Eu passei o dia inteiro pensando nela. É uma história tão complicada e tão irreal, parece mais um personagem de Garcia Marquez. A moça dessa história foi criada num mundo fechado e se recusou a sair de lá. Um mundo com apenas seus pais e um cachorro. As outras pessoas – vizinhos, parentes, colegas de faculdade, amigos de amigos – passaram por ela. Desses, alguns casaram, outros viajaram pelo país, tem os que se mudaram e os que tiveram filhos. Dos que casaram, tem os que separaram; muitos dos que viajaram já voltaram, e até já foram de novo; os que se mudaram já foi há tanto tempo que nem se lembram mais e filhos estão grandes. Tem gente que morreu, de morte natural, de acidente, de câncer. Falando soa trágico, mas a vida é assim, ela nos atinge, mesmo dentro de castelos. E mesmo quando a tragédia a atingiu, a moça continuou no seu castelo. Um castelo que agora nem é mais castelo, é apenas um conjunto feio de paredes, cada dia mais pobres e apertadas, como paredes de filmes que se movem de encontro umas com as outras. Nada a tira de lá. Ela recusou propostas grandes e pequenas, conselhos, mãos estendidas, oportunidades. Ninguém entende o porquê. É provável que tenha medo; quem sabe exista um sentimento de grandeza que beire a loucura. Um dia ela foi uma menina em roupas de princesa, e teria sido mais fácil naquela época. Hoje ela é uma mulher vestindo trapos. O tempo, o mais impessoal dos deuses, sempre pune os que tentam pará-lo.
O mais triste dessa história é que, mesmo quando ela sair, se um dia sair, nada pagará os anos perdidos. Nada compensará a vida vista pela janela, as conversas que ela não teve, o andar no meio de estranhos, as superações do dia a dia. Eu penso nela e relembro do quão privilegiada eu sou. É um privilégio se obrigar a sair de casa em manhãs geladas, passar na loja e receber um não, restaurar o dente e quebrar logo em seguida, olhar para quem te magoou e fingir que nada aconteceu. É melhor ter amado muito e depois se sentir sem chão do que nunca ter amado. É melhor possuir tudo e depois perder do que não experimentar o gosto. Não sou apenas eu que estou dizendo. A moça também me disse, quando nos reencontramos e ela fugiu de mim.