Dos fracassos

Uma coisa que me impressiona na internet, até mesmo de amigos, é a certeza e a rigidez na hora de julgar certos comportamentos. Mesmo quando concordo com eles no quanto alguma coisa é condenável e errada, eu sempre me vejo mais disposta a relevar coisas, a colocar num contexto e até mesmo a perdoar mais. A mãe que deixa o filho de lado é insensível, sem caráter, péssima mãe; o adolescente que foi pego pela polícia é um criminoso, um bandido, merece morrer na cadeia, e por aí vai. Sim, eu sei que acabo sendo boazinha, ingênua, tendo a julgar os desconhecidos como se eles tivessem as minhas motivações. O mundo é um lugar cruel e as pessoas não têm escrúpulos e nem caráter, pelo jeito. Aí eu comecei a me perguntar do porquê eu acabo me vendo tão mais tolerante do que os outros.
Eu mudei mais do que a maioria das pessoas. Fui psicóloga, fui escultora, fui mestre… ou quem sabe devo dizer que sou todas essas coisas, e ainda por cima danço. Num sentido subjetivo, eu já vivi a experiência de ser um gênio da raça, aquela que tem tudo para dar certo, como também fui a zero a esquerda que ninguém sabe porque insiste. O motivo de eu ter sido tantas coisas é muito simples e está longe de ser um motivo de orgulho: eu fiz várias coisas porque fracassei muito. Se cada uma dessas coisas tivesse dado certo, se tivesse me rendido o dinheiro e o reconhecimento que eu esperava, eu estaria fazendo qualquer uma delas até hoje. Ninguém muda tanto se estiver sentado nos louros, se fizer uma falta imensa se for embora. Se por um lado ser Não Sei Porque Insiste era prova do meu fracasso iminente, por outro ser Gênia da Raça gerou tanta inveja e uma falta de colaboração que eu fracassei também. Com tudo nas mãos e com nada nas mãos, minha história tem me obrigado a buscar alternativas e até hoje vivo mais de esperança do que de frutos.
O que os meus fracassos me ensinaram é que os outros, a sorte, as circunstâncias, o contato, o apoio, enfim, o ser a pessoa certa na hora certa contam muito. O self-made-man é muito menos self do que pensa. A vontade e o trabalho sozinhos não são garantias de nada. Trabalhar com dedicação e vontade fazem sim com que você realize um bom trabalho – eu realizei bons trabalhos nas muitas coisas que fiz, pode perguntar para quem me conhece. Só que o bom trabalho também não é nada sozinho. Eu senti na pele a força das circunstâncias, o desespero de insistir e não conseguir, as dúvidas sobre si mesmo. Não me faltou vontade de vender a alma e sim alguém interessado em comprar. Nas minhas fantasias, eu já me corrompi, já traí, já dei as costas muitas vezes. A mim faltou chance, quem sabe até coragem – para os outros talvez não. A grande maioria dos incorruptíveis são, somente, pessoas desinteressantes que a vida não se deu ao trabalho de tentar. Canalhas, prostitutas, irresponsáveis… eu os tenho todos dentro de mim, conscientes demais pra que eu julgue os nos outros com muita severidade.