É o que tem pra hoje pra vocês

Lembro do dia que uma amiga veio conversar comigo porque havia começado a namorar um estrangeiro que estava há pouco tempo no Brasil e ele era mais novo. Como são as coisas: mais de uma vez, homens com idades que seriam muito mais compatíveis com a da minha mãe, se aproximaram de mim muito confiantes de que eram uma alternativa viável – enquanto isso, nós, mulheres, tendemos a evitar homens mais novos porque temos medo de que aquilo seja alguma brincadeira, acidente, aposta com os amigos, ou que eles saiam falando que “pegaram uma velha”. No meio da sua imensa insegurança, minha amiga me veio com a teoria de que talvez estivesse até se aproveitando do moço: “pense comigo, se ele estivesse mais tempo no Brasil, se ele tivesse mais amigos, se tivesse tido mais oportunidades, estaria ao lado de uma mulher mais nova e mais bonita”. Aí eu lhe disse: e a vida não é assim mesmo? Não estamos todos de alguma forma sempre em épocas erradas? Uma hora estamos lindas-solitárias e ninguém entende a falta de homem no mundo, noutras bem quando estamos acima do peso, o gato doente e cheias de dívidas, aparece alguém. As condições perfeitas que unem auto-estima, popularidade, rotina saudável e momento profissional ótimo quase nunca ocorrem.

Deixa eu fazer – temporariamente – um comentário insensível: quando eu vi a série da Netflix sobre o Luís Miguel, em três temporadas eles tiveram bastante tempo para mostrar o que é a vida de um super famoso. É realmente difícil uma engrenagem cheia de dinheiro girar em torno de você, estraga suas relações com as pessoas, tira os pés do chão. Mas no filme sobre o Elton John, Rocketman, não houve tempo para entrar nesses detalhes. O que vemos no filme é alguém super talentoso que alcança rapidamente o sucesso com uma fórmula que funciona muito bem, mas depois ele se sente preso ao que ele mesmo criou e não conseguia mais continuar naquele papel sem se manter feliz. Não consegui ter empatia pela crise imensa que ele teve por chegar na maturidade sem saber mais quem ele era em meio a tanto sucesso por um motivo simples: também estou na maturidade e sem saber quem eu sou, mas sem grana e nenhum sucesso, cada vez mais consciente da minha mediocridade. Quem me dera ter uma obra tão maravilhosa da qual me orgulhar.

Foi quando eu fiz balé, e estava toda errada em idade porque estava com quase trinta, tipo físico por não ter en dehors, ter quadris largos e uma flexibilidade apenas um pouco acima da média e falta de talento e expressividade em geral, e ainda assim estava fazendo aulas, admirando bailarinos, comprando roupas e fazendo apresentações, que eu me dei conta que de que somos nós, a multidão dos admiradores, que formamos a base da piramide para os poucos privilegiados que representam o topo de uma arte. A mesma coisa para escrever, as editoras dispensam muitos sonhadores porque existe a diferença entre escrever e ESCREVER – e ninguém saberia que essa diferença existe se não fossem as tentativas, as pessoas que escrevem bem e formam a base, para que quando surja algo excepcional as pessoas sejam capazes de reconhecer – “uau, peguei o livro pra dar uma olhada e não consegui desgrudar mais!” ou “Como é que essa moça consegue levantar o pé até a orelha com cara de quem não está fazendo esforço nenhum?”

É disso que falamos quando falamos em ambiente cultural. As pessoas, o capital, o egoísmo ou seja o que for, preferiria pinçar apenas os melhores e oferecer tudo a eles e nada aos outros. Apenas para citar um exemplo, já se tentou fazer isso com a psicologia, nos primórdios do teste de QI. Francis Galton, influenciado pelo seu primo Charles Darwin (que não teve nada a ver com isso, quem é que pode ser culpado pelo que os primos fazem?), tentou fazer um aprimoramento da população humana através da seleção artificial. A ideia foi pegar indivíduos com QIs altos e fazerem eles se casarem e terem uma prole geneticamente superior. A experiência não teve resultados significativos, e o fracasso da experiência se deveu, dentre outras coisas, à ineficiência dos testes de QI. Tentativas de eugenia nunca deixaram de existir, e pra isso melhora-se a metodologia para descobrir os fatores que tornam uma pessoa superior – seria sua genética, seu cérebro, os estímulos recebidos na infância? No fundo, ainda se segue a mesma lógica de buscar a maior eficácia, oferecer os recursos a quem pode usá-los de uma maneira superior à média.

O mundo não está divido apenas em Elton John x Pessoa que desafina no chuveiro. Um dos primeiros problemas que se descobriu nos testes de QI é que eles confundiam inteligência com cultura – as pessoas com maior escolaridade sempre pareciam ter QI maior porque os testes, de alguma forma, estavam ligados ao acesso à informação. Sempre que se fala de alta performance estamos falando em especialização, em uma habilidade extrema; qualquer habilidade, seja por alcançar níveis de excelência cada vez maiores ou mudança de paradigma, pode se tornar obsoleta ou até mesmo uma exigência básica. Por exemplo: índices olímpicos do passado de vários esportes nem classificariam o atleta para disputar de uma vaga hoje em dia, porque a técnica evoluiu muito. Antes, para ser astrólogo, era preciso ser bom em matemática, e hoje qualquer site faz os cálculos com facilidade, o que torna a interpretação dos dados muito mais importante. Quando todos se tornam melhores, o que era a excelência se torna comum e é preciso arranjar outro degrau para subir. Então precisamos sim de alta performance, mas precisamos também do imprevisível, que cria territórios novos e leva o saber para outras direções. Eu lembro que uma vez disse a um amigo escritor que, quando lia Borges, eu perdia a vontade de escrever, sentia que ele era tão bom que a minha escrita era totalmente dispensável. Ele me respondeu: “eu adoro Borges, mas não quero ler Borges o tempo todo”. Eu não sou Borges, mas é o que tem pra hoje pra vocês. Ele não está vivo, ele não escreveria em blog, ele não fez balé e não ajudou amiga namorando estrangeiro. Eu sei que ele faria melhor, mas ele não está aqui.

Queixas sobre se sentir totalmente perdido pela fama massiva são tão constantes na biografia dos super famosos que são praticamente uma regra, ou seja, não é saudável para o indivíduo. Nós, os medíocres, assim como não temos a capacidade de produzir um trabalho com a qualidade deles, também não conseguimos entender as dificuldades da super fama, o que os tornam duplamente isolados. Claro que sempre existirão os mais talentosos e os que fazem as humanidade avançar alguns passos a mais, mas deveria haver uma forma de reconhecer a genialidade sem acabar com a saúde das pessoas. Gosto de uma citação de Darcy Ribeiro que dizia que cada objeto produzido pelos índios era uma forma de arte; havia sempre uma personalização, um detalhe que tornava aquele objeto único, não apenas entre todos os já feitos pela mesma pessoa, assim como de uma pessoa para outra. Por isso que eu vejo com muita simpatia o fenômenos das sub-celebridades e os famosos de twitter, acho mais saudável. O fenômenos dos super famosos me parece ser jogar sobre um o que deveria estar distribuído por toda sociedade – que fôssemos todos reconhecidos como artistas, ou que todo fazer fosse reconhecido como artístico, porque tudo num ser humano é irrepetível.