Favorecimento de favorecidos

amizade

Não posso falar em nome de todas as pós graduações do Brasil e em todas as épocas, mas quando eu estava na vida acadêmica e a pessoa tentava pós, uma das perguntas que a banca fazia era: você precisa de bolsa? A resposta campeã, digamos assim, era dizer que não precisava, embora preferisse ganhar, etc. A papelada das bolsas era tão chata, ia pra Brasília, demorava, então era comum que o aluno recebesse meses depois da aula ter começado, vinha sem reajuste, não era depositada no dia certo, etc. Sem dizer que nunca foi uma grande fortuna. Mas, por outro lado, dar preferência justamente àquele que não precisa de bolsa sempre me pareceu injusto, porque você está favorecendo os mais favorecidos. Na prática, acho que os professores tinham medo de serem abordados por alunos desesperados pelos corredores, com boletos atrasados, sem condições de pegarem transporte ou até mesmo para comprarem comida. E eles saberiam que seria verdade, porque além de tudo a bolsa exige dedicação exclusiva. O professor poderia ficar indignado, com pena, irritado, mas não poderia fazer nada contra a burocracia, por isso a escolha de nem aceitar quem não tem condições. Cada um já tem sua própria vida pra se preocupar.

Hoje me ocorreu que nos relacionamentos interpessoais é a mesma coisa, a mesma “injustiça”. O carente acha que disfarça muito ao contar exatas 48h pra voltar a entrar em contato, não fazer perguntas que pareçam cobranças, aguardar que o outro fale espontaneamente o que ele quer ouvir e todas as atitudes que simulam indiferença. Mas raramente dá certo – pode ser um lampejo de carência de olhar, um tom de voz ansioso, uma insistência. No fim, gostamos dos que já são muito gostados, cheios de amigos e de convites. É mais leve poder esquecer de alguém durante semanas e saber que nesse meio tempo ele viveu plenamente e nem sentiu a ausência, e quando voltar tudo estará bem. Ninguém quer pagar o preço de acolher o faminto por atenção, imaginar que ela estará em casa se corroendo em dúvidas. O melhor candidato a amigo é aquele que até quer a nossa amizade, mas se não puder, tudo bem.

Armadilhas

Ela quer ser mãe. Mas a biologia está dizendo que lhe resta pouco tempo. Homens costumam ser muito fáceis – sei de vários casos de mulheres que arranjaram doadores involuntários. Um pouco de sexo no dia certo e ela estaria grávida. Mas o seu sonho inclui não apenas marido como até igreja. Isso torna o seu tempo ainda menor: é preciso conhecer um homem, casar com ele e só depois engravidar.

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Ele quer acreditar. Quer ter uma crença e dela conseguir rumo e consolo. Outras pessoas da sua família conseguem e é bom pra elas. Já leu de tudo, passeou por várias filosofias, conheceu comunidades. Mas, ao mesmo tempo que um lado seu acredita, o outro começa a duvidar. Por ter lido de tudo, as coisas começam a ficar iguais. Por já ter visto muito, duvida das afirmações categóricas. Mesmo quando sente que toca o sagrado, depois se pergunta se não foi apenas uma impressão.

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Ela quer companhia. Também quer estar junto, dar risada, chegar num lugar e todos saberem o seu nome. Ainda mais num lugar onde todos são calorosos e apenas ela parece não ter amigos. Mas é uma pessoa ultra competente, inteligente, pega as coisas rápido. Sua dedicação é total e ela não tem tempo a perder. Quando alguém menos do que isso chega perto, ela não consegue disfarçar sua impaciência. As pessoas notam e se sentem tensas.

Curtas sobre menos, muito menos

Não adianta ter os lindos cabelos sedosos, olhos azuis, cintura boa de pegar e até mesmo ter uma sintonia incrível na cama. Você não é irresistível. É, no máximo… uma preferência? Porque existem outros cabelos, olhos e cinturas, que são até de outras cores e formatos, porque a variedade também é atraente. O elemento que torna uma pessoa sexualmente irresistível não está no físico, e sim no coração. Somente a paixão torna uma pessoa única. Sem paixão, basta dizer tchau. O problema é ter culhões pra ouvir do outro lado: tchau.

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Tentar forçar que o outro nos elogie é sempre ruim, mas tem um método que é particularmente muito ruim: o de se desmerecer. Quando a outra pessoa saca, ele é tão chato e óbvio que não dá vontade de elogiar. O silêncio constrangido grita: Carente! Mas às vezes o outro não saca e acaba comprando a ideia, e ao invés de ganhar um elogio a pessoa ganha um complexo novo. Assim: “Eu sempre uso o cabelo comprido porque acho as minhas orelhas feias, elas são meio de abano”. “Sabe que agora que você falou…”

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Eu continuo, e acho cada vez mais, que a vida é leela. Um lacaniano diria: o ser humano está sempre atrás do gozo. O problema é que algumas formas de gozo nos parecem muito bizarras, incompreensíveis. Há gozo no aparente sofrimento, na manutenção de situações difíceis. Quando a pessoa não quer, quando a situação não lhe dá algum tipo de ganho secundário (pra usar um termo psi), ela sai dali o mais rápido que pode. Se a vida, em leela, é um grande parque de diversões, o que fazer se tem quem goste de ficar o tempo todo no trem fantasma.

Salvação

Eu me pego fantasiando que conhecerei um homem lindo e rico, que vai ficar loucamente apaixonado por mim e resolver todos os meus problemas. Principalmente a última parte. Eu me pego com vontade de ir a uma cigana ou alguém que jure prever o futuro e que essa pessoa me diga que daqui há um ou dois meses o tal homem surgirá. Ou seja, que a solidão que eu sinto, o sentimento de falta de propósito e a desesperança vão acabar daqui a muito pouco. Eu poderia, então, encurtar meus longos dias com essa informação. Entendo tanto as que se divorciam e começam a dar loucamente, a querer beijo, amasso, sexo. Eu me sinto tão frágil, tão carente. Se alguém me elogia, juro que não é verdade, porque é difícil acreditar que alguém olhe para mim e não veja apenas desânimo e velhice. Outras vezes eu nem preciso de príncipe, eu preciso de um homem que me abrace e me deseje. Só que tenho me recusado a ambos, porque sei que mal dou conta de mim. Não dou conta do interesse dos outros, não dou conta de me envolver, não dou conta de não me envolver, não dou conta de nada que envolva expectativas. Eu diria não querendo que o sujeito entendesse sim, e enlouqueceria quando ele não adivinhasse. Sou como um bicho ferido que se esconde. Se sempre detestei a companhia de pessoas carentes, dessas que tenta jogar seus problemas nas nossas costas, como esperar isso de um homem? Eu não estou nada apaixonante. Não posso procurar alguém com esse espírito, como uma pedinte. Enquanto eu precisar de um homem para ser salva, continuarei só.