Precisar não precisa

Comprar pela internet é uma experiência interessante. Há meses não sei mais o que é comprar roupa em loja, nem olho mais. Em compensação, o Ali Express faz mais sucesso do que o google no meu navegador. A única coisa que eu não compro pelo site é sapatos, mais por eles serem taxados quando chegam no Brasil do que por qualquer outra coisa.

 

Aí você precisa de peça específica, vê a roupa, quer tê-la. Vai mudar sua vida, será essencial no seu dia a dia, vocês se tornarão as melhores amigas. Espera ansiosamente os descontos ou o dia mais adequado do cartão e compra. Aí demora. Antes, minhas compras levavam pouco mais de um mês pra chegar; com o aumento do volume (o carteiro me disse que eles estão de “xing-ling” até o teto) e a greve dos correios no meio do caminho, agora tem levado uns três meses.

 

Três meses pra uma roupa que era essencial. Você não sai pra comprar outra porque, afinal, já comprou. Mas também não está usando. Quando a roupa finalmente chega, você nem lembra mais do porque de tanto furor. De lá pra cá, usou as roupas velhas sem o menor problema. Prova de que, no fundo, nem precisava.

Preto, preto, preto, preto

Sempre adorei lojas de tecidos. O que não é nenhuma profecia se levarmos em conta que eu também adoro papelarias, lojas de materiais para bijoux, supermercados que vendem em quantidade e qualquer loja que tenha muito de um produto específico. Finalmente estar aprendendo a costurar me dá uma satisfação muito grande, porque já fiz várias tentativas ao longo dos anos, já estraguei muitas roupas tentando reformá-las, já fiz muitas coisas à mão. Costurar de verdade, com máquina e técnica, agora me permite entrar numa loja, comprar um tecido e realmente transformá-lo em algo usável, não mais em experimento ou sucata.

 

Sei muito pouco ainda, mas o pouco que sei já me dá vontade de pirar. Existem tantas cores, estampas, padrões e texturas por aí. Combinações infinitas. De um simples molde dá para fazer milhares de roupas, basta mudar o tecido, o comprimento, tirar ou acrescentar um detalhe. Dá vontade de aderir ao protesto de Gandhi e fazer as próprias roupas… agora com o apoio da Singer.

 

Mas! Você observa desde a menina de treze anos que costura à senhorinha madura que só quer um hobbie, consulta da colega que faz triatlon à dona de casa, pensa na amiga mais fiel à completa estranha, e percebe que se quer fazer algo que realmente tenha saída, que seja garantido, há apenas uma escolha lógica: preto. Porque todas essas mulheres parecem não se dar conta da infinidade de cores, de corpos, de fases da vida e de idade de que são constituídas. Elas gostam, sim, cada uma, de coisas diferentes. Algumas gostam de flores, outras de agasalhos com capuz, de ir a festas ou corridas ao domingos. Mas na hora de se vestir, todas reduzem a questão a: eu quero preto. Preto emagrece. Preto é básico. Preto é chique. Todas quererão se vestir de preto, como se todo mundo estivesse a caminho do mesmo funeral.

Preto é prisão.

Cair

A sabedoria é uma prerrogativa da idade porque apenas viver, experimentar, nos mostra certas coisas. Inteligência, lógica e observação não são nada diante da experiência, nem que seja apenas uma pitada. Eu mesma sempre tive a convicção que para as dores os necessário é afundar, viver, curtir o luto profundamente. Há a história de uma bailarina, cujo nome agora me foge, que perdeu os filhos num acidente de carro e passou um mês trancada no apartamento, incomunicável. Meu luto ideal, digamos assim, sempre foi desse tipo. Imagino essa mulher chorando o dia inteiro, dias a fio, até se sentir apta a viver de novo. Eu não apenas achava que devia ser assim, como jurava que era assim que faria caso uma grande dor me assaltasse.

 

Aí todo esse processo começou. Nunca me esquecerei daquela quinta-feira, que acordei sozinha e sem mais nenhum compromisso até o fim do dia. A dor cresceu em mim de tal forma que só faltou se personificar. Não sei se o Mal existe, mas passo dizer o Medo é bem poderoso. Num determinado momento eu senti que não conseguiria, mas aí já era tarde. Ele cresceu e me esmagou. Eu só não tomei um antidepressivo porque eu sei que aquela porcaria demora quinze dias para fazer efeito. Quin-ze di-as. Isso, para quem está sofrendo, é mais demorado que a volta de Jesus. Naquele dia eu maldisse toda medicina ocidental, que não inventou algo capaz de nos tirar a dor moral em, no máximo, trinta minutos.

 

Agora eu sei que não devo nem começar. Não devo me deixar cair, porque o buraco é fundo e a volta é lenta. Não tem essa de curtir a dor, hoje sou a favor de ir vivendo, de fingir tanto que ela não está lá até o dia que não esteja.

 

Hoje, quando a porta do ônibus fechou na frente da minha cara, eu quase comecei a chorar. Ia chorar pelo ônibus perdido sim, mas também ia chorar pelas ilusões, pela perspectiva, pelo sonho, pelo casamento perdido. Ia chorar por não saber mais quem eu sou e o que fazer do meu futuro. Ia chorar porque estava morrendo de pena de mim mesma, porque me pareceu que a própria Vida estava fechando a porta na minha cara. Não devemos olhar para o buraco, ele é fundo demais. Devemos pegar o ônibus seguinte e seguir em frente.

Cabelo ativista

Voltei a ter cabelo curto há menos de um mês. Não que o meu cabelo fosse dessa comprideza toda, mas dava pra fazer um rabinho. E eu era apegada àquele rabinho, me sentia super cabeluda com ele. Achei que quando cortasse ia ficar exposta, o crânio à vista, radical, ia ser aquele escândalo. As pessoas com quem conversei também pareciam pensar assim, porque não tive reações tão boas quanto esperava à ideia de diminui-lo – “Ah, mas o seu cabelo é tão bonito!” De onde eu concluí que só obteria autorização pra cortar se começasse a deixar de lavar o cabelo, ele nascesse despontado, queimasse tudo com chapinha, fizesse uma descoloração barata, coisas desse nível. Parei de comentar e cortei. Pronto. Poucas reações. Silêncio quase que total. Aí minha profe de costura (Ah, não contei que agora estou aprendendo a costurar? Então, estou aprendendo a costurar) me perguntou, toda feliz: “Você cortou o cabelo, né? Ah, viu como eu reparo!?” Se precisava ser tão observador pra botar reparo que eu cortei o cabelo, é sinal de que o rabinho não fazia toda essa diferença.

 

 Aí a Fal conta: moço me explicou que só feministas — palavra pronunciada com cara de nojo — têm cabelo curto. É? Não vou discutir. Comecei a cortar o meu cabelo curto aos quinze anos, e ele pra mim significa tanta coisa. Na minha fase atual, é nitidamente um retorno. É como se eu tivesse voltado no tempo, voltado a ser quem eu era há mais de dez anos e ficar com medo de corte de cabelo me pareceu sem sentido. Porque antes eu era assim, me encantava com um corte e fazia. Me preocupar em como seria depois se eu mudasse de ideia ou se me achariam masculinizada nem me passavam pela cabeça. Eu não tinha medo de mudar, era da filosofia que cabelo cresce e pronto. Quero voltar à coragem que eu tinha naquela época, àquela moça que cada dia admiro mais. A confiança no futuro que ela (eu) tinha era baseada apenas em si (mim) mesma.

 

Quem me conhece pessoalmente também sabe que tenho muitos cabelos grisalhos e não os escondo, não passo nenhuma tinta. Agora os meus grisalhos aparecem ainda mais, por causa do corte. Antes eu pintava o cabelo, mas era relapsa. Ao invés de pintar o cabelo a cada quinze dias, levava pelo menos um mês. Quando a cor da tinta ainda era forte, as pessoas olhavam com indiferença. À medida que ela ia saindo e meu cabelo desbotava, vinham os elogios. Me perguntavam o que fiz, se eram luzes, diziam que o meu cabelo estava muito bonito. Depois de pintar muito e ouvir muito, decidi unir o útil ao agradável de deixar de pintar de uma vez. Tem um resto de tinta no banheiro, mofando.

 

Então imaginem o que o mocinho da Fal pensaria de mim, a ativista em pessoa. Aí eu me pergunto: fazer as coisas por preguiça, vale? Talvez valha. Talvez, em algum momento, eu devesse ter pensado: “os homens preferem cabelos longos” ou “só posso cortar curto se for garantido que vou ficar linda”. Mais: “anota na agenda, paga salão, usa shampoo tonalizante, mas não deixa de pintar esse cabelo. Coisa mais desleixada!”. Nunca decidi isso, nunca pensei em fazer do meu cabelo bandeira para qualquer coisa. Minha única questão é que se enquadrar dá tão mais trabalho…
(Juro que eu tentei colocar uma foto minha pra ilustrar o post, mas não achei nenhuma que desse pra ver…)

Catástrofe

Não consigo nem expressar o que sinto com o filme Mad Max – além da cúpula do trovão. Ele passava na Sessão da Tarde quando eu era pequena e me deixava apavorada. O argumento de um mundo onde ter gasolina fosse essencial me parecia totalmente convincente; então, eu comprava todo o resto. Eu tinha medo de, na minha vida adulta, ter que estar sempre suja, em auto estradas e quem sabe até ter que lutar numa arena. Tina Turner vestida daquele jeito me marcou para sempre, aquela pra mim era ela. Nunca vi e nem nunca vou ver esse filme inteiro, não é algo racional. Ele traz à tona um medo infantil muito básico.

 

Talvez seja por Mad Max o medo que eu tive durante muitos anos do problema do petróleo. Aprendi que o petróleo é formado ao longo de tanto tempo que nem dá pra medir, assim como não dá pra esperar que a terra produza mais. Então, um dia nosso petróleo acabará e com ele todos os seus derivados, dentre eles a gasolina. Como faremos sem gasolina, como sairemos do lugar, o que fazer com tantos carros? Digito isso e já sinto minha respiração se alterar um pouco. Um dia, acho que no final do ano passado – vejam, recentemente – eu vi um longo documentário sobre combustíveis alternativos. Tem até carro movido a ar. Minha preocupação com a humanidade sem petróleo, alimentada durante tantos anos, deu lugar à indignação: dá pra ficar perfeitamente bem sem petróleo, a indústria automobilística é que não tem interesse nisso.

 

O que me faz lembrar de uma pesquisa que um sujeito fez no século dezenove, preocupado com a quantidade enorme de fezes que os cavalos gerariam no futuro. Ele fazia uma projeção das pessoas andando cada vez mais de cavalo, e o quanto cada um deles geraria de cocô e… vocês já entenderam o ponto.

 

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Numa escala muito pessoal, tenho dito continuamente a mim mesma: respira, está tudo bem. Às vezes eu me apavoro, outras vezes tudo está da melhor forma. Surgiu na minha mão um surto alérgico que eu não tinha desde que morava com a minha mãe, antes de casar…

Desativismo

 

 

Há aqueles momentos, aquelas discussões, que o argumento do outro é tão absurdo que ou você revoluciona e estraga o churrasco (ou a festinha, ou a alegre conversa de bar), ou você finge que não ouviu e fica quieto. Não é uma questão de ser direita ou esquerda, pró ou contra PT, vai ter Copa ou não vai ter Copa. Certas colocações ferem o sentido de humanidade. Há momentos que você percebe que poderia fazer a colocação mais sensata e de nada adiantaria. Pior: o outro sacaria absurdos cada vez piores. Porque o que falta ao que diz certas coisas não é informação ou lógica, e sim empatia. Há aqueles cujo posicionamento pode ser resumido a: Quero meus privilégios, e que se foda todo o resto. O certo ou o errado só são medidos pelo que atravessa a porta de casa. Quando o sofrimento do outro soa apenas como uma filosofia muito distante, não vejo como discutir. É profundo demais, é querer ensinar alguém a ter coração.

Eu não sou Paul McCartney

Resolvi me dar uma consulta com um astrólogo de presente porque não estava bem. Já li e conheço meu mapa desde que me entendo por gente, só que desta vez eu queria uma outra pessoa falando sobre ele. Alguém que me fizesse ver as coisas que eu não estava vendo, quem me desse alguma luz. Ou seja, a gente sempre procura esse tipo de ajuda quando quer ouvir algo extraordinário. Ninguém vai a uma cartomante, por exemplo, pra ouvir que pode ser que você encontre alguém e pode ser que não. A gente quer o RG do sujeito, que ele venha logo e totalmente apaixonado. Então não foi exatamente o que eu queria ouvir quando o astrólogo falou de sorte e não me inclui no grupo dos que a possuem…
“Algumas pessoas têm muita sorte no campo profissional. Há um aspecto, de Júpiter na Casa Dez, que indica isso. Eu gosto muito dos Beatles, e acabo usando isso como exemplo. O Paul McCartney estava na casa dele quando John Lennon apareceu por lá e disse: “Estou fazendo uma banda de rock, quer tocar com a gente?”. O John Lennon foi até ele, Paul nem precisou procurar. É o típico caso da sorte bater à sua porta. Algumas pessoas têm isso, essa sorte. Esse não é o teu caso, você não tem nenhum aspecto desses. Você não é uma sortuda, não é uma pessoa que vai estar andando na rua e será descoberta, não vai ganhar herança, o John não vai bater na tua porta. Você está mais para uma lavradora. Tudo o que você precisar, você terá que construir. Você vai trabalhar duro, vai arar a terra, vai cuidar, vai esperar. Não conte com a sorte, você é do tipo que conta apenas com o seu próprio esforço”.
Não gostei de ser chamada de lavradora, mas nem precisei pensar muito pra saber que ele tinha razão. Eu convivi lado a lado com uma pessoa sortuda, o meu irmão. De coisas que davam de presente pra ele aos empregos que ele nunca teve que procurar, do lado do meu irmão eu sempre me senti a hiena Hardy.  Claro que ele tem os méritos dele, mas é diferente. É diferente ter essa luz ou não ter.

Como diz aquele ditado, o que não tem remédio remediado está. Estamos aí, na enxada.

Numa noite fria

Eram 21:15 quando eu entrei na estação tubo. Eu estava fora de casa desde às 13h. Tinha chovido e parado antes de eu sair de casa. No dia anterior, a chuva veio forte algumas vezes, mas depois o tempo abria como se nada tivesse acontecido. Depois o sol abria e o tempo ficava quente e abafado. Pensei que seria assim também de novo. Foi só porque sabia que voltaria tarde que eu levei uma jaqueta jeans, na mão. Pouco depois de eu ter saído de casa, já dentro do ônibus, que começou a chover. Torci para parar antes de eu chegar ao centro; não apenas parou como ficou mais forte. Foi o meu próprio ônibus que me deu um banho assim que eu desembarquei. Às 21:15 isso já fazia muito tempo. O que eu sentia não era a roupa molhada, e sim o cansaço do horário. Sentia o cheiro da roupa no corpo o dia todo, o rosto oleoso, os passos pesados. Oito horas depois de ter saído de casa, estava frio.
Dei o dinheiro para a cobradora e já havia outras duas pessoas lá dentro. O primeiro ônibus que chegou não era o meu. Elas entraram e fiquei só. Tenho me exercitado muito no sentido de me acostumar em estar só. Eu ainda não estou morando sozinha, mas é uma questão de tempo. Tenho feito o exercício de dizer para mim mesma que devo me acostumar com a sensação. Eu poderia pedir carona, eu poderia dar um telefonema, já adiantar uma sopinha quente, mas não faço nada disso para me dizer: essa é sua vida agora, acostume-se, abrace-a. Os trajetos a pé, o deslocamento, a demora – essa é a realidade que escolhi. Andar de ônibus à noite me faz lembrar de quando eu fazia faculdade. Eu voltei a fazer parte da fauna noturna, do mundo dos que passam o dia fora, os que sentem a roupa, o óleo e os passos. Eu me sinto de volta àquela época de muitas formas. É mais cansativo mas, de certa forma, voltar para casa tarde da noite também é um alento.
Ainda passariam mais dois ônibus. A cobradora se levantou para esticar as pernas e começou a andar silenciosamente, de cabeça baixa. Fui eu que a interrompi nos seus pensamentos:
– Como a temperatura baixou, né?
– Nossa, baixou muito. Eu estou morrendo de frio.
– Eu também.
Meu frio me pareceu menos frio e minha solidão menos solitária. Eu ainda não sabia, não com tal intensidade, o quanto que ser alguém para alguém é das coisas mais importantes da vida. Nem que seja pro atendente da loja do posto, pro segurança da empresa de engenharia, pra cobradora do tubo do Inter 2.

Lembrança

Estava no Mercado Municipal à tarde, horário em que nunca vou lá. Estava cheio, e no meio de tanta gente acabei cruzando com a Rita. Acho que não a via há pelo menos um ano. Antes nos víamos sempre, na época que fazíamos pilates juntas. Foram anos de uma turma que se encontrava fora da academia, geralmente na casa da Tânia e aquela amizade tão grande parecia que nunca teria fim. Mas a professora de pilates abriu seu próprio estúdio, eu parei de frequentar a academia, outros foram embora por outros motivos e o grupinho acabou espontaneamente. Minha amizade com a Rita se limitou ao fato de termos nos adicionado no FB, o que quer dizer pouco mais do que nada, já que ela não é do tipo que fica on line. Por coincidência, no dia anterior ao nosso encontro me pediram a recomendação de uma personal stylist e dei o telefone da Rita. As pessoas me perguntam coisas estranhas…

Quando nos encontramos, rolou aquele momento sinal fechado, com as duas ressaltando que precisamos nos ver e incapazes de marcar como e onde. “Que imensa coincidência te encontrar! Ontem mesmo eu fui à casa da Tânia e lembramos tanto de você!”

Não sei se eu ando carente ou o quê, mas só dela dizer que lembraram de mim, depois de tanto tempo, me deixou com o coração quentinho.

Chatos

Minha curta – diria única – experiência com viagens internacionais me fez conhecer um novo tipo de chato.
– Essa foto aqui sou eu em frente ao Palácio Real em Madrid.
– Ah, o Palácio Real! Você foi num bistrôzinho que fica quase em frente ao Palácio, atravessando a rua e entrando à direita de quem está de costas pra entrada?
– Não.
– Não? Ah, então você perdeu. Lá tem o melhor chocolate com churros de Madrid. Ir pra Madrid e não comer o chocolate com churros naquele bistrô perto do Palácio Real é o mesmo que não ir a Madrid.

– …

.oOo.

 

Não sei se é coincidência, mas as duas pessoas mais ricas que eu conheço têm em comum a característica de sempre serem o centro da conversa. Deixa eu esclarecer que são pessoas de bons sentimentos, que trabalham bem, apaixonados por suas paixões, amigos dos seus amigos. Mas devem, sempre, ser o centro da conversa. Nenhuma delas, até hoje – e olha que uma eu conheço há anos – foi capaz de virar pra mim e perguntar: Como você está? Aposto que elas nunca se deram conta. É que ser elas mesmas ocupa muito espaço; há sempre muitas histórias pra contar, o que fizeram, suas viagens, os seus projetos, seus problemas. Devo confessar que muitos causos são interessantes, pois o dinheiro lhes dá acesso à bastante coisa. Sem falar que há sempre o interesse antropológico em conhecer um pouco o fantástico mundo dos ricos, nem que seja por tabela.

 

Dia desses, eu estava muito mal, na maior crise dos últimos tempos, e uma dessas pessoas me veio doida pra contar da sua última festa. Eu fingi que não percebi e fui fazer outras coisas. Tem dia que não dá.

O encontro santificado

Sempre imagino que em algum lugar, especialmente na Índia, deve existir alguém que tem por profissão mudar a vida das pessoas com suas palavras. Imagino o peregrino sedento por mudanças encontrando essa pessoa. Ele ou ela impressionaria por sua cabeleira vasta, roupas simples, objetos essenciais; ou viveria num meio tão exótico, que você sente que atravessou palácios antes de chegar até lá. O sorriso, o olhar e o aroma de incenso gravam a cena na memória para sempre. Aí essa pessoa diz ao peregrino que ele é especial, que ele tem uma luz, que deve levar aquele projeto engavetado adiante porque aquela é a sua missão. O peregrino volta para casa, luta pelos seus objetivos e sente que aquele momento foi um marco zero na sua vida. No cantinho dessa cena, se você reparar atrás da pilastra, existe o faxineiro, ou um familiar do tal santo, que observa tudo com cara de tédio – o sujeito diz aquilo todos os dias, basta aparecer um estrangeiro deslumbrado. O cabelo, o sorriso e os maneirismos são iguais a qualquer um dos seus conterrâneos. O que ele tem de diferente é ser monotemático. Quem conhece nem liga.
Porque a verdade verdadeira é que não existe muito mais a ser dito. Em qualquer pps a gente encontra mensagens inspiradoras. No fundo, todo mundo já sabe mais ou menos o que tem que fazer. Nossos amigos e nossos inimigos já nos jogaram na cara faz tempo e muitas vezes o que há de errado. Só lhes faltou a mística.

Metáfora do sapo

Eu jurava que já havia citado isso por aqui. Não sei se a história é verdadeira, eu não teria coragem de pegar um sapo pra testar. Mas como metáfora é excelente:
Se você pega um sapo e joga ele numa panela com água quente, ele pula pra fora rapidinho. Mas, se ao invés de jogar o sapo direto na água quente, você o coloca na água fria e coloca essa panela no fogo, ele morre lá dentro. A temperatura subirá gradualmente a o sapo se acostumará a ela. Quando perceber – se é que percebe – já é tarde demais, o sapo já cozinhou lá dentro.
Essa metáfora é muito boa para entender como funcionamos em muitas situações. Quantas coisas que se nos dissessem que faríamos, responderíamos na hora: Eu? Nunca, eu jamais aceitaria um absurdo desses. Só que entramos na situação de mansinho, ajustando dali e cedendo acolá, e quando nos damos conta… já estamos fervidos dentro d´água.

Mudança de rumo

Eu vivia ameaçando, aqui mesmo pelo blog, voltar à carreira acadêmica. Escrevia aqui porque era realmente algo que eu pensava. O motivo pode ser resumido numa frase do True Detective: “A vida mal é longa o suficiente para ficarmos bons em alguma coisa. Então cuidado com o que você vai se tornar bom”. Há muito tenho clareza de que não tenho o temperamento e nem a vontade para ser professora universitária. Mas todavia contudo, foi pra isso que fui treinada durante toda minha vida e faço com competência. Então é duro dar cabeçada em outras áreas, começar sabendo que o tempo está contra você, sendo que há algo em que você é bom logo ali. Por isso minha tendência a voltar. Lembra da comunidade do orkut “Se nada der certo, eu viro hippie”? A minha versão era “Se nada der certo, eu volto para a carreira acadêmica”.

Aí na última vez que escrevi aqui sobre carreira acadêmica, uma leitora me mandou um email muito carinhoso. Ela me falava da possibilidade à sério, que se eu realmente quisesse, poderia procurar outro orientador, outras instituições. Falava das bolsas, do dinheiro gasto com livros e congressos, do investimento e da satisfação. No e-mail dela, eu percebi o entusiasmo por esse caminho. Entusiasmo que eu não tenho. Foi ali, naquele e-mail, que eu decidi parar. Chega de achar que carreira acadêmica é rota de fuga; não consigo e pronto.
Qual não foi minha admiração e surpresa quando o Alessandro lançou seu site onamoradodealuguel. Para quem não sabe, o Alessandro é um desses poucos blogueiros muito competentes que consegue viver de internet. Ele é jornalista formado, já trabalhou na área, e quando percebeu que dava pé, passou a viver dos seus rendimentos de adsense. Pra quem não sabe, adsense são essas publicidades que aparecem nos sites, e rendem alguns centavos de dólar ao dono do site quando vocês clicam. Você não navega por aí clicando em publicidade, né? Nem eu. Ou seja, tem que ter muita visita e muito clique pra conseguir dinheiro com isso.

Aí um belo dia o google manda uma cartinha para o Alessandro (chuto que foi assim, porque já recebi cartinha também) dizendo que ele violou uma das políticas da publicidade em sites e o suspende. Ou seja, o google tirou dele sua fonte de renda. Ele comentou, disse que estava pensando numa alternativa, e um dia depois já estava com o projeto do namorado de aluguel. Fiquei de boca aberta. Eu, no lugar dele, já ia começar a mandar currículo para jornais. Ele disse várias vezes que não quer voltar a ter um emprego, mas quem é que consegue manter a convicção quando a água bate na bunda? Ele conseguiu. Ele levou um dia pra aceitar, pensar nas suas prioridades e bolar algo que combinasse com ele. Processo que eu levei anos para fazer. E tem quem nunca faça.

(Depois o google voltou atrás. Mas o site continua e a reflexão também)

Carnaval, concerteza e amor

Carnaval, assim a Madonna, é dessas coisas que eu fui criada para não gostar. E meu pai querer me obrigar a pular atrás do trio elétrico quando eu era criança não ajudou em nada… Passei alguns anos fugindo dele e torcendo para as férias escolares acabarem antes do carnaval. Os anos se passaram a deixei de ter essa preocupação, e morar em Curitiba torna para mim o carnaval apenas um feriado grande, com rumores de coisas que acontecem em outras cidades. Aqui, pra mim, não chega nem uma bolinha de confete. 

No litoral tem carnaval. E o meu amigo Ricardo é de lá. Ele postou algumas fotos no FB dele, mostrando a preparação, a fantasia elaborada dele e dos amigos, as poses, as figuras, a festa toda que fizeram. E me peguei com vontade de estar lá com ele, de também vestir uma fantasia, andar por aí, tirar um monte de fotos. Fiquei com vontade de também fazer parte daquela família tão calorosa, de viajar de carro para vê-los, de ficar hospedada, de voltar depois da festa. Fiquei com vontade de entrar no universo dele. 

Aí lembrei de outra coisa, que eu quase transformei em post porque me causa um certo incômodo que não sei direito como expressar. Também no meu FB compartilha-se muito mensagens sobre o quão difícil é encontrar alguém que saiba escrever direito, sobre candidatos que são eliminados ao escreverem concerteza ou quizer. Também são erros que me doem a vista quando vejo, eu entendo exatamente o que tais mensagens querem dizer. Só que quando falamos desses erros, estamos falando de erros básicos de escrita, e quando falamos de erros básicos de escrita, geralmente estamos falando de pessoas que tiveram uma formação escolar ruim. Escola, gente, apenas escola. Aquele lugar que nos passa um monte de informações, quase todas inúteis. Escrever certo ou errado não me informa nada sobre o caráter de alguém, sobre sua doçura, sobre sua capacidade de amar, sobre coisas essenciais num relacionamento. Eu jogo tudo isso no lixo quando digo que para chegar perto de mim, o primeiro requisito é ter uma linguagem escrita impecável. Encontro muita gente que escreve bem e muito menos gente com quem tenho vontade de me relacionar. Vocês têm certeza que escrever direito é tão importante assim?

Também não sei se conseguiria ficar com quem escreve concerteza. Mas eu vejo isso como uma forma de fracasso. Isso me mostra o quanto algo sem importância consegue adquirir uma importância que não deveria. Ligar para bobagens como essas apenas exibe a minha incapacidade de lidar com as diferenças, a minha incapacidade de negociar, o meu elitismo cultural. Porque eu sei que o que eu quero, em essência, nada tem a ver com isso. Tem a ver com o Ricardo, de quem eu tanto gosto, pulando carnaval. O meu coração precisa se sentir quentinho. E quando alguém de quem eu gosto me mostra um universo diferente, eu me pego com vontade de estar lá, de misturar o meu universo com o dele. Amar me tira de mim mesma, me leva a conhecer algo que sozinha eu jamais alcançaria.

Uma ambição para chamar de minha

Planos para o futuro, vejo agora, é pra quando você está bem. Quando você tem o básico, tem a sua rotina e uma certa estabilidade. Pode não ser o ideal, mas tem. Quando o seu mundo começa a ruir, quando você não sabe mais nem pra que lado da cama levantar, as questões ficam mais básicas e conquistar a próxima noite de sono já é desafiante o suficiente. 

Conversando sobre juventude, sobre como é ter vinte e dois anos, constatei o quanto eu era ambiciosa. O céu era o limite. Eu queria tudo, eu queria ser a melhor. Não sabia nem direito o quê, mas eu queria. E estava disposta a trabalhar duro pra isso. O meu céu nunca foi pensando em termos econômicos, o que não me torna menos ambiciosa. A ambição é uma fome de conquista que pode ser dirigida a qualquer coisa, até para atingir o nirvana. Místicos costumam ser o supra sumo da ambição e o mundo não se dá conta.

De lá pra cá, caí tanto e falhei tanto na conquista do mundo, inclusive no sentido material, que me vejo querendo o que antes me soaria como fracasso: conseguir pagar minhas contas, ter quem se importe comigo e paz de espírito. Bah, até escrever isso me parece enorme.

Ao mesmo tempo, eu sei, eu lembro, que a ambição é algo que aquece. É a ambição, o objetivo, a projeção no futuro, que nos permite comer sopa sem sal num quarto escuro e ainda assim achar que aquilo não é nada, que aquela situação não nos define. Quem acredita que faz em prol de algo maior, não se importa em ter pouco, estar só ou não ter tempo livre. Ambição é uma mescla de sonho, esperança, determinação e crença. Disso eu tenho saudades.