A humilhação da escrita

Eu tenho uma amiga que tenta há vários anos passar num desses concursos públicos muito disputados. A cada fracasso, ela me confessou ficar chateada não apenas por ela mesma, mas também por ter que admitir diante das pessoas que, mais uma vez, seus esforços deram em nada. Ela me disse que, para quem está de fora, é apenas uma sucessão de nadas, enquanto que para ela cada prova tem circunstâncias, histórias, progressos e regressos. Eu disse que sabia exatamente como ela se sentia, que escrever trazia o mesmo problema pra minha vida. Falei com sinceridade e só depois lembrei que ela era uma dessas pessoas que me falou que poderia escrever um livro ótimo sobre as muitas histórias amorosas que ela conhece, que basta um dia ela colocar se sentar diante do computador e colocar pra fora. Este “basta” é o que mata todo aspirante a escritor. Só quem tentou de verdade sabe que este “basta” contém tudo, e que quem acha que “basta” é porque nunca enfrentou o problema e nunca enfrentará. E por isso sempre olhará para o aspirante a escritor como um fracassado, porque como é possível existirem tantas histórias boas para serem contadas, que basta escrever, e diz você ter produzido muitas delas e ninguém quis publicar? Sinal de que o que você tem pra contar não é tão interessante assim, já no meu caso apenas bastaria que…

O penúltimo livro da série Minha Luta, de Karl Ove Knausgaard, A Descoberta da Escrita é, sem dúvida, o mais interessante para qualquer um que sonhe em escrever. Ele me fez lembrar de outro livro: Do que eu falo quando falo de corrida, de Haruki Murakami. O próprio Murakami não é o caso do que citarei a seguir, porque ele pulou da vida de dono de bar de Jazz para escritor logo na sua primeira tentativa, que ocorreu quando ele tinha quarenta e dois anos. Depois de discorrer sobre a importância da disciplina necessárias para ser corredor e/ou escritor, Murakami diz que para alguns o talento é um lugar difícil de alcançar, e esse tipo de escritor é premiado pela sua persistência: depois de cavar muito, ele finalmente encontra o “petróleo” do próprio talento e a escrita fluir. O Karl Ove que conhecemos no Descoberta da Escrita é alguém que deseja desde sempre escrever e durante mais de dez anos é um sabido aspirante a escritor para todos o que o conhecem, desde a família até vizinhos. Ele até entra até num conceituado curso superior com outros escritores, todos pessoas maduras que já escrevem. O privilégio de estar cercado de tais pessoas acaba sendo muito doloroso, porque deixava claro o quanto ele era limitado. Karl Ove lê muito, aprende a teoria, passa fases da vida em que se dedica full time à escrita, noutras vira apenas um trabalhador comum, e no final nos confessa que levava dois anos pra produzir cerca de quatro páginas. Páginas lindas, revisadas, belamente escritas, mas apenas quatro trabalhosas e paridas à forceps páginas. Juntar um número suficiente de folhas para conseguir material para enviar para publicação era difícil, como vocês podem imaginar. E não dava certo.

Mas, claro, estou falando do incensado Karl Ove, e da série auto-biográfica que é considerada o novo Em busca do tempo perdido, o que mostra que no fim ele conseguiu superar tudo e o final é feliz. Quando, depois de dez anos de tentativas, ele finalmente consegue publicar, Karl Ove fica nas nuvens e liga pro irmão pra contar a novidade. A reação do outro lado da linha não é a festa e a surpresa que esperava, e o irmão responde algo como: “é que era meio óbvio que acabaria acontecendo, né?” NÃO ERA NÃO! – respondeu ele, respondo eu, responde a Cíntia, e tantos outros aspirantes a escritores pelo mundo afora.

Do lado de cá, tentamos arranjar falsas simetrias: há esperanças pra mim porque, como Karl Ove, eu levo anos pra produzir poucas páginas de qualidade, eu ainda acharei a minha fonte! Ou: eu acabarei me tornando uma grande escritora porque minha vida tem se tornado cada vez mais reduzida à vida interior, tal como aconteceu com Borges… Ou: sou um anônimo num emprego comum, como Bolaño; tenho a religiosidade de Tolstói; a feiura de Sartre; os tormentos de Virgínia Woolf; a timidez de Veríssimo, infelicidade no amor de Oscar Wilde; a dependência econômica de Marx… Queremos crer que a nossa infelicidade, impopularidade e limitações faz com que a vida nos deva, e queremos como pagamento que pelo menos ela nos permita a vaidade de ser um autor. Mas e os bonitões como Camus e Casares que faziam muito sucesso com as mulheres? Capote frequentou a alta sociedade, Suassuna era interessantíssimo, Jorge Amado tomava chopp com os amigos na praia, Voltaire era nobre, Vargas Llosa quase virou presidente. Ou seja, aquela minha amiga do concurso – que me disse aquilo em meio a uma das muitas caronas, porque ela tem carro e eu nem ao menos dirijo – pode um dia realmente sentar na frente do computador e sair dali um livro interessantíssimo. Ela pode passar no concurso e ganhar melhor ainda do que já ganha, publicar livro, trocar de carro, casar, e isso se somaria ao fato dela ser popular, bonita, inteligente, culta e viajada – e eu posso continuar na mesma. Procurar garantia na vida dos outros pra ver se vai dar certo na nossa é como aquelas estatísticas de futebol que dizem que o “time ganhou 69,5% das vezes que jogou em casa com o primeiro uniforme no inverno”, ou seja, não dá em nada. Daria pra terminar este texto aqui com uma constatação muito profunda e acertada: a vida é injusta.

Eu me pergunto o que seria de mim e de outros frust… aspirantes se fôssemos noruegueses ou até mesmo argentinos. Um dos nossos grandes problemas – e começo aqui a explicar o que há de tão difícil que as pessoas não entendem – é o fato de morarmos num país onde poucas pessoas leem. Publicar é uma atividade tão pouco lucrativa que o escritor brasileiro precisa ser ainda melhor para ser publicado, a seleção é extremamente difícil. As editoras precisam lucrar e para elas é mais garantido publicar autores como J. K. Rowling ou Elena Ferrante, ou atores globais, do que investir num desconhecido. Já é difícil para o brasileiro entrar numa livraria para comprar um livro clássico, quanto mais ver um João da Silva na capa e decidir levar. Existe também o regime de participação, onde o escritor banca uma boa porcentagem do custo da publicação. Na prática, todos os que fazem isso os fazem apenas para realizar seu desejo, porque é um investimento sem retorno – não vende o suficiente pra recuperar o dinheiro e ainda fica atravancando a casa. Por isso que quem escreve, seja em editora grande ou pequena, sempre se empenha na propaganda e acaba apelando para os amigos.

Existe também o problema da escrita em si, daquele diabo do Talento. Não existe nenhuma história que não tenha sido contada e recontada muitas vezes; se você acha que existe algo inédito a ser dito, e ainda por cima esse algo inédito está em você, lamento dizer mas isso é tão somente ignorância, falta de cultura. Existe livro sobre tudo que já existe, existiu ou existirá, tenha certeza. O grande segredo é a maneira de contar, a mágica de transformar algo muitas vezes banal numa narrativa que te faça abrir mão de tempo de vida para descobrir aonde aquela sequencia de palavras vai te levar. Que interesse poderia haver em ler as opiniões de um tuberculoso amargo que desprezava todos à sua volta como Thomas Bernhard, ou até o próprio Karl Ove, com seu padrão estúpido de estragar tudo com álcool e sexo? Por isso a lógica de vender livros de celebridades ou para amigos, porque metade do caminho é se interessar em saber o que o outro quer dizer. Mas a boa literatura é aquela que consegue gerar o desejo do zero, que um nome completamente desconhecido – de quem podemos ignorar a origem, que época viveu, até mesmo se é homem ou mulher – nos entusiasme apenas pelo que escreveu. Franz Lebowitz, na série sobre ela na Netflix (Faz de conta que NY é uma cidade) faz a definição perfeita do que seria um livro ruim: era aquele que ela começado a ler e, depois de ser interrompida com alguma tarefa banal, esquecia de retomar. E completa: “é muito pior do que fechar o livro, furiosa”. Saber escrever direitinho, com início-meio-fim, com frases que obedecem as regras gramaticais, enredo e personagens é apenas o muito básico. Pode ter certeza que todos nós que temos livros na gaveta sabemos fazer isso, não precisa nos recomendar livros de Como escrever uma história, Escrita criativa e afins. Não é pelo básico que as editoras nos rejeitam e sim pelo que escapa do controle: que o que escrevemos pareça fresco como algo que nunca foi dito e instigue o leitor.

Chego no final deste texto como Virgílio deixando Dante às portas do Paraíso. Pensei em falar da loucura que é querer tanto publicar um livro, sendo que isso não é sinônimo de vender e ser lido, menos ainda de se tornar uma pessoa relevante pra literatura. Quem sabe seja igual fazer aquele belo corte de cabelo e descobrir minutos depois que não estamos mais sedutoras e confiantes. Já imaginei várias vezes como seria receber o e-mail ou telefonema que diria que meu manuscrito foi aceito, pensei em lista de agradecimento e dedicatória, me perguntei se passaria a me apresentar como escritora cada vez que preenchesse uma ficha. Mesmo ignorada pelo mundo, imagino que algo dentro de mim realmente seria curado, tamanho poder simbólico que o meu próprio livro teria pra mim – mas aí já estou entrando em terreno desconhecido. Você chegou até aqui, mesmo sem se interessar em publicar? Então muito obrigada, porque é isso que eu busco o tempo todo.

Escrever para não ser lida

Quando eu clico numa postagem antiga do blog, em qualquer ano, eu fico assustada com o quanto de sinceridade auto-biográfica tem ali. “Meu Deus, eu falei disso com todas as letras na internet?”. Por isso eu não sei se consigo voltar a escrever aqui com a frequencia de antes. Olho para a maneira como o conto do Paulo Coelho ocupou muito espaço e fico feliz, acho que criou tipo uma tampa que me protege do que um monte de pessoas já fizeram: começaram a ler o texto mais recente por curiosidade e foram subindo e voltando no tempo. Já recebi e-mails falando disso, de gente que estava “há horas” maratonando o blog e descobrindo tudo a meu respeito.

Mas eu tirei férias apenas de escrever no blog. Embora pareça que tudo foi acontecendo espontaneamente, eu criei uma fórmula para escrever, baseada no que eu via em outros blogs. Eu via que não gostava nem quando as pessoas eram extremamente pessoais, do tipo “eu fui pra uma festa, eu encontrei Fulano, eu dancei e voltei pra casa”, assim como também não gostava quando as pessoas discutiam o sentido na vida, algo que elas pensaram, mas de maneira completamente abstrata. De tanto retirar o lado pessoal de como se chegou na conclusão, a postagem fica parecendo mais um apanhado de frases de auto-ajuda. Minha observação me fez pensar que minhas reflexões só ficaram interessantes se acompanhadas de pitadas de biografia. E sempre procurei deixar a reflexão em aberto, porque acho que dizer tim-tim por tim-tim o que eu queria expressar seria duvidar da inteligência do leitor.

Com o tempo, e com a consciência de que o blog foi se tornando uma grande biografia nem sempre lida por quem gosta de mim, a fórmula foi ficando cada vez mais sufocante. Embora a minha intenção nunca tenha sido criar um personagem, eu senti que a persona Caminhante foi se tornando muito característica. Eu lembro de uma amiga que colocou no blog pessoal um mini conto erótico, aí nos comentários apareceu gente reclamando de que ela estava sendo infiel ao marido, ou que era vagabunda, algo assim. Meu blog passou a ser um espaço onde apenas os temas da “Caminhante” poderiam entrar, com seu olhar melancólico-otimista, praticamente ignorando sexo, desviando de falar mal de alguém, etc. Percebi várias vezes que alguns homens se aproximaram de mim já cientes do que eu havia escrito e fingiam que não, que nunca leram nada meu, para assim poder usar o que sabiam à favor deles. Nada contra ler meu blog e saber muito a meu respeito (“estou ciente e quero continuar”), tudo contra tentar me manipular.

Eu escrevi muito durante a pandemia, todos os dias. Tenho escrevido contos e os tenho enviado para concursos e editoras. Como nos regulamentos diz que não podem participar contos que tenham sido publicados na internet, eu fico impossibilitada de colocar aqui para não perder o meu material. Acho que um lado meu sempre teve esperança de que o blog um dia chamaria a atenção de alguém e tal, que editora importante entraria em contato comigo dizendo que me queria, porque eu sei que isso existe. Nunca nem me enviaram livros para escrever, menos ainda que eu escrevesse um, assim como nunca me tornei uma blogueira famosa. Então, por mais satisfatório que o blog seja, de certa forma ele é um grande ralo de textos. O que for publicado aqui é perdido; publicar aqui nunca me deu nem ao menos prestígio, eu sou só uma que “faz uns posts legais”, então fui correr atrás de um pouco de resultados, amigos. Já estou entrando na idade que perde as esperanças e as sementes apodrecidas se tornam amargor.

Mas deixa eu contar que essa vida de escritora séria, que escreve com liberdade e com muitas páginas, tampouco está sendo fácil. Longe dos olhos de vocês, apenas eu e o computador, é tão difícil se manter confiante. Eu escrevo porque não sei mais viver de outra maneira, independente de qualquer resultado. O personagem de ficção com quem eu mais me identifico no momento é Geppetto. Passei a entender a história de dele de outra forma – enquanto todo mundo se fixa no boneco mágico que conta mentiras, eu penso no velho solitário que fabrica para si uma companhia. Escrever é isso para mim, é a minha companhia, sou como aqueles personagens de desenho animado antigos que estavam com fome e desenhavam uma comida no papel e comiam. Incapaz de ter um amor, eu escrevo sobre amor; em busca de um sentido, eu escrevo sobre sentido. Quando recebo os muitos nãos dos concursos e editoras e fico triste, eu escrevo sobre ser rejeitada e ficar triste.

Sobre crushs, devo confessar que é meio dose homem chegar perto de mim e ser bolsonarista (moro em Curitiba, praticamente todos os heteros são minions). Achei que seria tão lindo, tão Nothing Hill, um homem se interessar por mim apenas por me olhar e trocar algumas palavras comigo… aí eu me peguei quase anotando o endereço do blog e entregando pra ele ler e já se localizar antes de dizer alguma besteira. Um ano na internet é como uma década na vida real, então mesmo depois de escrever durante dez anos, eu me tornei ninguém por deixar de postar. Até escritora eu conheci e nem ao menos pude dizer que “eu também escrevo” porque abri mão da pequena vitrine que eu tinha – pequena, sem prestígio nenhum, desprezada como coisinha fácil, mas pelo menos era um espaço.

Por isso estou aqui, agora. Voltei pra ter um tiquinho de calor.

Em um mês, o mundo inteiro mudou

O mundo era outro quando eu decidi tirar férias deste blog. Eu estava fazendo minha aula de flamenco, preocupada com o fato de uma viagem em família coincidir com uma apresentação, e estava preocupada em remarcar a passagem. Agora não há mais classe de flamenco, viagem, apresentação e ninguém sabe quando qualquer uma dessas coisas será possível de novo, e até mesmo o que será possível de novo.

Minha esperança, ao deixar de escrever no blog, era reencontrar meu entusiasmo para escrever. De repente, me vi em vontade de compartilhar nada aqui, porque o próprio ato de contar uma história estava perdendo sentido pra mim. Eu sempre fui à favor do esforço continuado e acreditava que ele, por si só, é capaz de grandes realizações. Bem, sem esforço sem dúvida as realizações não são possíveis, mas comecei a duvidar de qualquer capacidade que eu pessoalmente tenha pra isso. Não acredito mais que eu possua, dentro de mim, o necessário para escrever um livro interessante. Vocês podem me dizer: nem todos precisam escrever um grande livro, pequenas histórias de blog também têm o seu lugar. Durante mais de dez anos isso foi suficiente, mas agora eu realmente cansei.

Escrevi uns contos e, se nada mudar, eles são a última manifestação da minha ambição em escrever coisas interessantes. Sabe que até pra mandar conto pra amigos e querer que eles leiam é complicado? A gente quase perde o amigo, é uma saia justa enorme pra ele, que se vê entre a necessidade de me agradar e a exigência de dizer a verdade.

Há um desses contos, em especial, que gosto muito e sei que editora nenhuma toparia publicar, porque o personagem principal é uma pessoa famosa e ainda viva. É uma homenagem, acho que se um dia a tal pessoa lesse, iria curtir muito, mas não vai acontecer, ninguém vai topar e pronto. Então decidi publicar aqui, um capítulo de cada vez. Assim, sacio a vontade de vocês de lerem algo meu e vamos ver o que será de mim quando eu chegar no fim do 29º capítulo. Isso se até lá não surgirem queixas e eu tenha que apagar tudo…

O farol

farol

Eu me via como o único habitante de uma ilha que tem apenas um farol. Podia fazer o que quisesse durante o dia – embora as opções sejam poucas e solitárias – mas sempre com o compromisso de, aconteça o que aconteça, acender a luz à noite. Uma luz solitária no alto de uma torre pra se manter sempre acesa e avisar pessoas que nunca vejo e nem ao menos sei quem são. Às vezes olho para o mar negro e penso ter visto algo na água, e fantasio que alguém passou por ali e viu aquela luz, e que foi importante, e com essa impressão me aqueço nos meus dias. Mas na maior parte do tempo o mar é tão vasto e o silêncio tão grande que nem disso consigo me convencer. São noites e noites que, olhando para trás, eu poderia não ter vindo – mas eu vim. Com chuva, com sol, com machucado, feliz ou infeliz, sem nenhum patrão pra cobrar minhas faltas ou elogiar minha constância, tenho subido na torre e acendido a luz, apenas por entender que é o papel que me cabe num mundo onde muitos viajam de navio, enquanto eu estou sempre aqui.

Mas se crer um acendedor de farol ainda é muita coisa, é pretensão demais. Eu sou apenas um louco com uma vela trancado no quarto. O único navio que vê aquela luz é o que tem dentro dos meus olhos. E estou ficando sem fósforos.

Curtas sobre palavras

overthinkingOsho dizia que não dá pra pegar um homem moderno, que passa o dia inteiro agitado, e simplesmente colocá-lo de pernas cruzadas e esperar que sua mente se aquiete. Por isso, as meditações dele eram dinâmicas, a pessoa passava a primeira metade falando sem parar, ou se movimentando, para só então ficar quieto. Eu lembro de no final da parte agitada da meditação (a única dele que fiz) estar totalmente cansada de mim mesma, achando minha voz chata e minhas palavras repetitivas. Não quero dizer nada, não decidi nada, mas tenho me sentido assim com o blog faz algum tempo.

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Escrever é muitas vezes um pensar em voz alta. Já vi muita gente ser idealizada porque escreve, e talvez eu só entenda que não é pra tanto porque escrevo também. Às vezes o texto, assim que saiu, se tornou coisa antiga para o autor – os problemas viram a luz do sol e se desfizeram dentro dele, se tornaram coisa do mundo.

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Acho que a maior realização de um autor deve ser um estranho pegar o seu livro numa livraria. Eu publicar me transformaria em fonte única – claro, numa editora eu também teria que me empenhar em vendê-lo, mas eu seria apenas uma parte do processo – e percebo que se pudesse nem queria estar por dentro. Eu detestava vernissage e sem dúvida detestaria lançamento. Não gosto da ideia de recair sobre meus amigos a responsabilidade de me ler, mais ainda do que vocês já leem aqui. Que os leitores do livro fossem outros.

Koan

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Há um koan – que é uma questão não para ser respondida e sim meditada – que pergunta “se uma árvore que cai numa floresta, e não tem ninguém lá para ouvir, ela realmente faz barulho?”

Ao longo da minha vida, este koan me remeteu a muitas coisas. Eu já tive momentos de sair cedíssimo de casa, resolver mil coisas o dia inteiro, voltar para casa à noite e ainda ter mil outras coisas para fazer, assim como já tive momentos de acordar e olhar para o teto sem saber o que fazer para as horas passarem. Dias de ter apenas os meus fantasmas como companhia, meses dedicada apenas às burocracias da vida adulta, anos escrevendo coisas que nunca virão a público. Eu me pergunto: será que alguma coisa realmente mudou em mim e/ou na minha escrita? Solidão seguida de descobertas, assuntos novos, cadernos cheios de anotações… Se você aprende, vasculha, trabalha e, ao mesmo tempo, não coloca nenhum produto no mundo, a sensação é de apenas se olhar no espelho e se ver mais velha.

Céline

te devolvo o texto com pequenas correções

Parei de mostrar o que eu escrevo para amigos que também escrevem me cobrirem de porrada. Eu sou tão amiga de ser realista comigo mesma que não dava as coisas que eu escrevo para os que elogiavam e sim para os que me maltratavam. Minha primeira reação era ir chorar no travesseiro, jurar que nunca mais tentava e, depois de me acalmar, voltar furiosamente ao texto. Mas parei. Assim como parei há muito tempo, tanto que vocês nem devem lembrar, de reclamar não ser lida e não ser publicada, ameaçar parar de escrever. Eu sei que não vai acontecer. Escrevo se tiver um, escrevo se não tiver nenhum. Não é algo que venha de fora.

Eu não pretendia tocar no assunto porque quem sabe vocês nunca leiam, nunca saibam direito como e porquê, mas o escrever se tornou uma vida paralela tão importante pra mim, que nem sei o que farei sem a Céline. Acho que estou há oito meses com ela. Ela não tem medo. O mundo caindo em volta e ela não se identifica, não se preocupa com o futuro, nada pode afetá-la. Gosto de fingir pra mim mesma que consigo ser como ela, que ela foi inspirada em mim – quem me dera! As coisas me acontecem e me pergunto como ela encararia, e me sinto melhor. Não quero terminar, não sei o que será de mim quando terminar.

O próximo best-seller

best seller

Algumas pessoas já me disseram que têm uma coleção de histórias ou uma história pra um livro. Até aí, muito normal. O anormal é a expressão que elas fazem, a maneira como perscrutam meu olhar em busca de alguma irritação ou inveja. Há várias ideias por detrás disto: eu sou uma pessoa que escreve há tanto tempo, já tentei escrever e mandar livros e nunca consegui, não sou boa o suficiente na escrita pra ter um romance. Já ela tem dentro dela dados que são um tesouro, que quando saírem para a luz, gerarão um livro muito interessante. Só que o que a pessoa encontra é um encorajamento sincero. Eu realmente quero que todos os que têm grandes livros na cabeça realmente comecem.

Eu sempre achei que somos o país do futebol porque todo brasileiro, pelo menos do sexo masculino, um dia jogou futebol. Por ter tentado, por conhecer seu desempenho, ele é capaz de ver um profissional fazer um drible bem feito e chutar uma bola no ângulo e valorizar. É diferente saber em teoria e realmente ter tentado. Eu só passei a realmente admirar um bailarino que dá vinte fouettés quando descobri a tontura que é dar dois giros. Sempre fui uma leitora meio enjoada, do tipo que hesita muito em pegar best sellers e livros mais fáceis. Depois que passei a tentar eu mesma escrever um livro, minha antiga atitude de desprezinho pelas mesas cheias de livros descartáveis virou pura admiração. Olha só duzentas páginas de letras, ações e descrições, que artista!

Por isso, quero muito que escrevam. Quero que descubram que a ideia fabulosa, de várias páginas, se transforma em poucos parágrafos quando você senta pra digitar. Que por escrito o impacto é diferente do causo contado entre amigos. Que algumas coisas fluem e falamos do que nos é muito próximo, e outras não, mas para ficar bom ninguém deve notar uma coisa e outra, e pra isso é muito tempo em cima até corrigir. Enfim, não vou me dedicar a listar às particularidades da escrita, até porque nem todo mundo – levei tempo pra descobrir – quer realmente escrever um grande livro, alguns só querem poder dizer: escrevi um livro. Escrevam sim. Façam de tudo para transportar para um arquivo aquilo que está só na sua mente. Procurem uma editora. Depois se abracem também aos prantos diante de qualquer livro de ator global, admirada com a grandeza do projeto.

As dificuldades

dificuldades

A vida na internet me colocou em contato com muita gente que escreve bem. Nós não sabíamos, mas estávamos todos naquela idade das possibilidades. Ou talvez um deles soubesse, quando me dizia: “você sabe que o que eu invejo não é o que você escreve, e sim você continuar escrevendo”. Porque ele, na verdade, foi um dos que eu conheci pós-escrita. Ele foi dono de um site delicioso, que teve muitos fãs e lhe permitiu “comer muita gente” (palavras dele). Eu acreditei piamente que um dia todos nós estaríamos num cocktail, comentando nossas críticas, dizendo por debaixo dos panos que Fulano ou Beltrano nem é tudo isso, que a literatura brasileira anda mesmo bastante decadente. Eu pensava, como na tirinha do Liniers, que a gente lutava contra os nossos fantasmas, contra o fato do que o que pareceu lindo na imaginação, praticamente um livro inteiro, se transformar em poucas linhas medíocres quando finalmente sentamos para escrever. Mas estes entraves – sei agora – são o de menos. O problema são os vazamentos do Intercept. Eu fico doida, não consigo pensar em mais nada. Clico em cada paródia, tenho que dividir todos os memes. Fui atrás do filme do Snowden (Netflix), ainda não tinha visto. Vi o David Miranda dançando e agora quero formar um trisal com Glenn e David (mas me conformo com um jantar). Quando o que me invejava-porque-ainda-escrevo me falou isso, eu lhe respondi que ainda escrevia porque não conseguia parar. Na expressão dele vi que isso soou muito invejável, mas talvez isso seja apenas um atestado da minha falta de saúde psíquica. Eu poderia ter lhe dito que ele se diverte em comer gente, em se envolver com as questões dos filhos, em frequentar bons restaurantes e eu não tenho nada disso. Até já tive, mas hoje estou sem restaurante, sem dinheiro, sem companhia, sem nada. Passo dias sem interagir com nenhum outro ser humano que não seja atendente da padaria. Uma pessoa mais normal se angustiaria; já eu acostumei e gosto. Até minha mãe se angustia pela minha recusa em conhecer gente. Meu mundo praticamente se resume a escrever e, sob este ponto de vista, eu sou extremamente incompetente. De todos os amigos escritores que eu imaginava um dia discutir, um deles ganhador do Nobel, o outro autor de crônicas, eu aparecendo disfarçada de personagem no livro de alguém, aquele que realmente conseguiu escrever foi um que não fazia alarde. Mais inteligente, ele não se propôs a nenhuma revolução, ouviu muitos conselhos e surpreendeu a todos com livro bacana, editado, recomendável; comparado com a nossa empáfia e publicidade, ele foi um verdadeiro um azarão. Conseguiu porque é professor, vida estável e disciplinado. A nossa culpa, dos que não escrevemos os famosos livros, é do Intercept, do divórcio, dos vídeos de gatinhos, dos app, dos astros. Pelo menos uns dez anos se passaram e estamos numa idade “ih, daí não sai mais nada”. Ou será que ainda sai?

Vida paralela

galos do futebol

Um dos bons conselhos que recebi em relação a escrita foi ler sobre os processos dos escritores. Existem aqueles que são tomados por um furor, se trancam por quinze dias, período em que mal comem e dormem, e saem dali com um livro. Se não me engano, Cortázar era um deles. E com a advertência de que o processo não poderia ser interrompido com o risco de colocar tudo a perder. Descobri que são poucos os que funcionam assim – e eu os invejava. Se produzo dois parágrafos bons num dia já escrevi bastante, e tenho que escrever sempre. Hoje, penso que não sei o que seria de mim se fosse desses escritores que ficam possuídos. Não sei como faria para viver no longo intervalo entre um livro e outro. Depois de tantos anos, a vida comum se tornou insuficiente pra mim, eu preciso de pelo menos mais uma. Catar respostas, imaginar gestos de pessoas que não existem, fazer da linguagem um jogo de xadrez, me debater durante dias atrás de um desenlace interessante, ouvir um diálogo na rua e saber imediatamente que ele renderia um bom parágrafo… Se alguém se diz capaz de parar, seja lá pelo quê, não deve ter sido realmente mordido.

O vampiro pianista

vampiro no piano

Já tentei me dedicar a diversas modalidades artísticas, chegando a ser mediana ou boazinha em algumas. De tudo o que eu fiz, acho que a que eu consegui alcançar um nível melhor é a escrita. E a escrita comprova a impressão cada vez mais forte que eu tenho de que a arte é muito uma questão de tempo. Hoje consigo nos meus escritos uma fluidez e um humor que não conseguia antes, mas, pensem bem, o antes tem quase quatorze anos! Talento existe, e como existe – você vê a pessoa muito talentosa começar a fazer aula quando você é veterano, no ano seguinte vira seu colega de classe e depois segue adiante. Mas se você é formiguinha, insistente, TOC e/ou sem noção o suficiente para insistir apesar de aprender muito lentamente e ter dificuldade de expressar, acaba conseguindo alguma coisa. Esta sou eu, e minha alcunha exasperante de “esforçada”, porque esforço talvez seja o que me resta. Por isso que eu me pergunto se uma pessoa que não tivesse o problema do tempo, como um vampiro, e insistisse o suficiente para enfrentar as todas as barreiras, se ela pessoa poderia chegar à excelência artística. Uns vampiros poderiam demorar “apenas” cem anos e outros quatrocentos, mas eu acho que a resposta é um sonoro SIM.

(Acho que os diretores de filmes estão do meu lado. Fui procurar foto pra colocar no post e me parece que todo vampiro famoso toca piano)

Velho, velho e gift

Fiquei muito emocionada quando vi esta propaganda com o Elton John. Mandei pra amiga cujo filho está aprendendo guitarra, e sei que ela se identifica muito com o final da propaganda. Pra mim a propaganda toca mais de outra forma, legado é um tema importante pra mim. Talvez por sempre ter tido a tendência de fazer amigos mais velhos. Não falo em legado num sentido financeiro, e sim como história construída, o que você pensa da sua própria trajetória quando olha para trás. Aquele sorrisinho do Elton John no final da propaganda diz tudo. Uma das coisas que me fez querer chacoalhar e gritar no ouvido de algumas pessoas neste período recente da nossa história: o que você pensará a respeito das suas escolhas quando olhar para trás?

Ainda sobre velhice: fui, com amigos, fazer uma apresentação num asilo. Era o mais bonito e bem cuidado e feliz dentro das circunstâncias, mas era um asilo. Um lugar aonde vão pessoas que, na sua maioria, estão impossibilitadas de cuidar de si mesmas. E me vi menos tocada, menos emocionada que os outros. Talvez por já ter acompanhado deterioração física de perto, de saber o quanto o mundo se estreita. Ou, antes disso ainda, eu pesquisei cegos. Uma das minhas entrevistadas, a que tinha a história mais dolorosa, me ensinou que todo mundo tem limitações, a diferença é que a deles está evidente. Acho que para trabalhar com o sofrimento precisa ter uma aceitação muito profunda do que ela me disse.

O último ponto, voltando pra propaganda. Passei a ficar doida por Your Song, como quem ouve pela primeira vez. Meu verso preferido é: My gift is my song/ This one for you. Uma tradução rápida seria: Meu presente é a minha música/ Esta é para você. Mas gift também significa dom. Do mesmo modo, com este blog, me sinto dizendo continuamente: My gift is (to) write/ this one for you.

Fail better

Aurora Borealis2

Ela se sentou do meu lado com toda pinta de quem queria conversar. Nós já havíamos trocado algumas palavras quando uma moça, minutos antes, me perguntou se aquele ônibus ia em direção ao Pilarzinho. Fiquei na dúvida e ela interviu, ia sim. Elas começaram a conversar sobre a região onde moravam e eu fiquei na minha. O ônibus chegou e me sentei na frente, ela veio do meu lado. Doida pra conversar. O rosto bem enrugado, segurava uma mala com rodinha e alça. Não é que eu não quisesse conversar. Ela falava meio baixo, sorria muito; entendi que visitava os irmãos, que era a mais velha, que outros mais jovens haviam morrido. Que vivia só, era muito saudável, foi criada num sítio e tinha quase oitenta anos. “Uma excelente história para o blog”, penso, no automático. Mas aquele dia eu a tive que deixar falando praticamente sozinha, enquanto olhava triste pela janela. Um dos meus piores dias de muito tempo. Fail better*. Pra variar, eu havia fail better. À medida que os anos vão passando, essa história de fail better perde toda a graça. Olho pra janela pra me recusar a ver o potencial da situação, estou cansada de anotar histórias interessantes na mente. Concluo que devo ver Glee, que me identificarei e chorarei horrores. Que a amargura dos escritores fracassados me aguarda, a mesma de todos os que sigo de longe e rio. A velhinha está do meu lado, eu sei que o problema nunca é falta de histórias e sim de sensibilidade para percebê-las, talento para trazer a vida. O tema, o tratamento, o trabalho duro. Fail. Ela conta uma coisa, eu sorrio de volta, faço uma pergunta educada, a conversa morre. Não quero lembrar, quero apenas ser gentil. A Tina me disse que depois que me conheceu, sempre ouvia a minha voz ao ler meus posts, que eles são muito eu falando. Não consigo, desculpe, hoje eu não consigo. O posto de gasolina onde ela desce perto se aproxima, ela se levanta, eu me despeço. Tão cansada, cansada dessa necessidade, cansada de fracassar. É como se estivesse tentando jogar uma pedra nas estrelas, é impossível, está acima das minhas possibilidades. A grande história pode ter descido do ônibus, mais uma vez, a história que uma pessoa realmente talentosa transformaria no grande romance brasileiro. Eu não sou essa pessoa; eu caminho, caminho e apenas fail better.

 

*Ever tried. Ever failed. No matter. Try again. Fail again. Fail better. – Samuel Beckett (Tentar. Fracassar. Não importa. Tente de novo. Fracasse de novo. Fracasse melhor)

Da continuidade

Um bailarino acharia a dúvida ridícula – claro que a pessoa é, no palco, uma continuação de quem ela é na vida real. Inclusive, qualquer apresentação de dança é muito mais interessante quando você conhece a pessoa que está dançando, você a reconhece nos seus gestos, há movimentos que são todos seus. Mas fale para alguém que escreve que ela só será um autor interessante se for pessoalmente interessante, e como resposta receberá um silêncio. Provavelmente ofendido. Adoro qualquer entrevista com Millôr, Saramago, Suassuna ou Ubaldo Ribeiro, que comprovam minha tese. Como não amar Oliver Sacks, como não querer ligar para Susan Sontag e comentar com ela os últimos acontecimentos do dia. Mas dizem também que para estragar um artista pra você, basta conhecê-lo. Sei lá.

Curtas sobre profissionalização

profissionalizacao-01-760x400Já entrei na fase de ter que fazer vários exames chatos todo ano. “Você já fez antes?”, perguntam cheios de dedos. Aí a gente se pega já tirando a roupa, colocando os peitos pra fora pra moça, abrindo as pernas, olhando pro lado. Faz aí.

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Eu estava sentada no banco do ônibus ajeitando meus pacotes de compras e um sujeito me estendeu um papel. Nem olhei, fiz um gesto de recusa com a mão. Depois o vi recolhendo o papel e ninguém tinha dado nada. Método errado. Tem dias que ouço histórias comoventes de superação após largar as drogas, gente puxando oração, brindes dados de coração, artigos que custariam o dobro na loja e nem salvam vidas, gente que toma fitoterápico pro joelho que o SUS não cobre, piadistas. Vê se alguém que só distribui papel tem chance hoje em dia.

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Dois tuites meus viralizaram de maneira assustadora. Um deles falava de veneno de rato e o outro de classe média. O segundo foi parar em pelo menos duas páginas do Facebook. Não queria ver a repercussão, mas me mostraram. Como vocês podem imaginar, não tem limites. Teve até gente que copiou como se fosse a sua experiência pessoal. Também disseram que eu criei o tuíte apenas para ganhar likes. Que sonho seria se eu tivesse essa capacidade de adivinhar o que as pessoas querem ler.

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Séries Netflix: só com indicação. Os trailers das de humor são assustadores.

 

Frustração, frustração e Chico

Eu descobri uma vez um escritor frustrado, que era amigo de outro escritor frustrado. Era – pouco tempo depois da descoberta, eles devem ter tido alguma briga e se bloquearam no face. Tanto que depois não descobri mais o Fulano, porque o nome era comum e eu contava com o outro para encontrá-lo. O fato é que ele tinha algumas coisinhas publicadas no mural, e na impossibilidade de julgar a qualidade delas, coloquei num grupo de amigos, sem qualquer introdução. De primeira, gostaram, acharam que embora escatológico era interessante e bem escrito. Na segunda – “é o cara do cocô de novo? Já deu!”. Não sei o que pensa um escritor da Finlândia, eu sei que aqui é muito fácil dizer que a culpa das edições pagas com o próprio bolso não venderem é de temos um pouco inculto, que mal abre um livro, etc. Tenho muito medo de ficar assim, de verdade.

Bem naquela época eu estava viciadinha nesta música do Chico. Tem aquela brincadeira que nenhuma mulher diria não pra ele, né? Ouvindo esta música, mergulhando nesta música, colocando história e rosto na música, pensei no quanto o Chico é doce. Talvez seja o momento que tenha me dado um Eureka. Cresci ouvindo Chico e às vezes um artista está tão sempre na nossa cara, tão dado e normal, que perdemos a dimensão da sua genialidade. O Chico é um doce. Uma música de fala de sexo de uma maneira intensamente terna. A gente se sente lá, naquele momento que depois pode não dar em nada, ou em crime, mas que é lindo, confuso, apaixonado e se carrega pela vida inteira. Pensei que era esse o problema do primeiro e do segundo escritor frustrado: um grande artista nos leva para o mundo dele. Queremos estar com ele, pulsar ele, ver com os olhos dele. Pra ficar no rame-rame ou pensar em cocô, ninguém precisa de ajuda.