Blog de comer gente

Ao contrário do meu padrão, daquela vez eu conheci a pessoa antes do blog. Nós tínhamos várias amigas em comum e acho que a porcentagem delas que o conheciam intimamente era grande. Os anos de divórcio já excediam os anos de casamento e não havia previsão de terminar. Era daqueles homens que conseguiam ter o melhor da vida de homem maduro e sem compromisso – vários contatinhos que mantinham as gônadas calmas e não atrapalhavam no dia a dia. Enquanto a adolescência havia sido um período cruel, com apelidos e falta de dinheiro, ele agora era considerado gato, estável, bom partido. Levou meses até que eu fui apresentada ao blog já desativado, a única coisa que eu sabia é que com aquele blog, ele havia “comido muita gente”.

Sempre alguma coisa acontece na passagem do real para o virtual. É como se fosse uma sala de espelhos, uma mudança de três para duas dimensões, uma passagem onde nunca é possível prever exatamente o que encontraremos do outro lado.

Eu conhecia pelo menos de ouvir falar quase todas as pessoas dos textos. A grande maioria das histórias falava da família e do amor imenso que ele tinha pelos filhos. Havia uma parte só de frases de amor, soltas e sem contexto, cada um que imaginasse o que era. Em grande parte daqueles textos ele estava comprometido, um dos poucos namoros que ele assumiu em mais de uma década. A relação dele com os filhos era maravilhosa, invejável; ele percebeu a importância do dia a dia e dos detalhes tediosos na construção de uma relação realmente íntima com os filhos, e colheu os frutos quando eles se tornaram adultos. Ele falava dos pais, que tinham um casamento longo e estável. Alguns textos eram tão cálidos que dava vontade de chorar. Eu entendi porque aquele blog fez ele comer bastante gente – eu mesma já me imaginei na fila. Ao mesmo tempo, alguma coisa estava errada.

Levei algum tempo mastigando as duas informações que eu tinha, a do divorciado que aproveitava a vida com diversos lanchinhos e a pessoa afetiva do blog. Uma parte de mim achava que era quase como uma propaganda enganosa, mas não sabia o porquê. Reli os textos à procura de informações e percebi que aquele amor imenso era todo dedicado à família. Que a gente lia e desejava fazer parte daquilo também, entrar na vida desse homem, amar e ser amada por ele. Mas isso não acontecia, a cota de pessoas amadas já estava preenchida.

Eu mencionei que a culpa é da passagem para o virtual e reafirmo. A linguagem escrita faz isso, inevitavelmente. Somos extremamente mentirosos falando a verdade. Ele nunca prometeu amor a ninguém e, ao mesmo tempo, prometeu.

Nem vim escrever esse texto pelo virtual em si. Esse tema reapareceu na minha vida: é tão difícil entender e saber como se posicionar diante de pessoas que são extremamente amorosas, caridosas, idealistas, interessadas – mas não conosco. Na minha cabeça, imagino um fã do Robin Hood que vai dar um abraço nele e é roubado. Leva algum tempo para descobrirmos que estamos fora do radar delas, tipo sair da área do wi-fi. É uma pessoa linda, de verdade, mas não pra você ou com você. Aí você precisa se proteger da mesma forma que faria com uma pessoa desonesta qualquer – quem sabe o que sentiríamos se mesmo cara que aplica golpe do sequestro pelo whatsapp escrevesse um blog falando da mãe dele…