Uma ambição

Eu cresci vendo as entrevistas do Jô Soares Onze e Meia e essa minha ambição foi crescendo imperceptivelmente ao longo dos anos por causa disso. Não, eu nunca sonhei em ser entrevistada pelo Jô.

Como eu disse, cresci vendo as entrevistas do JÔ, eu era pequena quando comecei. O Jô normalmente começava entrevistando uma pessoa famosa no primeiro bloco, que era mais longo, e depois vinham mais dois blocos curtos com os especialistas em alguma coisa, gente que publicou algum livro, enfim, os desconhecidos. O programa era tarde, então eu (e a maioria) só conseguia assistir a primeira entrevista e olhe lá. Como eu era criança, pra mim todos os primeiros entrevistados eram os “artistas de TV”. Se estavam na TV e eram famosos é porque eram bons. Dava para perceber que o Jô tratava os entrevistados, mesmo do primeiro bloco, de maneira diferente – com alguns ele brincava, podia até ser meio maldoso, enquanto que com outros ele se derretia e ouvia o entrevistado com prazer. Eu levei muito tempo para perceber qual era o padrão – não era por idade, não era por sexo, não era por horário de novela, pelo que era? Só mais tarde eu percebi que era o talento. Ele entrevistava de qualquer jeito aquele que por ora estava na mídia e em pouco tempo ninguém ouviria falar. Já aquele que tinha estofo, consistência, chama interior, etc., o Jô tinha alegria de estar com a pessoa porque via nele um igual.

Minha ambição tem a ver com esse olhar.

O Jô era incrível, a cultura, o talento, a inteligência, tudo. Somado à experiência de vida e tempo de TV, ele tinha olho para identificar o real do transitório. Uma coisa é ser educado e tratar bem, mas o brilho no olhar de admiração não é algo que se fabrique e se exija de alguém. Vi isso no documentário do Chico Buarque, por exemplo. Como ele, muito novinho, já conheceu os grandes artistas da época e foi incorporado a eles sem o menor problema. Um Vinicius de Moraes, já sendo um Vinicius de Moraes, olhou para aquele rapaz lindinho e o tratou de igual pra igual. Estou assistindo a série da Netflix sobre o Fito Paez e ele mal tinha chegado aos vinte e já foi parar na banda de Charly Garcia, uma mega super ídolo do rock argentino. Porque o Charly Garcia era bonzinho? Não, porque talento reconhece talento.

Quem é da mesma turma se reconhece. Em todas as áreas sempre têm os admiradores, os turistas, todos nós somos um pouco esses. Aqueles que fazem uma aula durante uma época da sua vida e param, até aqueles que praticam uma atividade durante parte da sua vida porque se sentem atraídos, mas nunca chegam a ser realmente bons nelas. Tem também o caso mais triste: praticar uma atividade seriamente na vida e ser sempre da turma dos normais, dos persistentes, jamais do time dos grandes. Meu sonho seria receber um olhar desses de admiração, igual do Jô, por algo que eu fiz. Seria um reconhecimento pra minha alma. Mas, como já me disseram mais de uma vez, eu sou ambiciosa demais. O possível era quando sonhávamos em ser entrevistados por ele e tá ótimo.