Quando eu clico numa postagem antiga do blog, em qualquer ano, eu fico assustada com o quanto de sinceridade auto-biográfica tem ali. “Meu Deus, eu falei disso com todas as letras na internet?”. Por isso eu não sei se consigo voltar a escrever aqui com a frequencia de antes. Olho para a maneira como o conto do Paulo Coelho ocupou muito espaço e fico feliz, acho que criou tipo uma tampa que me protege do que um monte de pessoas já fizeram: começaram a ler o texto mais recente por curiosidade e foram subindo e voltando no tempo. Já recebi e-mails falando disso, de gente que estava “há horas” maratonando o blog e descobrindo tudo a meu respeito.
Mas eu tirei férias apenas de escrever no blog. Embora pareça que tudo foi acontecendo espontaneamente, eu criei uma fórmula para escrever, baseada no que eu via em outros blogs. Eu via que não gostava nem quando as pessoas eram extremamente pessoais, do tipo “eu fui pra uma festa, eu encontrei Fulano, eu dancei e voltei pra casa”, assim como também não gostava quando as pessoas discutiam o sentido na vida, algo que elas pensaram, mas de maneira completamente abstrata. De tanto retirar o lado pessoal de como se chegou na conclusão, a postagem fica parecendo mais um apanhado de frases de auto-ajuda. Minha observação me fez pensar que minhas reflexões só ficaram interessantes se acompanhadas de pitadas de biografia. E sempre procurei deixar a reflexão em aberto, porque acho que dizer tim-tim por tim-tim o que eu queria expressar seria duvidar da inteligência do leitor.
Com o tempo, e com a consciência de que o blog foi se tornando uma grande biografia nem sempre lida por quem gosta de mim, a fórmula foi ficando cada vez mais sufocante. Embora a minha intenção nunca tenha sido criar um personagem, eu senti que a persona Caminhante foi se tornando muito característica. Eu lembro de uma amiga que colocou no blog pessoal um mini conto erótico, aí nos comentários apareceu gente reclamando de que ela estava sendo infiel ao marido, ou que era vagabunda, algo assim. Meu blog passou a ser um espaço onde apenas os temas da “Caminhante” poderiam entrar, com seu olhar melancólico-otimista, praticamente ignorando sexo, desviando de falar mal de alguém, etc. Percebi várias vezes que alguns homens se aproximaram de mim já cientes do que eu havia escrito e fingiam que não, que nunca leram nada meu, para assim poder usar o que sabiam à favor deles. Nada contra ler meu blog e saber muito a meu respeito (“estou ciente e quero continuar”), tudo contra tentar me manipular.
Eu escrevi muito durante a pandemia, todos os dias. Tenho escrevido contos e os tenho enviado para concursos e editoras. Como nos regulamentos diz que não podem participar contos que tenham sido publicados na internet, eu fico impossibilitada de colocar aqui para não perder o meu material. Acho que um lado meu sempre teve esperança de que o blog um dia chamaria a atenção de alguém e tal, que editora importante entraria em contato comigo dizendo que me queria, porque eu sei que isso existe. Nunca nem me enviaram livros para escrever, menos ainda que eu escrevesse um, assim como nunca me tornei uma blogueira famosa. Então, por mais satisfatório que o blog seja, de certa forma ele é um grande ralo de textos. O que for publicado aqui é perdido; publicar aqui nunca me deu nem ao menos prestígio, eu sou só uma que “faz uns posts legais”, então fui correr atrás de um pouco de resultados, amigos. Já estou entrando na idade que perde as esperanças e as sementes apodrecidas se tornam amargor.
Mas deixa eu contar que essa vida de escritora séria, que escreve com liberdade e com muitas páginas, tampouco está sendo fácil. Longe dos olhos de vocês, apenas eu e o computador, é tão difícil se manter confiante. Eu escrevo porque não sei mais viver de outra maneira, independente de qualquer resultado. O personagem de ficção com quem eu mais me identifico no momento é Geppetto. Passei a entender a história de dele de outra forma – enquanto todo mundo se fixa no boneco mágico que conta mentiras, eu penso no velho solitário que fabrica para si uma companhia. Escrever é isso para mim, é a minha companhia, sou como aqueles personagens de desenho animado antigos que estavam com fome e desenhavam uma comida no papel e comiam. Incapaz de ter um amor, eu escrevo sobre amor; em busca de um sentido, eu escrevo sobre sentido. Quando recebo os muitos nãos dos concursos e editoras e fico triste, eu escrevo sobre ser rejeitada e ficar triste.
Sobre crushs, devo confessar que é meio dose homem chegar perto de mim e ser bolsonarista (moro em Curitiba, praticamente todos os heteros são minions). Achei que seria tão lindo, tão Nothing Hill, um homem se interessar por mim apenas por me olhar e trocar algumas palavras comigo… aí eu me peguei quase anotando o endereço do blog e entregando pra ele ler e já se localizar antes de dizer alguma besteira. Um ano na internet é como uma década na vida real, então mesmo depois de escrever durante dez anos, eu me tornei ninguém por deixar de postar. Até escritora eu conheci e nem ao menos pude dizer que “eu também escrevo” porque abri mão da pequena vitrine que eu tinha – pequena, sem prestígio nenhum, desprezada como coisinha fácil, mas pelo menos era um espaço.
Por isso estou aqui, agora. Voltei pra ter um tiquinho de calor.
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