Tóquinha

Estudar psiquiatria é muito interessante, porque todo mundo tem um pouco algum transtorno de personalidade. Assim que começaram a estudar o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) eu ganhei o apelido de Tóquinha. Não que eu tenha pensamentos repetivos que me forçam à fazer rituais, e sim porque tenho uma grande tendência ao perfeccionismo e à organização. A vida de quem tem estas características costuma ser muito boa no que diz respeito à prazos, trabalhos e coisas que necessitam de algo bem feito. Mas o perfeccionismo é muito estressante pra quem o pratica. Optei por procurar ser assim apenas em algumas áreas na vida, pra não infartar cada vez que o ônibus se atrasa, que uma vírgula é mal colocada ou sou obrigada a mudar minha rotina.

Mas eu nunca me achei tão perfeccionista assim, nunca. Apenas achei que gostava das coisas bem feitas. Isso até o dia de hoje: eu estava sentada no ônibus e uma senhora na minha frente abriu um remédio e tirou de lá a bula. Depois de ler a bula, ela dobrou o papel de qualquer jeito e colocou de volta na caixinha. Dobrou de qualquer jeito. Tive vontade de arrancar a bula da mão da criatura e dobrar tudo direitinho, conforme a dobratura original.

Digam que vocês também se irritam se alguém dobra um papel de bula errado.

Inteligência corporal

Nós sabemos que existem diversos tipos de inteligência, que ser inteligente não é unicamente saber fazer contas ou escrever bem. Mas na prática ainda colocamos as inteligências em hierarquia. Pela tradição e porque umas são mais lucrativas do que outras. Ser músico exige uma inteligência diferente do que ser engenheiro, mas o primeiro nos parece um vagabundo e o segundo uma pessoa superior, estudada. Numa escala mais baixa – não de inteligência, e sim de como a sociedade vê – estão as pessoas de inteligência corporal. Quando um universitário vai parar numa aula de ginástica e não sabe nem onde é sua direita, intimamente pensa: Ser o mongo da sala não tem importância, faço apenas para ter saúde. Ele não apenas se defende assim como não dá valor àqueles que se movimentam lindamente, porque entende que isso é pura perda de energia.

Isso não me surpreende em nada vindo de um intelectual, e as coisas são assim porque quem escreve os livros são eles. Cada um procura valorizar o que tem. Mas me surpreende muito quando vejo esse tipo de sentimento de inferioridade em bailarinos. Pessoas que fazem coisas incriveis com o seu corpo e se sentem constrangidas diante dos doutores. O que dizer a eles? Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Uns dão aula e outros grand jetés, e pra ambos é necessário um tipo de inteligência muito específica.

Amor e decadência

Minha cunhada levou sete anos pra casar e se separou com três anos de casada. Eu e o Luiz casamos em pouco mais de um ano – e teria sido em menos de um ano se a casa não tivesse nos atrasado. Por causa disso, fomos acusados pela família dele de casarmos impulsivamente. Depois de ouvir várias histórias, nem considero o meu casamento um dos mais rápidos. Conheço casos de pessoas que casaram em quatro meses. Seriamos todos loucos ou quando o coração tem certeza não há porque enrolar? De todas as histórias de rapidez, acho que nenhuma supera esta:

Recebemos no fim daquele ano um surpreendente telefonema, em que Luís Fernando nos comunicava que havia contratado casamento e que oportunamente nos daria pormenores a respeito da noiva e do acontecimento. Mafalda e eu nos entreolhamos e tivemos o mesmo pensamento. Quem seria a eleita? Homem um tanto tímido e, como o pai, um pouco inclinado à inércia e ao não-vale-a-pena, não teria ele se deixado levar pela simples preguiça de dizer não a alguém?

Nosso temores, porém, eram injustificados. Viemos a saber mais tarde que nem a moça suspeitava das intenções daquele bicho concha. Chamava-se Lúcia Helena. Trabalhavam ambos no mesmo escritório. Um dia nosso filho chamou-a (contou-nos a nora mais tarde) e ela imaginou que fosse para passar-lhe um pito por causa de algum trabalho mal feito. Luís Fernando disse-lhe apenas: “Vamos sair”. Ganharam a rua, caminharam algumas quadras em silêncio, fizeram alto à frente da vitrina de uma casa de jóias e, apontando para uma coleção de alianças, o rapaz perguntou à colega: “Estás vendo aquele anel ali? Te dou cinco minutos para resolver. Queres ou não casar comigo?” Lúcia aproveitou apenas quatro ou cinco segundos, dos trezentos que Luís Fernando lhe concedera, e respondeu: “Quero”. Deram-se os braços, entraram num botequim e beberam uma Coca-cola para comemorar o acontecimento.
Solo de Clarineta II p.58-59/ Érico Veríssimo

Foi assim que Lúcia se tornou esposa de Luís Fernando Veríssimo, há 47 anos. Diga a verdade: você ficou mais fã dele depois dessa.

***

Ao contrário das boas recomendações que recebi, não gostei muito de Solo de Clarineta. Achei o livro bastante irregular, e que ele merecia apenas um volume. Érico Veríssimo leva quase duzentas páginas pra chegar na idade adulta, tamanho seu entusiasmo pela própria infância. E termina o livro com infindáveis descrições das suas viagens, que meu lado invejoso não suportou. Além da descrição de lugares maravilhosos que talvez eu nunca conheça, ele ainda era saudado, aplaudido, laureado e falava com os maiores escritores da sua época o tempo todo. Pouca coisa, né? Não fui capaz de sentir muita empatia por isso. Com o que realmente me identifiquei foi o período difícil, a decadência da família Veríssimo. Depois de uma infância cercada de música clássica, autores franceses, jantares e brilhantes perspectivas, ele entra na idade adulta com seus sonhos estraçalhados porque seu pai dilapidou todo patrimônio da família. Aí o rapaz tímido, talentoso, culto e poliglota, que gostava e merecia do melhor, se viu varrendo chão de armazém. Quem nunca se viu nessa situação, com seus talentos desperdiçados num lugar medíocre? Alguns se sentem assim durante uma fase, outros se sentem assim a vida inteira.

A verdade

Eu super falaria pra alguém que ficou desagradável na minha festa que não o convidarei de novo por isso, igualzinho o Super Sincero fez no video. Gosto de ser gentil, mas também gosto de falar a verdade, o que às vezes me torna esse personagem. Já devolvi presente, já disse que não gostei de presente (né, Charlles?), não me dou ao trabalho de matar nenhum parente quando não quero ir a festas. Além de de ser mais correto dizer a verdade e etc, eu acho que mentir dá muito trabalho. Tem que pensar antes, arranjar uma história que seja coerente, arranjar um álibi, repetir a mentira sem alterações. Todo esse empenho e depois você ainda pega má fama. A verdade é mais pá-bum, a pessoa pergunta e você diz a realidade para ela.

O que acontece na vida de um super sincero é que as pessoas passam a não te perguntar as coisas. Porque elas sabem que você está disposto a dizer o que elas não querem ouvir. Nesses momentos eu me sinto meio perigosa, uma pessoa que causa medo nos outros. Por outro lado, existem também os masoquistas psicológicos, que querem que você conte, conte mais, conte as piores verdades. Isso me acontecia muito quando eu me dava ao trabalho de analisar as pessoas e dar conselhos. Mas aí eu é que não gosto. A verdade, ao contrário do que se diz, é a saída mais fácil. Quem diz a verdade se sente moralmente livre, mesmo quando ela coloca todos numa situação desconfortável. A dor e a licença moral desse tema me lembraram disso:

Ser ou não ser

Chega uma fase que uma mulher que ela precisa escolher que papel o sexo tem na vida dela. Se sexo é penetração, se sexo é toque, se sexo é diversão ou se é amor. Feliz ou infelizmente, as nossas escolhas não são determinadas pelo que é mais fácil, ou pelo que seria mais desejável no momento. Eu acredito no sexo livre e divertido, e a nossa sociedade prega o sexo livre e divertido. Acredito que homens e mulheres devem ter a mesma liberdade sexual, que quem uma mulher é não deve ser determinado pelo seu número de parceiros. Mas desde sempre me via envolvida emocionamente com qualquer um que me tocasse. Meio uma coisa ovo-ou-galinha, onde eu não sabia dizer se um homem me atraía porque podia ser algo mais ou se a atração fazia com que eu visse outras qualidades e me apaixonava. Então por mais que as minhas crenças estivessem ancoradas no agora, minha atitude sexual sempre foi de vovózinha.

Foi muito difícil pra mim decidir isso, decidir não tentar ser liberal. Assumir que só me entregaria a um homem por quem estivesse apaixonada, e que quisesse estar comigo além da cama. Eu pensava: Existem tantas mulheres mais legais, mais inteligentes e mais bonitas do que eu e que são liberais, então por que um homem vai se dar ao trabalho de ficar comigo? Porque pessoas mais e melhores do que nós sempre existirão. Na minha cabeça, eu estava acrescentando apenas mais uma desvantagem às tantas que eu já oferecia. Mas nas minhas tentativas de ser moderninha, eu sempre me sentia perdendo. Mesmo quando eu terminava, mesmo quando ninguém ficava sabendo, mesmo quando todos achavam que eu estava por cima. Aquilo não combinava comigo, não era o que eu queria. Contra tudo o que me parecia lógico, decidi que comigo não funciona ficar por ficar.

Não digo isso pra me vender como um caso de sucesso. Não quero dizer com isso que você, leitora, deve se fazer de difícil pra arranjar um marido. Eu nem ao menos quero falar de sexo. O que quero dizer é que, mesmo que as circunstâncias digam o contrário, existem pessoas dispostas a pagar o nosso preço – o preço de verdade, não o promocional de desencalhe. As coisas não precisam ser mais ou menos, não precisa ser qualquer coisa tá bom. Migalhas nunca se transformam em coisas melhores, ninguém vai pagar caro enquanto a gente se vende por pouco. Acontece alguma magia quando decidimos que merecemos mais – as pessoas começam a acreditar nisso também. Mas pra descobrir essas coisas é preciso arriscar.

Showzaço

Os dias que sucedem meu aniversário se tornaram menos festivos desde que casei. Tudo porque logo no fim de semana seguinte, tenho que ir ao aniversário da sobrinha do Luiz. Há anos espero que a menina entre naquele estágio de ter vergonha dos parentes. Este ano ela fará quatorze. Nunca que, aos quatorze, eu quereria meus colegas de escola, reunidos com a minha família no salão de festas do meu prédio enquanto minha vó lhes serve bolinhas de queijo. Mas enfim. Desde que se separou, a família do Luiz e do ex-cunhado disputam pra ver quem estraga mais a criatura. Isso faz com que a menina tenha uma grande quantidade de todas as coisas possíveis. Este ano minha sogra sugeriu darmos um livro, porque ela tem lido bastante. O Luiz quis comprar o Admirável Mundo Novo, porque “foi mais ou menos com essa idade que eu li”. Eu o alertei que ler muito não quer dizer ler bem e sugeri A Revolução dos Bichos – mais curto, mais direto e por isso mais seguro. E foi com esse propósito que cheguei na FNAC. Só que logo na entrada vi uma promoção de livros de ficção científica, e lá estava o Guia do Mochileiro das Galáxias. Mais seguro ainda.

Paguei e fui na sessão de embalagem para presente. Pra quem não sabe, essa parte de presentes fica fora da loja. Nessa mesma sessão, como pude ver enquanto esperava, eles vendem ingressos para espetáculos de Curitiba e no eixo Rio-São Paulo. Li toda a tabela e nada de muito importante estava acontecendo em nenhum dos três lugares. Isso parecia se confirmar com o fato de que quando cheguei havia apenas uma funcionária, que atendia a única pessoa na minha frente. Parecia ser um caso problemático. Eles consultavam uma pasta, o computador, o calendário, o sujeito não conseguia se decidir. Depois de muito tempo, ela foi me atender de tão complexa que a coisa estava. Nesse momento, o cara ligou para alguém, e eu pude ouvi-lo falar em “oportunidade imperdível” “show internacional” “casa quase lotada” “resposta imediata”. Vocês não vão acreditar que show-internacional-lotado-imperdível ele queria garantir para outubro. Uau.

Síndrome do portão

Em poucas palavras, é aquela vontade irresistível de ir ao banheiro quando a gente avista o portão de casa. Ou seja, você está tranquilo, a caminho de casa, com uma vontadezinha de ir ao banheiro. Geralmente o número dois, porque se fosse apenas o número um não precisava esperar pra chegar em casa. Mas é uma vontadezinha tranquila. Só que aquela vontadezinha se transforma monstruosamente à medida em que você se aproxima de casa, e quando está na porta já é necessário andar com as pernas juntas. Tudo porque você sente que está próximo de finalmente se soltar.

Eu tenho problemas com a Síndrome do Portão porque a Dúnia tem o hábito de passear quando eu chego em casa, esteja eu no humor ou estado fisiológico que estiver. Independente de questões banheirísticas, tenho percebido que a Síndrome do Portão tem uma alcance muito maior. Basta um aviso-prévio, uma data marcada ou uma mudança muito desejada pra começarmos a sofrer disso. À medida em que a data se aproxima, ficamos com mais vontade de nos soltar. Dá vontade de dizer umas verdades pra uns, nem olhar na cara de outros. As pessoas de sempre, as piadinhas de sempre, tudo irrita. Pequenos incômodos nos parecem intoleráveis. É difícil manter a civilidade, é difícil não ir logo embora quando sabemos que vamos embora.

Pele coberta

Não acredito mais em nu artístico. Como a internet é um meio tão jovem, vejo com facilidade peitos de fora. Não peitos de sites pornográficos, e sim peitos em sites de amigos, em sites de fotografia, em intervenções artísticas ou roupas de estilistas em início de carreira. Mulheres que mostraram o peito de uma forma moderna, liberal, nada masturbatória. Pelo menos, não na cabeça delas. Peito dentro do contexto, peito que conta uma história, peito pra mostrar outras coisas, peito representando a beleza no geral. Acho legal que elas se disponham a isso, porque peito meu não sai da casinha dele pra se mostrar pro público. Minha geração tem outra relação com a idéia de nu. Talvez vejamos erotismo em tudo, como se meu peito fosse uma parte meio sagrada, de uma intimidade infinita – mas eu tendo a achar que elas é que são ingênuas em pensar que todo mundo vai olhar aquilo sem maldade, que os homens não vão mentalmente abocanha-lose depois dar uma nota.

***

“Perigueti não sente frio”, é o que gostam de dizer. Porque aqui o frio que está fazendo não é brincadeira. Enquanto eu estou com minha roupa de lã coberta por um moleton, coberta com um casacão, que cobre também a calça jeans que cobre a meia calça, algumas gostam de estar na última moda do inverno carioca e vestem shorts com meia calça. Mas mais do que uma questão de ser piriguete ou não, de ser solteira ou não, de estar impressionando o namoradinho ou não, acho que é uma questão de idade. Tenho no meu guarda-roupa dois charmosos e quentinhos casacos curtinhos acinturados, e num deles eu nem toquei. Porque o fato deles serem curtinhos, somado à moda de calça de cintura baixa (subam de novo, pelamor?), deixam o cofrinho descoberto quando a gente senta. E se tem uma coisa que não suporto mais é a idéia de ter meu cofrinho gelado. Vejo tantas modas de boleros e coisas para cobrir os ombros e me pergunto o que é possível usar para deixar minha lombar quentinha. Se pudesse, andaria com uma bolsa de água quente nela.

Jumento

Quando eu a conheci, descobri que havia conhecido seu ex-marido, bem na época que os dois estavam se separando. Separações são sempre traumatizantes, e a dos dois foi especialmente difícil porque eles se conheciam desde a infância e haviam se mudado há pouco tempo para Curitiba. A história de vida de um está totalmente envolvida com a do outro. Antes de conhecê-la, eu tinha uma opinião neutra sobre ele. Faziamos defesa pessoal juntos, e como ele é da minha altura (acho que um pouco mais baixo), era comum fazermos duplas nos exercícios. As coisas que ela me contou pintaram um retrato horrível, de uma pessoa com quem eu jamais conversaria se soubesse. Não apenas pela maneira como o casamento acabou – ela parando de trabalhar no que gosta em função dele, e depois sendo maltratada justamente porque estava sem emprego – como pelas opiniões, pela maneira ambiciosa e mesquinha de ver a vida.

“Saí com um cara ontem, só pra conversar. É difícil me acostumar com outro homem, porque o ex era um verdadeiro jumento”. E era mesmo. Eles moravam em outro estado, aí ele se encantou por Curitiba e decidiu vir morar aqui. Ele estudou pra um desses concursos que oferecem salários altíssimos, e passou num dos primeiros lugares. Tudo com o objetivo de escolher a vaga de Curitiba. Ela tinha contatos e emprego lá, e se mudou em função dele. Aqui, arranjou um emprego, mas a área dela não paga muito bem. Aqui, ele voltou a estudar e logo começou a arranjar namoradas na faculdade. Ele a convenceu a abandonar o emprego, e disse que ela precisava passar num concurso igual ao dele. A desigualdade salarial fazia com que ele se sentisse explorado. Ela não conseguia estudar aquilo, começou a engordar e ficar infeliz. E ele, a desprezá-la por ser uma simples dona de casa. Ele até estava planejando uma viagem à Europa, sozinho; se ela quisesse ir, que trabalhasse e economizasse.

“Tenho pensado sobre que tipo de homem eu gosto. Porque o meu ex era um jumento”. Como eu ainda frequentava a defesa pessoal, o ex acabou descobrindo que eu virei grande amiga dela. Sem que as outras pessoas percebessem ou entendessem, ele passou a me virar a cara. Eu jamais falei mal dele, mas confesso que foi por pura falta de oportunidade – dava vontade de dizer pra todo mundo que ele considera fracassados todos com renda inferior a dez mil mensais. Enquanto minha amiga ralava pra reconstruir a vida, o outro fazia yoga do DeRose. Fomos ver Mamma Mia juntas e ela se emocinonou muito com The winner takes at all, porque parecia falar do que ela estava vivendo. Só que nem tudo era como eu pensava. Ou, pelo menos, como eu estava entendendo:

– Ele foi meu primeiro homem. Nos primeiros meses doeu muito, demorei pra me acostumar. Porque o ex era um verdadeiro jumento…
– Espere. Durante todo esse tempo, eu achei que você dizia que o ex era um jumento porque ele te tratava mal.
– O ex me tratava muito mal mesmo. Mas era um jumento porque era (e começa a me mostrar com mãos paralelas e dedos arredondados as proporções ajumentadas do orgão sexual do ex-marido).

Uma palavrinha de pessimismo

Algumas vezes a gente se afasta das pessoas e têm a esperança de que elas vão entender os nossos motivos. Minha experiência diz: elas nunca entendem. Por mais óbvio que seja, por mais que você tenha dado mostras de insatisfação, por mais que a situação fosse muito desfavorável ou difícil para você. Não adianta esperar que o outro entenda o seu ponto de vista, porque não vão entender. Quando você for embora, olharão para a coisa mais banal, a mais sem sentido e a mais recente pra achar que aquele fato explica tudo. Vão achar que foi porque você não ganhou carona ou não recebeu atenção naquele dia. Não passará pela cabeça de ninguém que foi a gota d´água, ou que se afastar foi uma idéia amadurecida. Parece ser mais fácil acreditar numa insanidade temporária a olhar o histórico do relacionamento e perceber que nem tudo ia bem. Talvez a necessidade de repetir a sua inocência – eu não fiz nada, eu não tive culpa! – seja porque em algum lugar se desconfie de que não foi tão impulsivo e injusto assim. Mas jamais espere ouvir um mea culpa, porque esse reconhecimento nunca chegará.

Dando e levando #unfollow

Eu nunca sei quantas pessoas eu tenho me seguindo. Acho que nunca cheguei perto de mil. Ou seja, estou longe de ser popular no twitter. Com tão poucos seguidores, seria fácil cuidar deles, saber quem eu sigo e quem me segue de volta, mas faço questão de não fazer isso. Porque quando a gente vê que alguém deixou de nos seguir, sempre dói um pouco. E surge a dúvida se foi por algo que acabamos de dizer. Existe até site pra rastrear isso, se vocês tiverem interesse: tweeteffect. Aí você vê que logo depois de tuitar sobre feijão, @exseguidor te deu unfollow, e isso te dá a impressão de que @exseguidor odeia esse assunto. Ou te odeia, ou achou o cúmulo do mal gosto você tuitar sobre feijão. E quando penso nos motivos que me levam a dar unfollow, não parece tão grave. Pode ser que eu esteja fazendo uma limpeza de gente que não interaje comigo, pode ser que esteja dando preferência aos que oferecem links interessantes ou porque a pessoa tuita coisas tão pessoais (ou tão engajadas) que fica desinteressante. Raramente é mais do que isso.

Acredito que eu perca muitos seguidores quando começa o BBB e pra quem não assiste é um saco me ler todo dia sobre isso. Alguns dos leitores do blog, ao se tornarem leitores de twitter, podem não gostar das coisas que escrevo (enquanto outros adoram). Prefiro deixar de seguir a me aborrecer; os outros têm todo o direito de fazer o mesmo caso eu seja a aborrecedora. Se existe fórmula para ser interessante lá, pergunte para as celebridades. Não tenho tanto controle sobre o meu perfil, do mesmo modo que não tenho sobre quem sou. Conheço muita gente que é interessante pessoalmente e desinteressante virtualmente, e vice-versa. Sou amiga de pessoas mais velhas que nem ao menos verificam seu e-mail, ou de pessoas que usam a internet pra acessarem outro tipo de conteúdo. Então pra mim é muito normal a idéia de adorar um amigo lá fora e não gostar do perfil virtual. Já deixei de seguir amigos do peito, e nunca vi nesse ato uma declaração de guerra. Alguns entenderam isso e nossa amizade continua. Outros reagiram tão mal que eles mesmos cortaram relações comigo, transformaram um simples unfollow numa coisa maior.

Quando a gente tem um certo tempo de twitter, acaba se estabilizando. Gosta de ter um determinado número de seguidos e não consegue agregar muita gente nova. Às vezes acho que estou sendo muito injusta, que pessoas muito interessantes se sentiram desprestigiadas porque não as segui de volta. Ao mesmo tempo, não consigo fazer muita coisa para mudar isso. A essas pessoas, peço minhas desculpas e lamento pela amizade perdida. E sei que elas farão a mesma coisa no futuro.

Pelo suicídio limpinho

Imagine a pessoa estar andando na rua e ser surpreendida com um corpo se espatifando na frente dela. Ou em cima do seu ônibus. Ou estar olhando o céu azul e uma pessoa passar diante dela, indo rapidamente até o chão. Terrível, né? É sempre nisso que eu penso quando sei de suicídios. Não vou discutir esse assunto seríssimo aqui. Só quero dizer que nunca deixo de pensar a tremenda sacanagem que é se matar de maneiras públicas, espalhafatosas e sangrentas. Penso nas pessoas que viram porque estavam andando no lugar errado na hora errada, ou em quem descobre o corpo, ou na coitada da faxineira que vai lavar o sangue depois. Se é pra se matar, meu, se mata mas não traumatiza quem não tem nada a ver com a história.