Ser justa era uma preocupação muito grande pra mim e parece que isso era muito claro para os outros. Digo que parece porque essa vontade de ser justa foi usada contra mim inúmeras vezes. Eu era acusada de ser injusta, ou diziam que o mais justo seria fazer tal coisa, e lá ia a trouxa quebrar a cara, enfrentar sozinha o dragão e receber o ônus de quem fala a verdade enquanto os outros apenas assistem. Mas lutar para ser sempre justo, como todas as vezes que as pessoas tentam aplicar um grande princípio na vida diária, é também de uma arrogância e onipotência tamanha. Quem sou eu, que vejo apenas o meu lado e sei o que é melhor para mim, para decidir que caminho a questão deve tomar. Ou seja, eu me sacrificava à toa. Não sei quais eram as intenções no passado e muito menos quais as consequencias no futuro. Às vezes, algo muito ruim e doloroso no presente pode ser revelar libertador; ao contrário, passar a mão na cabeça no momento errado pode ajudar a manter uma atitude nociva. Então abri mão da justiça e passei a fazer o que é coerente comigo. Eu faço o que eu posso, dou até onde consigo sem me fazer falta. Não quero fazer mal aos outros, mas cuido primeiro do meu umbigo. Ainda assim não é simples, mas é muito mais fácil de aplicar do que a justiça.
Ser boa, muito boa, fazer um trabalho excepcional sempre foi uma preocupação muito grande pra mim e parece que isso era muito claro para os outros. Nos trabalhos em grupo, eu era uma praga, daquelas exigentes que carregam o grupo nas costas e brigam com as pessoas no fim de semana, mas com quem todo mundo queria trabalhar porque tirava dez. Era desgastante levar tudo à ferro e fogo e já na adolescência eu tinha crises de gastrite. Só que eu conseguia. E consegui durante muito tempo, enquanto meus trabalhos tinham um alcance pequeno, enquanto eu me comparava com quem estava do meu lado. Só que a maturidade e a internet abriram meu mundo de tal forma que nunca mais poderei ter a ilusão de ser a melhor. Nem ao menos de estar entre as melhores. É como se eu precisasse de uns vinte anos a mais no meu passado para obter a cultura literária, a capacidade de análise, a profundidade do trabalho e até mesmo o conhecimento flamenco que eu gostaria. Hoje eu me vejo como uma blefadora. Se fosse lutar para alcançar os padrões que gostaria, as qualidades que vejo nos que admiro, não escreveria mais nem uma linha, não dançaria nunca mais. Então abri mão de fazer o melhor e procuro pelo menos não passar vergonha. Corrijo os erros, faço o básico, ouço os conselhos de quem entende e vou. O suficiente pra estar no jogo, sem a menor chance de ir pro pódium.
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