Curtas de conclusão de conversinhas

conversinhas

Estava cedo, quente, mas ao mesmo tempo com nuvens e eu e o cobrador do tubo começamos a falar do tempo. Do tempo, fomos para crise hídrica. Ele me disse que, apesar de ter chovido bastante das últimas semanas, os reservatórios estão secos. Provavelmente – concluímos – um acumulado de tantos anos que estamos beirando seca e ela nunca chega a se tornar racionamento. Ele:

-Eu tenho uma passageira que passa lá por cima, por… como é mesmo no nome daquele rio, que é usado pra desovar corpos? Passaúna!

.oOo.

Parei de tomar refrigerante há poucas semanas e, invariavelmente, as pessoas me recomendam água com gás para aplacar a vontade. Aí eu digo que desta vez estou sendo rigorosa, porque já fui viciada em coca e fui pro matte leão, pra me libertar do matte leão, fui pra gengibirra e… quando chega nesse ponto da conversa, sempre sou interrompida com:

-Hum, gengibirra! Mas é que gengibirra é uma delícia mesmo.

.oOo.

Passei na frente de uma loja que anunciava ter filtro de barro. Quis saber do vendedor que tinha na frente se havia vela, e é claro que tinha. Ele me mostrou dois tipos na prateleira, o tradicional que custava R$ 9,90 e a de carvão ativado, super ultra-blaster filtrante, por R$ 19,90.

-Me dá a tradicional mesmo. Não precisa de tudo isso, eu pretendo usar água da torneira e não da poça d´água.

Curtas da vida sob o capitalismo

você sente solidão

Comprei uma calça numa grande loja de departamentos no final do ano. Agora em janeiro passei lá de novo e a vi, no mesmo lugar e mesmas opções de cores, dez reais mais barata. Achei chato que tivessem baixado de preço depois que comprei e decidi olhar melhor. A calça dez reais mais barata tinha algumas diferenças sutis em relação a minha – ao invés de cordão que passa por toda cintura, só um cordão falso, ao invés de elástico na barra, uma costura simples. Ou seja, a loja estava vendendo uma versão mais barateira de si mesma.

.oOo.

Estava esperando uma consulta e vi aquele programa que passa no início da tarde, na Globo. Chamaram uma dupla sertaneja. Os dois de preto, um deles cheio de botox. Perdi vê-los cantar, mas o vi responderem questões como “qual dessas músicas é mais cantada em karaokê”, “qual o grau de parentesco de Bruno e Marrone”. Eles saíram do palco, voltaram, aí teve uma prova de desembaralhar palavras na platéia. Estava achando tudo tão besta, aí me toquei que aquilo é trabalho para eles. Estar lá, com as roupas especiais, dublar a própria música, fazer de conta que tudo aquilo era muito excitante e sorrirem. Aí achei bem difícil.

.oOo.

Eu estava numa aula de ciência política com aquele que era apenas o melhor professor da ciência política – quase estudei ciência política, até descobrir que o que eu gostava era da aula dele. Aí um dia, numa discussão qualquer, ele solta um “imagina se eu sou o tipo que frequenta academia”, com um nojinho de sou-intelectual-demais-para-culto-ao-corpo. De lá pra cá, nesses quase vinte anos, as academias se tornaram onipresentes e duvido que algum ser humano escape de ouvir do seu médico que é preciso frequentar uma. Tenho curiosidade para saber do reajuste que ele teve que fazer com seu orgulho. Será que ele faz musculação com cara blasé, para demonstrar que está lá SÓ porque faz bem pra saúde?

Curtas sobre palavras

overthinkingOsho dizia que não dá pra pegar um homem moderno, que passa o dia inteiro agitado, e simplesmente colocá-lo de pernas cruzadas e esperar que sua mente se aquiete. Por isso, as meditações dele eram dinâmicas, a pessoa passava a primeira metade falando sem parar, ou se movimentando, para só então ficar quieto. Eu lembro de no final da parte agitada da meditação (a única dele que fiz) estar totalmente cansada de mim mesma, achando minha voz chata e minhas palavras repetitivas. Não quero dizer nada, não decidi nada, mas tenho me sentido assim com o blog faz algum tempo.

.oOo.

Escrever é muitas vezes um pensar em voz alta. Já vi muita gente ser idealizada porque escreve, e talvez eu só entenda que não é pra tanto porque escrevo também. Às vezes o texto, assim que saiu, se tornou coisa antiga para o autor – os problemas viram a luz do sol e se desfizeram dentro dele, se tornaram coisa do mundo.

.oOo.

Acho que a maior realização de um autor deve ser um estranho pegar o seu livro numa livraria. Eu publicar me transformaria em fonte única – claro, numa editora eu também teria que me empenhar em vendê-lo, mas eu seria apenas uma parte do processo – e percebo que se pudesse nem queria estar por dentro. Eu detestava vernissage e sem dúvida detestaria lançamento. Não gosto da ideia de recair sobre meus amigos a responsabilidade de me ler, mais ainda do que vocês já leem aqui. Que os leitores do livro fossem outros.

Curtas de amigos ou não

daemon

O cara que vendia os kits no ônibus enfatizou tanto que ele entrou no mundo das drogas fumando cigarro comum com os amigos quando era jovem, depois eles experimentaram maconha, e havia também a balada com música eletrônica e drogas pra ficar doidão e acordado, que eu concluí que o segredo de não entrar para o mundo das drogas é ser um adolescente impopular.

.oOo.

Como se não bastasse a Síndrome nas Escadas pra vida, de não dar as respostas merecidas no momento que sou ofendida, descobri também que tenho uma mágoa tardia. Vi o nome de uma pessoa com quem não falo há tempos e tudo voltou: as pequenas grosserias, os sinais que eu ignorei, uma palavra aqui e outra lá. Tive insights e agora definitivamente a detesto.

.oOo.

O segredo, como dizia o professor de My Fair Lady, é que se você resolve ser grosso, deve ser grosso com todo mundo, sem distinções. As pessoas me perdoam por não sair com elas porque sabem que eu não saio com mais ninguém, ou seja, não é que elas estejam relegadas do grupo do que são realmente íntimos. Tudo certo pra mim, mas que esse trem de querer ser popular deve dar muito trabalho, ah isso deve.

Curtas sem black-friday

Não sei se as compras online me estragaram, ou se faz parte de ter vivido muitas coleções primavera-verão, mas o fato é que não gosto mais de araras cheias de roupas. Tudo me parece igual, me dá preguiça de explorar, as sutilezas entre as diversas opções me parecem mais do mesmo. Me pego tendo que ir na loja virtual da loja física pra encontrar lá e, quem sabe, conferir no shopping…

.oOo.

Decidi revolucionar e dizer Não para todas as confraternizações de fim de ano. Ainda faltam algumas, mas o saldo é positivo. Quando as pessoas percebem que não estou indo para nenhuma, decidem que sou uma pessoa dura de dinheiro e antissocial (verdade e verdade) e não que eu não gosto daquele grupo em particular. Ou seja, muito mais impessoal, ninguém fica ofendido.

.oOo.

Meu prazer de pequeníssima autoridade tem sido verificar o perfil de gente que pede para entrar em alguns grupos de Facebook que eu herdei. Votou verde e amarelo misógino? Não entra. Eu não recuso, apenas não aprovo, que é pra pessoa não ter certeza de ter sido barrada e ficar alimentando esperança.

.oOo.

Como disse um amigo meu, passei incólume durante décadas a todos os modismos de brinquedos, aos super heróis, às febres das marcas que exploram a nostalgia dessa nova geração adultecente. Passei, não passarei mais. Estou completamente apaixonada pelo bebê Yoda. Gastar dinheiros em Yodinha eu vou.

 YODINHA

Curtas de boi preto conhece boi preto

boi preto

A expressão que está no título me fascinou desde a primeira e única vez que a ouvi, não sei se é uma expressão comum. E, no contexto em que foi dita, também não sei se é verdade. Não sei se vocês lembram, mas tinha uma época que a Giseli Bündchen namorava o DiCaprio. E o Clodovil disse num programa que era um namoro de fachada, que o DiCaprio era gay. De onde ele tirou aquilo? Boi preto.

.oOo.

Boi preto que conhece boi preto. Li o mapa astral de uma amiga que tem um Saturno muito forte. Contei pra ela todos aqueles atributos: velho, sério, lento, rigoroso, espartano e também confiável, compromissado, capaz de grandes feitos. Diagnostiquei que ela foi uma criança séria, que se dava bem com gente mais velha porque sempre se sentiu velha. Quase sem sentir, ela falou: “você também tem um Saturno forte no teu mapa, né?”. Ou seja, entendeu a beça do próprio mapa e de mim.

.oOo.

Na minha família havia uma forma bem particular de fazer críticas. Digamos assim, eu estou usando um tênis feio com um vestido. Entende-se que não adianta falar que o tênis é feio, quem disse que eu tenho outro. A providência era me dar outro tênis, para que eu pudesse me livrar daquele e usar um certo. Então você recebia certos presentes e entendia o recado. Era bom e ruim ao mesmo tempo.

.oOo.

Eu me toquei há pouco tempo que vááááárias vezes falei que me surpreendi em ver o quanto o pessoal da dança é convencional. Penso muito em referências de teatro. Ator entrega o corpo de uma maneira muito mais radical. Perto de um ator, ainda acho o bailarino muito vaidoso, muito com medo do ridículo. Mas, enfim, estou sendo uma chata porque só sei dizer que é pouco, eu nem ao menos saberia explicar o caminho.

.oOo.

Ouvi a pergunta extremamente pertinente do porquê fazer um mapa astral. Pra auto-conhecimento. Eu, por exemplo, só tive real dimensão do quanto sou difícil com meu mapa.

Curtas levinhos

bullying do bem

Vi um vestido num site e gostei. Adorei o modelo, a cor, as bolinhas, a descrição do tamanho era perfeita, os detalhes, as opções de cores. Fui olhar a avaliação dos clientes e tinha inúmeros depoimentos, com fotos, todas garantiam que o vestido é bonito mesmo e cai bem. Mas um dos elogios me fez tirar o botão do comprar e olha, quase não comprei mesmo: “Lindo vestido, perfeito para ir a igreja”. Pô.

.oOo.

Eu peguei um ônibus pra uma região que nunca fui antes, na Cidade Industrial. Mais de meia hora no ônibus, no meio do nada, horário apertado, tudo merda. A cobradora mentiu descaradamente quando disse que não sabia me dizer onde eu deveria descer porque havia um muro enorme pintado com o nome do local. Mas, no final, quando estava para descer, fiquei esperando bem para olhar pra cara dela e ia agradecer. E era capaz de sair sincero. Por que? Mesmo sentimento do dia que olhei pelo portão e a Dúnia tinha fugido. Ela estava na frente de casa, cheirando a grama, sem nem ter o que fazer com a tal liberdade. Não tinha forças para brigar, o alívio por ter dado certo suplanta tudo.

.oOo.

Eu acho que sofro bullying dos lixeiros. Tive que colocar dois lixos dia desses, porque comprei dois côcos muito grandes e eles não cabiam no mesmo saco. Só recolheram um. Por outro lado, quando me separei e colocava sacos ridicularmente pequenos, eles também não recolhiam. Teve uma semana que eu voltava pra casa e tinha um rastro de lixo na frente de casa. Mas aí depois descobri o valor de investir em sacos de boa qualidade, o saco de lixo lixo arrebentou assim que tentei levar de volta pra dentro.

.oOo.

[…] Já estava começando a reclamar de novo e parei. Tô muito cansada. Como é difícil ser leve com falta de sono.

Curtas ansiosos e fora do lugar

Passarei uma semana acordando 4:30. É exagerado e não é. É pra dar tempo de tomar banho, café tão cedo eu não consigo, andar tranquilamente, pegar os ônibus que mesmo atrasados meu levarão aonde eu preciso. Se tudo atrasar, ainda chego no horário. Quando chegar meia hora mais cedo e esperar pelos outros, é provável que me xingue pelas horas de sono perdidas. Mas no fundo eu vou saber que é o preço que pago por ser quem eu sou: uma pessoa que se cobra demais e não conta com a sorte.

.oOo.

Uma vez fui num iridologista. Fui com meu então marido, que ia ficar me esperando na sala espera e o iridólogo o mandou entrar. Guardei pouquíssimo do que o sujeito me disse, lembro das fotos do meu olho bem grande numa tela de TV e ele me falando algumas coisas a respeito do meu temperamento e da minha saúde. O que guardei foi a frase: “você é uma pessoa de grandes medos e grandes coragens”. Talvez nem isso tivesse guardado se o meu ex não tivesse dito que foi a melhor definição já feita a meu respeito. De acordo com ele, nem registro o perigo de situações que fariam os mais machos recuarem, e ao mesmo tempo temo coisas tão estúpidas que ninguém imagina.

.oOo.

Uma lembrança tola. Eu havia combinado de encontrar minha mãe para almoçar antes da minha aula na faculdade e no intervalo dela. Eu a buscaria e iriamos juntas, mas como atrasei ela já estava no restaurante. Eu me desculpei e disse que o ônibus atrasou. No seu silêncio, ela me disse que “claro, você sai em cima da hora. Aí, quando as coisas não dão todas certo, você diz que o ônibus atrasou”. Ou seja, eu não fui sempre assim, ansiosamente pontual.

.oOo.

Outra lembrança: eu comecei minha segunda faculdade e conversava com os outros alunos mais velhos. Havia uma lá de cinquenta. Ela me falava que havia sido de movimento estudantil, que era do tipo que falava, que era isso e aquilo. Mas isso antes, quando era jovem. Com o viver, havia se tornado calada, não dizia o que pensava, tímida, não levantava a voz. E eu pensava: “então por que você não recupera aquela moça, se você tem ela aí dentro?”. Hoje eu entendo.

.oOo.

Uma que dança desde criança foi parar na vida acadêmica e escreveu no seu Insta sobre o quanto lutava contra o seu sentimento de estar fora do lugar. E eu comentei: “sinto o mesmo que você, só que invertido. Na academia, eu estava no meu lugar.” Um dia houve um lugar.

livro da vida

Curtas de Marie Kondo na alma

Já haviam me alertado que exame pra glicose, sozinho, não esclarece muito. O lance é o tal da glicose glicada. Aí, apesar da minha glicose ainda estar aceitável, deu que a glicada já está em estado de alerta. Por coincidência, minha padaria lançou uns bolos minúsculos. Deve corresponder a uma fatia. Mas, na gordice do cérebro, tô comendo um bolo inteiro ainda.

.oOo.

A casa onde meu pai vivia vai ser posta à venda e sei que vai ser um trabalhão sair de lá. Nossa, que trabalhão. Minha mãe que não vê a casa desde a separação, não entendeu como eu podia afirmar tão enfaticamente que daria um trabalhão. Me expliquei assim: “sabe aquelas limpezas que você faz todo ano e sempre joga alguma coisa fora? Então, lá eles nunca fizeram”. Nossa, então vai dar um trabalhão mesmo. Pois é.

.oOo.

Fiz uma mini Marie Kondo aqui quando arrumei o guarda-roupa. Coloquei os vestidos juntos, as saias juntas, as camisetas juntas. Abri um espaço milagroso no guarda-roupa. Sempre parece que não vai dar, porque eu já tenho pouca coisa e tenho pouco espaço, etc. Arrumações desafiam as leis da física.

.oOo.

Tem uns troços no meu mapa astral que me avacalham de uma maneira que… ensaiei várias vezes escrever um post sobre um deles, mas tenho me segurado. Primeiro, porque algum infeliz pode ter o mesmo aspecto (não conheço ninguém) e querer se jogar da ponte. Depois, porque uma vez usaram contra mim coisas que escrevi aqui e não foi nada legal. Pois. Uma das coisas duras e necessárias que descobri com meu mapa é que não sou realmente uma pessoa fácil. Tem todo um contexto e tal, mas o tal aspecto fala de “rejected and scorned by society” (rejeitado e desprezado pela sociedade)

.oOo.

Quando arrumei o guarda-roupa, constatei que realmente preciso de mais camisetas. Esta constatação me deu uma carta branca interior para comprar uma camiseta que eu já tinha achado legal, mas não ia comprar agora porque tive uns gastos. Lá dos meus amigos da Vudu. Aí vou falar sobre o comprovante de depósito, abro o chat e… eles me chamam de “comunista paulistana escondida em Curitiba”. Tô ficando boba: fiquei com calorzinho no peito e pensei que até que tenho feito algumas coisas certas na vida.

be happy

Feito à mão

“Fala galera, preciso que vocês encontre o amor da minha vida que a vi ontem por volta das 22:30, subiu em Joana Bezerra e desceu na Estação Tancredo Neves. Me ajudem!” – aí tem a foto de uma moça dentro do ônibus sem olhar para a câmera. É uma postagem do perfil “Te vi no bus PE”, mas tem de outras cidades também. Não tem de Curitiba, deixo aí a sugestão. Achei muito bonitinho, os comentários e as legendas são ótimos! (Viu, pessoas que andam de carro, quantas emoções vocês estão perdendo?)

.oOo.

Imagine um canal que o sujeito só se filma com um celular de resolução ruim e pouca memória, que o impede de postar mais de 15 minutos de vídeo. Além disso, o celular fica imóvel e ele fica sentado falando. No máximo, coloca umas fotos e uns poucos pedaços de vídeos e mostra capas de discos antigos e livros. E se eu te disser que o canal do cara é massa e ele é super carismático, uma verdadeira enciclopédia sobre os Beatles. Estou totalmente viciada no The Beatles School.

.oOo.

Eu assisti este vídeo um número vergonhoso de vezes e mandei pra um monte de gente. Carisma e talento são assuntos que me fascinam e, quando encontro um, me delicio e tento entender. A história, o modo de contar, o encadeamento, os gestos, a linguagem… Paulo Vieira é maravilhoso. (a partir de 6:30)

Curtas de um ano ou nem sei

O facebook me lembrou que há um ano eu estava na passeata #elenão. Vizinhos, pessoas do ponto de ônibus, nas conversas, homens paqueráveis, ninguém parecia compartilhar do meu voto. Eu lembro de ter pensado que eu estaria sozinha na rua XV. Iria porque a vontade de dizer não era grande demais, eu que nunca havia ido pra protesto nenhum. Aí, no ônibus, haviam umas adolescentes que pareciam ir, assim como haviam uns rapazes que olhavam para elas de uma maneira que dava medo. Aí encontrei as amigas, fomos pra lá, e como tinha gente. Eu me senti tão feliz, tive esperança. Não impedimos a besteira, mas foi um momento importante pra história do país e que orgulho de ter feito parte.

.oOo.

Minha ex-sogra esperava o filho (meu ex) se afastar pra me dizer umas coisas de cortar o coração. Nunca entendi porque ela me tornou sua confidente naquele momento. Ela se casou com meu ex-sogro na adolescência, foi daqueles casamentos exemplares, os dois se davam muito bem. Fazia alguns meses que ele havia morrido. Ela me disse: “faz tão pouco tempo que ele morreu e parece que está tão longe, como se fizesse anos. É assustador”.

.oOo.

Sobre a pergunta de como eu gostaria que fosse o fim do mundo (tô falando do programa do Porchat), eu só consigo pensar que eu acho que já foi. Acho que acabou em 2012 e estamos presos na nossa mente. Devemos ser uma recriação holográfica de ETs que querem entender o que havia aqui antes da chegada deles, milhões de anos depois da destruição da chegada do meteoro. Acho que li Philip K. Dick em demasia.

.oOo.

Então, tem as moças da padaria. Uma delas estava com uma cara péssima um dia. Mas no dia seguinte, voltava a ser feliz. Aí ficou com uma cara péssima, e no dia seguinte também, e também, de maneira que agora eu olho pra ela e digo o básico. Tudo porque um dia quis brincar quando ela não estava bem e senti que fui invasiva, além de não estar bem ela tinha que rir de piada de cliente que quer ser íntima. Enfim. Tem outra também, sempre muito séria. Ela teve um ano péssimo, o pai morreu em acidente, está tendo problemas pra vender seu cavalo. Eu chego lá e tem as duas moças, sérias. Me pego com vontade de falar algo que o meu pai me dizia nessa fase da vida, e eu detestava tanto: sorria, não vale a pena ficar assim. A vida é curta.

.oOo.

Miguel Araújo diria: Dança até ser dia/ que a vida são dois dias.

Curtas andando triste por aí

tomar café

Tomando café com uma amiga. Eu só vou lá com ela, mas ela é cliente. Geralmente, quem está lá é a funcionária, mas pela primeira vez no nosso café lá é o dono. Ele nos deixa uma grande fatia de bolo, com doce de leite em cima. Conversamos na hora de pagar, damos risada. No final, ele nos deseja feliz dia dos pais, caso tenhamos. Eu quase o corrigi – por causa de poucos dias, nenhuma das duas têm.

.oOo.

Chegando arrasada em casa. Vou no caminhão da verdura e o Verdureiro nos mostra foto da filha, tão comprida quanto ele, e os modelos lindos de babador que ele tem. Horas depois, arrasada, vou até a padaria, e a moça no caixa me atualiza que ela finalmente conseguiu vender o cavalo dela e deu entrada no DPVAT, depois de meses do pai dela ter se acidentado. É o universo tentando me consolar com pequenas fofuras.

.oOo.

Vou na padaria, está cheio, três funcionários atendendo. Quem chega pra me atender é justamente o rapaz que eu não tenho intimidade, o que está sempre de cara fechada. Peço pão, peço uma rosca. Só a rosca. Ele me pergunta qual delas. Eu fico sem graça e digo que qualquer uma. Ele me fala que vai pegar a maior pra mim e dá um sorrisinho de lado. É o que eu sempre peço, mas pros outros.

.oOo.

Vem e vai. Em dois dias e horários que por acaso eu estava bem, consolei um amigo que tinha perdido o cachorro. Como mensurar dor, eu também ficaria arrasada com a morte da Dúnia. E a dor da morte do meu pai tem piorado, na realidade na hora não me pareceu que seria tão difícil. Aí num dia de baixa meu, uma semana depois, meu amigo queria tomar um café. Respondi que estava ocupada com pintor, etc., o que era verdade mas também não era. Em alguma ocasião eu precisava ter dito o que eu estou passando, mas sabe aquilo que quanto mais demora pior fica?

Curtas dos problemas

galinha correndo

Tem várias coisinhas que eu achava que só resolveria quando voltasse a ter um homem do meu lado. Um homem, não necessariamente um marido, quem sabe até mesmo um parente. Muitos motivos: só vão respeitar um homem, um homem é que entenderia disso, o homem terá força física, um homem terá dinheiro, um homem me dará carona, um homem saberá o que fazer, um homem pode segurar minha mão. E, UMA A UMA, a vida tem me obrigado a resolver cada questão sozinha.

.oOo.

Depois a gente entra numas de não precisar de homem e fica radical. Pra que uma mulher continue a querer um homem de todo jeito do seu lado, impeça-a de matar a primeira barata.

.oOo.

Daqueles problemas de cobranças abusivas, que a gente não sabe até quanto pode apelar ou terá que pagar chorando. Um lado meu quer lutar até o fim, porque é de uma injustiça tremenda e essas malditas multinacionais lucram com a nossa ignorância. O outro não quer ligar, dinheiro é só dinheiro, pago de uma vez só pra voltar a viver em paz.

.oOo.

Esbarrei numas postagens antigas e, mais do que estava escrito, me comovi com quem éramos na época que tudo foi escrito. Fui transportada pra lá, para as preocupações de anos atrás, para o que vivíamos, nossas perspectivas de futuro. Éramos tão mais felizes e relaxados. Agora eu me sinto exausta, é como se estivéssemos numa guerra civil.

Curtas sobre regras

toalhas

Conjunto completo de copos, todos iguais. Além de ser impossível, porque eles vão quebrando, eu me apeguei muito às xícaras. Tem a que cabe muito líquido, a que tem tampinha, a de brancura que ressalta o café, a que diz que sou mau humorada e quem manda aqui.

.oOo.

Mesma coisa para as toalhas, ainda mais se você as guarda aparecendo: tenha um lindo jogo, todas branquinhas. Já confundi mais de uma vez a que acabou de ser lavada com a que estava pra secar depois do último banho. Descobri que, ao invés de me livrar das coloridas, funciona muito se eu alterno branca com coloridas e/ou estampadas, porque olho no varal e sei qual é a toalha da vez.

.oOo.

Uma vez me curei de um crush quando o vi de preto numa foto quando ele foi andar de moto. Não qualquer moto, aquelas grandonas, chiques. Já tinha visto centenas de fotos dele, e em nenhuma ele vestia preto. Aí foi andar de moto e colocou camiseta preta, caveira, nada a ver com ele. Todo aquele discurso inovador e colocou um uniforme.

.oOo.

Deve existir, em algum lugar, um estudo que diga porque a foto preferida da pessoa nunca é aquela que parece com quem ela é na vida real. Sabem do que estou falando, né? As fotos que a pessoa escolhe pra representar a si mesma nas suas redes sociais nunca são como nós, pessoas de fora, as vemos. Se for num “ensaio”, com todos aqueles ângulos e roupas improváveis, aí sim fica irreconhecível.

Curtas literários

literaturadecordel

Game of Thrones acabou. Das maiores decepções que tenho ouvido foram os que torciam por ela, por ele, e os que queriam uma morte muito sanguinolenta pra uma mulher importante (vejam que estou tentando não dar spoiler). Eu descobri que não me frustrei porque não torcia por ninguém, e sim pela história. Torcia para ser surpreendida mas que, ao mesmo tempo, o autor tivesse tudo sobre controle.

.oOo.

É muito legal descobrir o universo de um autor. No primeiro livro, você pensa: que fantástico, que imaginação sem limites. Não são sem limites, e ver os limites deles também é bacana. Amei o Problema dos Três Corpos de Cixin Liu e não consegui amar o filme (Terra à deriva) do conto dele, mas amei descobrir que uma das soluções típicas dele é viver dentro da Terra. Voltei a ler Dick e lá estão de novo os pre-cogs. É como ficar íntimo de alguém.

.oOo.

A estatística no Kindle engana. Estava bem feliz lendo Harari, faltando uma boa porcentagem para chegar no fim do livro. Aí ele conta que medida duas horas por dia e o livro acaba. O resto são notas e referências. Fiquei tão chateada de ter lido o último Harari. Teria economizado se soubesse que estava no fim.

.oOo.

Uma vez li algo sobre instrução espiritual, dizendo que a pessoa recebe uma e não têm prazo pra cumprir, nenhum erro ou punição, apenas não recebe a segunda enquanto não cumprir a primeira. Aí eu penso nos livros maravilhosos que indiquei e nunca foram tocados, e que eu mesma não perco nada com isso porque já li, e penso que faz todo sentido. Mas penso também, vingativamente, da pessoa lendo no leito de morte e pensando: se eu tivesse lido quando ela me sugeriu, teria feito TUDO diferente. (nunca acontecerá)

Curtas saturninos

lord saturn

Eu me perguntava porque as pessoas eram assim, não acessavam suas dores, deixavam que se transformassem em pedras, cânceres, rugas ou sei lá o quê. Que se soltassem, chorrassem e gritassem, enfrentassem sem medos. Hoje eu sei que, nossa, funciona pra caramba você ver a tristeza subindo a ladeira e mudar de rua. Muito mais fácil do que levantar é nem ao menos cair.

.oOo.

Eu cheguei cedo e minha cabeleireira terminou o corte anterior cedo, por isso fui atendida quinze minutos mais cedo. O que era pra ser uma vantagem acabou sendo pior, porque a moça da sobrancelha atrasou meia hora. Ela estava saindo de casa e esqueceu suas coisas e teve que voltar. Que bom que o salão tem wi-fi. Esse pessoal do “converse entre si” não faz ideia do quanto o wi-fi gratuito melhoria o clima deles, com clientes calminhos.

.oOo.

Voltando ao atraso. Estava com os olhos no celular e pensando no que fazer. Normalmente, falta de profissionalismo é uma das coisas que me deixa virada no jiraia. Me disseram que levaria quinze minutos e eu normalmente me levantaria e iria embora no dezesseis. Aí pensei na quantidade de vezes que me atrasei, a ansiedade dos minutos escorrerem e você sem ter como acelerar o mundo. Decidi esperar, ser compreensiva, tratá-la bem. Decidi não tratá-la com a crueldade que pratico comigo mesma.

.oOo.

Descobri de onde minha dificuldade com pedintes em geral: eu olho nos olhos deles.