Talento

Talento é foda. Beleza, técnica, experiência, até mesmo carisma… pra quase tudo na vida dá-se um jeito. Mas o talento não é assim: ou você tem, ou não tem. Por isso não tem como não se identificar um pouco com o Salieri do Amadeus. Quando a gente está numa área e alguém esbanja talento, pra não morrer de inveja o jeito é aplaudir.

Esses dias tivemos aula de improvisação e alguns minutos pra demonstrar culpa e angústia junto de uma parede. Apesar do meu trechinho ser um dos que serão aproveitados pra coreografia de fim de ano, não mostrarei. Não fiz nada de especial – sempre me acreditei incapaz de criar algo para um corpo em movimento! Ficamos todos babando com o talento do Israel e do Juliano – que, por coincidência, são fisicamente parecidos e já tinham sido apelidados de irmãos. Tivessem me dado 1 mês inteiro pra criar uma coreografia e eu jamais faria algo tão bom.

Pra ver o video do Israel, clique aqui. Ele está mais bem gravado. Coloco aqui o do Juliano pela curiosidade de eu aparecer nele. Eu sou aquela que entra na sala logo no começo…

Doçura

Tem gente que tem toque de Midas ao contrário, e transforma em merda tudo o que toca. Digo isso logo num tópico sobre Doçura, porque pessoas com esse tipo de toque conseguem ser desagradáveis até mesmo quando tentam demonstrar carinho. O carinho delas vem meio misturado à imposição, à chantagem emocional, à submissão e tantas outras coisas, que a gente acaba preferindo a pessoa na versão vilã.

É que, na verdade, não dá pra decidir ser doce de uma hora pra outra. A doçura é uma característica pessoal, uma maneira de olhar as coisas, uma relação com as pessoas e consigo mesmo. Quem é doce de verdade nem precisa se esforçar pra isso. Não precisa de frases feitas, não precisa de presentes caros. A pessoa realmente doce é assim com todo mundo que mereça – da pessoa amada ao cachorro.

Existe gente tão doce que mesmo virtualmente a gente sente o aconchego do abraço delas.

Teoria das cagadas sucessivas

É assim: pra poupar tempo, recursos ou cortar caminho, você faz algo de um jeito que corria o risco de dar errado e dá. Essa é a primeira cagada. Você percebe que fez uma cagada, e pra consertar as coisas, resolve fazer outra coisa de maneira meio irregular. Essa foi a segunda cagada. E as cagadas se sucederão, até que você interrompa o ciclo e assuma logo o prejuízo que a tentativa de economia lhe causou.

Som de tijolo

Nós fomos uns dos primeiros a ocupar uma casa naquele condomínio onde meu pai vive até hoje. Nos primeiros anos, as ruas estavam sempre cheias de montes de areia e tijolos nas calçadas. Eu tinha uns 6 anos e, junto com as outras crianças, gostava de subir nos montes e quebrar os tijolos. O que levava as outras crianças a quebrarem os tijolos eu não sei, mas eu o fazia por um motivo muito específico: o barulho do tijolo quebrando no asfalto é simplesmente delicioso. Claro que um dia um adulto nos flagrou e disse pra não fazer mais isso, porque prejudicava a obra e dava prejuízo ao dono das casas. Então, pra não atrapalhar ninguém e continuar ouvindo o som, eu estabeleci uma cota de 3 ou 4 tijolos por casa.

Agora tem uma obra no caminho que eu faço com a Dúnia todos os dias. Só não quebrei tijolo nenhum porque justamente naquele trecho a rua é de terra e o som seria ruim. Tenho vontade de abraçar um daqueles tijolos e caminhar alguns metros até alcançar o asfalto. Mas aí eu não teria como jogar a culpa no cachorro.

Casamento

Em primeiro lugar, o casamento é feito de um espaço físico. O lar onde o casal vive, com todas as suas quinquilharias. Coisas que podem até ter sido compradas com o dinheiro de um, mas nasceram para fazer parte de dois. Mesmo as coisas da época de solteiro agora servem a dois senhores. Presentes que deram uns para os outros e muitas coisas de casal: cama de casal, lençóis de casal, conjuntos de toalhas de casal, etc.

Depois, o casamento é feito de rotinas e acordos. De que lado da cama cada um dorme e qual dos dois levanta primeiro de manhã. Como são divididas as contas, quais são as prioridades, o que vai ser no futuro? Além do quem sai, quem fica e a que horas, tem a questão do com quem sai e quanto tempo sai. Quem são os amigos, quanto tempo se dedica a eles, que liberdade se tem com eles. Até os momentos de solidão tem que passar por esse crivo.

Por fim, o casamento é feito de sentimentos. Um dia ficar junto foi tão importante que nada foi capaz de interromper essa vontade. Depois de tudo arranjado, depois dos anos terem diminuído o desejo, depois da convivência ter transformado a fascinação em intimidade, o que resta? Dizem que só depois da paixão ter morrido é que surge o amor. Aquele outro está a seu lado sempre – e isso pode trazer uma abertura e um carinho que não tem comparação com qualquer outro tipo de relação.

O sentimento é apenas uma parte do casamento, e nem é a parte maior. É por isso que casamentos resistem a terceiros, a escapadas, ao tédio, a falta de respeito, a rotina. Quem chega de fora, por mais interessante que seja, está sempre em desvantagem – e o casado que se apaixona, sempre o canalha. E todas essas coisas a gente só percebe depois que casa. Eu sou do time que achava um absurdo alguém gostar de outra pessoa e não se separar por causa disso. Somente hoje eu sou capaz de entender o que ela escreveu.

Uma frase solta

O Ale fez um convite para quem quisesse entrar e eu entrei. Pra não ficar convidando as pessoas e no fim elas não seguirem adiante (e eu ficar me sentindo desprestigiada), também digo que quem quiser é só seguir as regras e colocar no próprio blog. É o seguinte: abra o livro que estiver mais próximo na página 61 e transcreva a quinta frase completa. A minha:

Pero lo esencial es que la oposición entre los primogénitos por un lado, y los segundones, los obreros e los criados, por el otro, queda relegada a un segundo plano, sin quedar abolida, sin embargo, por la oposición entre el ciudadano del pueblo y el campesino del caserío.

Não entendeu nada, né? Me explico: como eu nunca deixo os livros que estou lendo aqui no escritório, tive que roubar o jogo e buscar entre os livros mais próximos na minha papelada de faculdade. O primeiro que eu achei foi El baile de los solteros: la crisis de la sociedad campesina en el Bearne, de Pierre Bourdieu.

Bourdieu é um autor que adoro à distância, por ser brilhante e complicado de ler. Nesse livro, ele volta à sua terra natal e percebe que as regras de casamento campesinas e a desvalorização do homem interiorano estão causando impecílios enormes para o casamento, e os homens estão “ficando para os tios”. Ao lado do Elias, Bourdieu é meu autor sociológico preferido. Esse lado tão humano dele, de ser genial e ao mesmo tempo gauche, faz com que ele coloque os problemas de uma forma que ninguém colocou antes. Nossa, deu até saudades das ciências sociais!