… aquilo pra mim era tão forte, como um chamado, que a vida universitária se tornou imediatamente insuportável. Havia nascido e me criado ali, e de repente ficar sentado tempo demais incomodava, aquele amontoado de citações não fazia sentido, ler dava preguiça. Dei as costas a um lugar onde sabia exatamente como me mover e me destacar pra entrar num mundo onde eu era inexperiente e velha ao mesmo tempo. Mas era tão forte e tão apaixonado que eu só podia ter um talento muito especial que me faria superar todos os obstáculos. Às vezes os obstáculos me pareciam ser meus próprios professores, que não superavam políticas internas para me defender e me dar o destaque que eu merecia. Demorei muito tempo para parar de me sentir injustiçada e entender que um chamado forte não quer dizer que você será um grande talento naquilo.
Eu não sei porque a vida me levou até a dança. Penso isso muitas vezes enquanto olho meus colegas, gente que chegou a menos tempo e me ultrapassa, gente que se identifica com as fotos de quando está de figurino, gente que se torna uma versão muito maior de si mesmo quando a música começa. É estranho pensar que às vezes estamos numa atividade em função de todo entorno e não da atividade em si. Perdi as contas de quantas vezes aquela aula me salvou. Eu danço porque a vida me deu esse presente, porque se eu realmente tivesse talento ele se converteria na minha obrigação. Eu acho que a vida me queria pegando aquele ônibus, aquele horário, e que encontre a cobradora que vende docinho no tubo. A vida acha que eu devo estar no meio daquelas pessoas caladas e cansadas enquanto o ônibus faz curva em ruas escuras. As ruas por onde eu ando e jamais andaria, as pessoas que eu conheço e jamais cruzariam o meu caminho. Eu visto figurino apenas para servir de mágica e conseguir assistir aos espetáculos por dentro. Foi a vida quem quis assim, só não sei o porquê.
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