Misteriosas e ocultas forças hostis

Você é um novato. Não sabe o que aconteceu antes de você, como as pessoas te vêem e o que as pessoas esperam de você; os colegas ainda são todos iguais, muitos nomes para decorar. Um dia você faz algo sem pensar, mas que não deveria fazer: usa o banheiro mais próximo, é simpático com alguém que te trata bem, faz uma piada inocente. O clima pesa. Mas nem sempre dá pra sentir que o clima pesou na hora. O que se percebe é uma movimentação, um diz-que-me-disse que ninguém esclarece e vai ficando cada vez maior. Um sentimento kafkiano de ser acusado de um crime sem ter feito nada de errado. Depois você fica sabendo que aquele banheiro é exclusivo (e ninguém tinha avisado), que cumprimentar aquela pessoa corresponde a ser inimiga de outras (numa guerra que você ignorava) e que a piada mexeu com complexos profundos (não pode contar piada de anão pra alguém de 1,50?). Pouco importa – na época em que você puder desmentir, a coisa já não é mais aquilo. Ela ficou tão grande como se fosse apenas o início da uma trajetória maldosa; virou uma antipatia instaurada e uma campanha silenciosa pra te expulsar.

O que eu aprendi depois de ter vivido muito isso: a culpa não é sua. Há uma (ou mais) pessoa venenosa responsável por tudo. E ela iria pedir a sua cabeça de qualquer forma. Por quê? Porque você existe.

Capitalizável

Apesar do que diz o mercado, nem tudo é capitalizável. Não deve ser. Às vezes a gente tem amigos famosos, ricos, globais e isso não quer dizer que nossa vida se tornará mais glamurosa por isso. A não ser que teu amigo seja um desses trouxas que não sabe a diferença entre puxa-saquismo e amizade, a maneira mais rápida de estragar tudo será justamente tentar obter algum favor – um emprego, um desconto, uma notinha em coluna social. Um dia é possível ganhar algo do seu amigo poderoso, assim como é possível ganhar algo do seu amigo mais ferrado. A gente ganha muito com amigos; e você é muito pobre de espírito se pensa que estou falando de dinheiro.

Acho que todo mundo que pretende fazer uma segunda faculdade ouve: pra quê? Nem precisa ser a segunda, basta você dizer que quer fazer alguma faculdade da área de humanas – mas isso serve pra quê? Aí a pessoa se vê constrangida por não saber citar um único emprego que pague bem e exija justamente aquela formação. Aprender pelo prazer de aprender, fazer pelo simples prazer de estar lá, buscar pelo simples fato de que sonhava, de que achava interessante, nada disso é justificativa o suficiente pra alguns. O mundo nos diz que só é válido o que rende muito dinheiro, e imediatamente. Se adiantasse, dava pra dizer que na vida nenhum conhecimento se perde, que se estiver feliz você se tornará melhor pessoa, amigo, conjuge e até mesmo profissional. Mas eu sei que não adianta. Quem merece ouvir isso não quer entender.

Favor não alimentar os mendigos

Você já foi naquela região do Museu do Expedicionário? Antes era uma região tranquila, agora não dá pra andar em paz, está cheio de mendigos. Está um horror. Eu passo lá toda manhã com meu cachorrinho pra passear. Eu moro aqui no centro, ando por toda essa região. Você passa e estão eles lá, emporcalhando a rua, fedendo. O problema é que tem gente que alimenta. Não deveriam alimentar. As pessoas alimentam e eles vão ficando. Aqueles vagabundos, ao invés de tomar um banho, procurar um emprego. A prefeitura não toma providências. Esse país está uma porcaria mesmo, não tem mais jeito. Elegeram aquele analfabeto e agora querem colocar uma terrorista, aquela pistoleira. Eu fico revoltada, nem posso mais passear com meu cachorro em paz.

Z., musicista e mórmon

Isso é o que se chama de “gente de bem”?

Caminhante responde questões esdrúxulas, again

Seguindo a onda iniciada pelo Não Salvo e propagada pelo Chicuta, coloco aqui outras coisas loucas, taradas e mal escritas que aparecem no meu Google Analytics. Já havia feito isso aqui e aqui. Que este tópico sirva de estímulo a todos os que não instalaram o Analytics, o melhor amigo do blogueiro. Além de nos mostrar como, quando e onde nosso blog é acessado, ele é diversão garantida ou seu post de volta.

1. video de sexo caminhante diurno – putz, peguei a fama.

2. piercing de argola cai orelha – não entendi a relação entre uma coisa e outra

3. é normal ter buracos na narina com piercing no nariz – sim. Aliás só chama narina quando é um buraco.

4. é verdade que quem fura piercing uma vez nunca mais para – tipo uma compulsão?

5. video de sexo explícito com velhos – nada contra, cada um sabe da sua sexualidade.

6. video de sexo com homem e mulher inflável – deve ser emocionante, hã?

7. visualisar pierçings no naris – nada como o Analytics para conhecer erros de português inimagináveis

8. video caseiro real de travesti dando cu na cadeia – medo!

9. tenho tudo para ser bailarina só nao tenho corpo – almas penadas frequentam o meu blog.

10. tatoagem no corro cabeludo – já imaginei um cabeludo correndo por aí…

11. sexo proficional da visinha – bela vizinhança, amigo.

12. sera que eu aguento furar o nariz e o umbigo em casa – deve ser difícil mesmo. Tentei encostar meu nariz no umbigo e ele nem chega perto.

13. retirar piercing depois de uma semana fecha orelha – existem pragas com orelhas de quem usa piercing?

14. quero morar em curitiba para faser teatro – eu recomendo fazer aulas de português.

15. quero colocar piercing no nariz mais acho meu nariz feio – se furar melhora?

16. que tipo de mulher os espanhois gostam – tem um monte desses. Não sabia que tanta gente gostava de espanhóis.

17. quanto tempo dura um piercing no dedo – equilibrando?

18. quando gosto de alguém não suporto contato físico – isso é grave mesmo.

19. ponches femininos em trico – já falei de algum assunto parecido por aqui?

20. piercing no nariz inchado por tipo espinha carnal – hein!?

21. o que fazer nas horas difíceis – chorar?

22. o que caiu quando a bolinha do piercing caiu dentro do ouvido – mais um motivo para não deixar seu piercing perto de crianças.

23. matte leão vicia? – SIM.

24. fotos de umbigos feios com pircing – cada tara estranha…

25. furando piercing na mão – não entendi, mas tem que ser muito macho.


26. em quais narizes deve por piercing
– quantos você tem?

27. filmes não pornô com sexo explícito – esse pessoal não se decide!

28. dvd de traza de homens com dias mulher – cuma?

29. desentupir privada com absorvente – se você conseguir, volta aqui e me indica essa marca!


30. como é morar em curitiba?
– FRIO.

31. como saber se o nariz é feio – é só se olhar no espelho.

32. como desentortar nariz – tenho medo de recomendar martelada e o pessoal levar à sério.

33. cartilagem do nariz saiu pra fora – e você está fazendo o que no google? Corre pro médico!


34. cabeça furada por causa do fone de ouvido – e eu achava que o único problema que fones causavam era a perda da audição…

35. bunduda e jegue porn – MEDO!

36. beneficio assistir video porno – gera empregos, movimenta a economia…

37. agulha de cavalo para furar o umbigo – MEDO! (e infecção)

38. como fazer piercing em casa – olha só que bonito, a pessoa quer fazer artesanato…

Personal trainer

Eu estava numa esteira, e em outra estava uma mulher com seu personal trainner. Faixa de trinta anos, suponho que mais de dez quilos para perder. Na TV, clipes para levantar. Pros outros ter personal trainner pode ser símbolo de status, porque é caro; pra mim seria uma tortura. A pessoa tem que fazer exercício e social ao mesmo tempo, já que os personais não param de falar. E nunca de coisas muito profundas, porque sempre tem um monte de gente em volta. Tirando um papinho e outro, aulas, musculação e esteira são coisas solitárias. Chego a reservar assuntos para pensar especialmente nesses momentos. Enquanto eu tenho paz de espírito, a pobre pessoa rica tem mais um pra ter que falar sobre o tempo. Eu sempre supus que para ter sucesso como personal, a pessoa deva ter um pouco de QI, um pouco de opinião, uma boa conversa. Minhas crenças se mostraram erradas quando começou a passar o clipe de Telephone, da Lady Gaga. Na hora desta cena,

a mulher falou pro personal:
– QUE CORPÃO TEM ESSA LADY GAGA!

Fiquei esperando o personal protestar, porque eu fiquei indignada. Achei que ele ia dizer que o corpo da Lady Gaga não é bonito, é exageradamente magro. Ela deve viver a base de suco de limão pra se manter daquele jeito. O corpo dela fica bem em clipes, porque o objetivo nem é ser bonita – Lady Gaga é uma criação, um personagem bizarro. Para os clipes e pro que ela se propõe, o corpo dela está ótimo; mas isso não deve servir de modelo para ninguém. Como homem (e um belo homem), ele teria até mais credibilidade do que eu pra dizer que o bonito é ter curvas, carne pra pegar. A estrutura óssea da aluna não tinha nada a ver com o corpo da Lady Gaga. Ele deveria ter ressaltado a beleza que ela tem, a beleza que pode alcançar e mostrar sutilmente que gostar de um modelo impossível não é bom. Era um excelente momento pra falar do valor do trabalho dele, dos exercícios, de uma mudança de auto-imagem, de hábitos, de vida.

Mas o personal não disse nada disso. Não sei o que ele disse, porque foi apenas um muxoxo. E naquele instante eu pensei que jamais contrataria um porcaria como aquele.

Touro Ferdinando

Não sei nem dizer o quanto fiquei feliz pela Anne ter postado o video do Touro Ferdinando. Junto com One Frogg Evening, é o desenho que mais marcou a minha infância, uma referência que levei pela vida inteira. Mas enquanto o One Frogg me trazia sentimentos de fracasso, a minha identificação com o Ferdinando era…

Meus irmãos rapidamente passaram a chamarem um ao outro de Ferdinando, como um xingamento. Eu via o desenho com uma identificação tão grande que sentia vontade de chorar quando o colocavam nas touradas, tamanha a minha revolta com a incompreensão que ele passava (agora revi a cena e descobri que ela é engraçada pra caramba). Ferdinando sou eu. Rever o desenho e perceber que eu lembro de cada detalhe; reviver o que eu sentia poucos anos depois de ter começado a falar é… Eu lembro do amor que tinha pelos meus livrinhos, das festas infantis que eu abandonava pra olhar as estrelas, da adolescente esquisita que fui por não gostar de turminhas, dos gostos solitários que sempre me acompanharam. A vida teria sido mais fácil se eu fosse diferente, mas eu nunca tentei isso de verdade. É estranho pensar o quanto na primeira infância a gente já tem noção exata de quem é e/ou chegará a ser. A cada ano que passa eu me torno mais e mais Ferdinando.

O desenho me lembrou um trecho, não por acaso um dos trechos preferidos do meu romance preferido.

“É melhor”, pensou, ” estar vestida de ignorância e pobreza, que são os obscuros ornamentos do sexo feminino; é melhor deixar aos outros o governo e a disciplina do mundo; é melhor estar livre da ambição marcial, do amor ao poder e de todos os outros desejos varonis, desde que se possam fruir em toda a plenitude os mais sublimes arrebatamentos do espírito humano, que são”, disse em voz alta, como era seu costume quando estava profundamente comovida, “contemplação, solidão, amor”
Orlando/ Virgínia Woolf

Nietzsche e bebê moderno

Não lembro sobre o que era aquela aula de Política e nem como o professor foi parar em Nietzche. Falavamos sobre modernidade, isso é o que importa. Quando a modernidade estava começando, no século XIX – com sua fé na ciência, no progresso, na civilização e no homem – todos a receberam com entusiamo, menos Nietzsche.

– Claro que ele foi considerado um louco. Imaginem vocês, a modernidade ainda estava nascendo… Ela ainda era um bebê. Imaginem a modernidade como um bebê fofinho, bonitinho, gordinho. Aí chega Nietzsche e diz – Esse bebê não é boa coisa, era melhor nem ter nascido. Olha bem, ele tem a maior pinta de marginal. Vai ser do tipo que rouba igrejas, empurra velhinhas. Não vai dar certo, é melhor nem ir adiante…

Às vezes eu me sinto Nietzsche.

João

Pra alunos que queriam estudar piano sem ter piano em casa, a escola oferecia seus horários livres. Tinha dois pianos lá: um Essenfelder maravilhoso, disputado por todos, e que ficava num lugar mais exposto; um Fritz Dogbert, que ficava na sala dos fundos e era usado nas aulas de canto. Preferencialmente eles ofereciam o Fritz e teoricamente a pessoa deveria tentar marcar um horário pra estudar na escola. Mas eu fazia faculdade ao lado deles; quando não tinha aula ou ela estava muito chata, eu pegava minhas partituras e ia lá. Quase sempre eu conseguia o piano dos fundos. A coisa chegou num ponto que quando o professor de canto chegava na escola e me via sentada, dramatizava “Oh não, ela está aqui! Eu corri tanto e meu aluno não vem!”. E é verdade, quase sempre os alunos faltavam. Ele começou a me chamar de Bruxa. O professor de canto chamava João.

O João era doze anos mais velho do que eu, gay e boêmio. Mesmo assim, nossas vidas corriam de maneira estranhamente paralela. Quando eu ia tocar num assunto com ele, era sempre parecido com algo que ele mesmo estava vivendo. O João dizia que gostava de me ajudar a entender meus problemas, porque isso o fazia ver os próprios problemas de uma maneira mais clara. Explicavamos essas estranhas coincidências pelo fato dos dois sermos de Serpente. Não sentíamos necessidade de apresentarmos um para o universo do outro; era como se eu nem tivesse o telefone dele. Nunca fizemos declarações de amizade ou cobranças. Éramos íntimos, de uma maneira muito maior do que nossas rotinas. Foi a pessoa mais parecida comigo que eu conheci em toda a minha vida. Eu aparecia às vezes na escola sem ter o que fazer, e se ele também tinha tempo livre, andávamos horas a fio. Nunca marcávamos o programa seguinte, que poderia ser dali a poucas semanas ou meses.

Foi depois de dois meses que eu fui na escola procurá-lo num período de férias. Eu já tinha sido aluna, secretária, amiga de todo mundo e naquela época quase só passava lá pra falar com o João. Toquei a campainha e uma moça que eu nunca tinha visto me atendeu. Eu pedi pra falar com ele. Ela hesitou

– Ah, você era amiga do João.

Essas secretárias novas, eu pensei. Eles nunca conseguiam ficar muito tempo com ninguém, porque a dona da escola era uma pessoa difícil de lidar. Eu sabia bem. Aquela moça acabaria descobrindo que eu era da casa, assim como todas as outras. Fui entrando

– Sim, eu sou. Ele não está? Viajou, está de férias?
– Não, o João morreu.

A idéia era tão absurda que eu não acreditei. O João ia fazer trinta e seis anos em poucos dias, fazia yoga, era uma pessoa muito saudável. Me perguntei o porquê de uma desconhecida fazer essa brincadeira de mau gosto comigo. Eu me sentei lentamente e ela começou a falar da tossinha chata, do médico, do internamento, pneumonia dupla e detalhes que tive que me esforçar pra recordar depois. Aquilo só se tornou realidade quando li o nome completo dele no edital, pra missa de sétimo dia na sexta-feira seguinte.

Saí pela XV atordoada, achando que a qualquer momento ele viria na direção contrária e diria que era tudo uma brincadeira. Eu o procurei pelo Centro todo e não o encontrei. Cheguei em casa em silêncio e me tranquei no quarto. Me senti novamente o menino do Meu Pé de Laranja Lima, vivendo a imensidão de uma morte que ninguém sabia que importava. Minha avó paterna havia morrido há alguns anos, mas pra mim aquela foi a primeira morte. Eu nem ao menos consegui chorar; o João me olhava debaixo pra cima, com ironia, e perguntava se eu realmente achava que aquilo era o fim. Ele já tinha imaginado o efeito da sua morte, numa de nossas muitas conversas: a mãe dele sofreria muito no começo, mas acabaria se acostumando; a escola arranjaria outro professor, os corais arrajariam outro cantor e os amigos conheceriam outros amigos. A lembrança dele se apagaria aos poucos e ele seria esquecido. E essa idéia o confortava.

Meses depois eu conheci o Luiz. Sempre me pergunto se quando eu fosse lá na escola dizer que estava amando o João estaria também. Ele estava errado em dizer que todos o esqueceriam. Quando vejo filmes onde os mortos falam com os vivos, o imagino rindo da minha surpresa.


Tirei essa foto brincando, casualmente.
Jamais imaginei que ela se tornaria meu único registro.

Figurinhas

Contam as minhas primas que minha tia destruía todos os albuns de figurinhas que elas tentavam fazer na infância. Não que minha tia achasse ruim ou desestimulasse, muito pelo contrário: quando elas começavam um album, minha tia passava na banquinha e comprava um número absurdo de figurinhas, todas que estivem disponíveis. Era só abrir os pacotes e completar…

Mea culpa, Curitiba

Não dá nem pra linkar a quantidade de vezes que falei mal de Curitiba, aqui e pelo twitter, porque foram muitas. E a quantidade de comentários que recebi concordando mostram que as coisas que eu falei não são tão fora da realidade assim. De qualquer forma, há tempo acho que preciso fazer um mea culpa, jogar um pouco de água para limpar as tintas tão carregadas.

Dizem que os curitibanos são introvertidos porque é frio. Não acredito nessa hipótese porque Porto Alegre e outras 9573 cidades brasileiras também o são. De qualquer forma, é verdade que não é uma cidade de extroversão. Quando alguém grita na rua, é sempre um pobre, louco . As pessoas não gritam para chamarem os amigos e demonstrarem felicidade. É uma cidade onde você demora pra ir na casa das pessoas, e sempre o faz mediante convites e hora marcada. Esperar o momento certo – para visitar, para se apresentar, para reclamar os seus direitos – diria que isso é tipico curitibano. Justamente por essas características, aqui é um lugar onde as pessoas te deixarão em paz. Visitas não invadirão a sua casa, pessoas não tentarão forçar uma intimidade que não existe. Estar perdido nos próprios pensamentos é amplamente estimulado. O lixo estará dentro da lixeira, ao menos que algum vento o leve para fora. O estabelecimento que abre às oito não estará aberto apenas às oito e meia ou às nove.

Eu acredito que as cidades tenham personalidade e morar numa delas é como conhecer uma pessoa – quando é difícil estar com alguém, o aprendizado e a necessidade de estar aberto é maior. Algumas coisas são tão imutáveis que nos cabe apenas a escolha de aceitar ou ir embora, e nisso o curitibano tem razão quando expulsa quem fica reclamando. Estar numa cidade desejando o tempo todo que ela seja diferente é brigar contra alguém literalmente maior que você. Se por um lado Curitiba é fechada, aqui temos muita gente de fora. Há espaço para fazer amigos, é possível criar a sua zona de conforto. É um lugar difícil de fazer amigos, mas também é um lugar onde você não precisa ser amigo de todo mundo para que a vida funcione. Ser educado e atender bem é a regra, e você tem isso em todos os lugares. Essa cidade tão limpa e organizada não o é “apesar das pessoas chatas que vivem aqui”. Ela é assim porque as pessoas se preocupam com essas coisas de uma forma diferente que em outros lugares.

Confesso que sou uma das pessoas que deseja ardentemente ir embora. Um forte motivo é o frio. Ao mesmo tempo, não consigo achar um lugar pra ir. Porque não aceitaria viver em qualquer lugar; não quero viver num lugar sujo, desorganizado, feio e mal educado – Curitiba eleva nossos padrões.

Lote-terapia

Ela funcionaria assim: meu cliente marcaria um horário comigo. Na hora combinada, eu o esperaria dentro de um carrinho de golfe, no lote. Entregaria a ele uma enxada. Então, à medida em que carpisse, o sujeito desfiaria seu rosário de reclamações. Se ele ficar sem fôlego, pode parar de falar; o que não pode é parar de carpir o lote. Com o tempo a pessoa acaba percebendo que o objetivo é que ela fique quieta mesmo. Se o caso for muito grave e mesmo depois de um hectare o problema ainda parecer grande, a gente estende por mais uma hora ou vai carpir outro lote. Depois desse horário, ele me pagaria (óbvio!), sairia extenuado e garanto que mais feliz.

Existem dois tipos de pessoas no mundo: as que se queixam de seus problemas e as que não se queixam. Mas as que se queixam parecem esquecer disso, e acham que o mundo está dividido entre pessoas com e sem problemas. Aí acontece a situação ridícula de você estar ferrado na vida e ter que consolar gente que não consegue ser feliz porque tem trauma de infância. E de nada adianta mostrar que a pessoa é mais jovem, mais loira e que gasta com roupas mais do que você pra sobreviver. Ela lhe dirá – Mas é diferente, você é forte e eu não. Porque a capacidade de olhar para os problemas próprios e achar trágico, é inversamente proporcional à capacidade de ser sensível ao problema dos outros. O que falta pra esse povo é lote pra carpir.

Jane Monheit

A internet é uma grande forma de perder tempo e consumir porcaria. Mas às vezes ela nos permite conhecer coisas ótimas, que de outra forma talvez não viessem até nós. Foi num desses momentos de tédio, clicando sem objetivo, que eu a encontrei. Primeiro, fazendo duo com John Pizzarelli. Uma coisa leva a outra e devo ter visto tudo que há da Jane Monheit no youtube. Eu acho que o talento dela fala por si. Sinta o calor que essa voz transmite. Vendo essa mulher no video, eu me recordo do que é beleza e sensualidade: algo diferente e além de esteriótipos, algo que envolve felicidade e essência. Esse video foi um acontecimento feliz numa noite que poderia ter terminado sem registro. Jane Monheit, foi um ganho nossos caminhos terem se cruzado.

Cabelos curtos

Não é incomum um homem virar para mim, do nada, e dizer que homens não gostam de mulheres de cabelos curtos ou que mulheres ficam mais femininas de cabelos compridos ou que mulheres de cabelos compridos fazem mais sucesso. Em resumo, não é incomum um homem me informar que, para ele, sem motivo nenhum, eu destruí o que seria um dos meus grandes atrativos. E daí? Coincidência ou não, nunca ouvi isso de um homem que me despertasse interesse. Homens bombados me despertam zero de tesão, mas nunca virei pra um e critiquei seus músculos. Se ele não me interessa, não é pra mim que ele malha. Logo, não tem nada a ver eu falar mal da escolha dele. Não sei porque alguns homens não seguem essa mesma lógica e se dão ao direito de criticar qualquer coisa (cabelo, roupa, maquiagem, tatuagem, expressões, etc) que uma mulher faça e os desagrade.

Muita gente acha que mulheres de cabelos curtos são mais arrojadas. Arrojadas um dia elas tiveram de ser, porque cortar o cabelo curto pela primeira vez exige coragem. Depois vicia, mas a primeira vez é sempre um risco: se não ficar bom, são meses de insatisfação até ele voltar a crescer. Talvez pelo motivo que eu coloquei acima, mulheres de cabelos curtos sejam mesmo mais independentes – se a gente fosse se preocupar com a opinião da maior parte dos homens, ficariamos trancadas em casa chorando, achando que nunca mais um homem nos olhará com desejo. Tolinhas! Se perdemos o olhar de alguns, outros consideram nuca e pescoço expostos super sexy. Isso sem falar nos que consideram uma bobagem se preocupar com o cabelo, tendo tanta coisa melhor pra olhar (e tocar). Na minha opinião algumas mulheres, por causa do formato do rosto, ficam melhores de cabelo curto do que comprido. Vejam Morena Baccarin antes e depois. Ou Débora Falabella em versão longa e curta. Com tanta controvérsia, o que leva uma mulher a ter cabelo curto?

Mulheres cortam o cabelo curto porque podem.

O primeiro

Nem em casar eu pensava. Por isso, nunca fez sentido a idéia de guardar a minha virgindade pra alguém. Pouca coisa a primeira vez nunca é, mas eu fazia o seguinte cálculo: não aceitaria um homem que casasse comigo só por isso; ao mesmo tempo, se o homem que estivesse ao meu lado não se importasse, seria bobagem não ter qualquer experiência. Mas as circunstâncias quiseram que eu ficasse virgem mais tempo do que a média: um namoro à distância que durou anos, minha reserva e uma certa arrogância que espantava quase todos os homens. Então decidi que a minha primeira vez seria com um amigo de quem eu gostava muito. Embora o Psicólogo se declarasse apaixonado pela namorada, ele fez muita força para ficar comigo quando nos conhecemos pessoalmente. Ele era carinhoso, discreto e gostava de mim. Estava dentro do que eu procurava na época.

É engraçado pensar que ao mesmo tempo que o Psicólogo era importante pra mim, nunca desejei ficar com ele, nunca tive ilusões. Continuamos a trocar e-mails e conversar por telefone. Ele contava do namoro cada vez mais sério e eu dos amores e os problemas de fim de faculdade. Nos anos em que mantivemos contato, sempre o vi como um amigo íntimo. Hoje vejo que ele tinha expectativa de que aquilo se repetisse, e ficava frustrado quando eu ia a São Paulo e apenas conversávamos. Com tantos esforços, o casamento dele finalmente se tornou viável – e foi aí que ele pirou. Me fez confusas declarações de amor, tentou me levar para o futuro apartamento deles e quis que eu me mudasse pra tê-lo como chefe. Tive que cortar relações. Pra piorar a história, poucos anos atrás, ele – casado e pai – tentou se reaproximar de mim. Ele dizia para as pessoas que “a Caminhante tem muita raiva de mim porque eu não fui correto enquanto estivemos juntos. Ela me amava, eu fui o primeiro homem da vida dela, e eu a troquei pela minha esposa”.

Se um dia um psicólogo paulistano disser que eu deixei de ser virgem com ele, é verdade. Assim como é verdade que ele tem pau pequeno.

Variedade

A variedade é muito importante. Nem só de amorzinho vive o amor, nem só de risos vive a comédia. É preciso pausa, nem que seja pra respirar. Na comida, o prato principal é acompanhado de outros, com outros sabores mais neutros. Porque se for tudo salgado e picante, vai ser tanto gosto que não vai dar em nada. Um professor que só elogia é tão ineficaz quanto aquele que só critica. Nem só de polêmicas, profundidades e confidências vive um blog; é preciso dosar senão o leitor se cansa. Qualquer pessoa muuuuito legal fica chatinha em pouco tempo, porque não dá pra aguentar essas sílabas prolongadas durante muito tempo. O mesmo, muito do mesmo, com gente que é muito boazinha. Veneno demais mata, mas uma pessoa que se pretende pura mata também, só que de tédio. Na música, os silêncios são tão importantes quanto as notas; no bom tango, vemos isso claramente. A variedade aumenta a alegria de tudo o que toca.

Ou seja: alguém pode ajustar o termostato de Curitiba? A temperatura vive entre muito-frio e frio-congelante-de-matar. Queria variar um pouco, usar minhas outras roupas, mostrar um pouco de pele.

Barriguinha

Eu nunca tive essa barriguinha zero que está na moda hoje em dia. Nem quando eu tinha quinze anos, nem quando eu pesava dez quilos à menos. Porque minha genética não é assim. Cada um tem um lugar onde o corpo gosta de armazenar a gordura, e o meu é na barriga. Me sentia mais à vontade de maiô, nunca sequer cogitei colocar um piercing no umbigo. Calças de cintura baixa nunca foram feitas para me valorizar. Mas antigamente todo mundo era meio assim, quase ninguém nasce de barriga zero. Então eu não ligava.

Enquanto o pessoal da academia gostava de mulher de abdomen definido, eu pegava na minha pancinha e dizia que mulher tem carne ali, que isso sim é feminino. Mas o tempo foi passando, e nas revistas todas as mulheres têm barrigas assim, todo Porque Hoje é Sábado têm barrigas assim e nas ruas as mulheres começaram a ficar assim. Então eu fui vencida e pouco a pouco também passei a achar essas barrigas a coisa mais linda. Tenho uma amiga que fez lipo e posso garantir que ela não tem dobrinhas e ângulos cheinhos, como as outras mortais. Eu olho pra essas barrigas lipoaspiradas e agora concordo que elas sim ressaltam as curvas, que elas sim são femininas. Como uma coisa leva à outra, eu passei a sentir vergonha do que antes achava muito natural.

Do jeito em que as coisas estão, ter barriga vai ser considerado mau gosto, atestado de pobreza. Assim como os peitos pequenos, as coxas finas e as bundas achatadas. As mulheres serão todas perfeitas: peitão, cinturinha, bundão e coxão. As peles estarão lisas como de bebês, os bicos dos seios apontarão sempre para cima, a coxas duras de tanto leg press. Essas mulheres não precisarão de dicas na hora de se vestir, e nem que os homens olhem com generosidade para os seus defeitinhos. Musas de peito pequeno serão tão antigas… A diferença entre uma mulher e outra estará nos ossos, domínio que a plástica (AINDA) não conseguiu atingir. Se você acha que não é bem assim, veja neste clipe que o futuro não é um lugar distante.