cabeça, não há ser humano que me convença da necessidade de passar água e sabão numa calçada. Então quando eu tirei a grama aí da frente, e o pedreiro disse que quanto mais tempo deixasse a areia mais ela penetraria nos tijolinhos e melhor ficaria, foi a união do útil ao agradável. Deixei lá e esqueci. O problema é que não tinha só areia, sobrou bastante pedrisco e a prefeitura não vinha pegar. Mais de um mês e eles lá, entulhando minha entrada. Acho que outra pessoa teria chamado caçamba, varrido, enfiado em sacos, tomado alguma providência que não fosse deixar aquela bagunça exposta ao tempo.
Até que uma tarde, estava eu passeando com a Dúnia, e quando passei na frente de uma casa aqui perto, o sujeito que estava pintando a grade puxou conversa comigo. “Você é a dona da casa com pedriscos?”. Eu já fui dizendo que havia sim chamado a prefeitura três vezes e nada deles aparecerem. Aí ele me perguntou se poderia pegar um pouco, porque estava fazendo uma reforma numa chácara que ele tem, estava fazendo um galinheiro. “Claro, pegue o quanto você quiser, é um favor que você me faz!”. O cara era conversador: ele me contou da pintura que estava fazendo, que eu podia falar com Dona Fulana pra ela dar as referências, que ele trabalhou mais de vinte anos na empresa tal, que se eu quisesse pintar minha casa, que revestimento era bom e não encarecia muito, que ele tem acordo com uma loja de material de construção e cliente dele paga mais barato, que serviço grande ele já não pegava mais e o irmão dele tem uma empresa… Nessas alturas a Dúnia já estava louca da vida, uivando de impaciência e eu me despedi. Naquele dia mesmo ele foi lá com uma lata, pegou um pouco de pedras e foi embora.
Mas ainda tinha muita pedra e nada da prefeitura. Poucos dias depois o pintor parou com uma picape já toda forrada de plástico atrás e uma pá. Foi quase tudo – o que ele não pegou foi a bagunça de pedra espalhada, o que deixou um tico de pedras e minha fachada ainda mais porca. Simpática, horário de passeio da Dúnia, fui falar com ele: E aí, que bom que você veio, etc. Eis que o sujeito me solta essa:
-Olha, Dona, estava aqui olhando, e a senhora REALMENTE PRECISA de uma reforma nessa fachada. Não é pintura não, precisa de revestimento.
Putaquepariu, viu?
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