O cheiro do novo

Eu sempre achei que a Dúnia tinha um talento não aproveitado de cão-farejador. O manual pode dizer que era preciso fazer passeios que cansam, fazendo com que o cachorro se adapte ao passo do dono; com ela, só consegui fazer com que gostasse quando seguíamos por muitos trechos de grama e toda paciência para que ela parasse para cheirar cantos aparentemente aleatórios. Depois da chuva, eu sabia que o passeio ficava mais demorado, ela parecia potencializar todos os odeores. No começo do nosso convívio, aquele cheirar constante me impacientava, até que pensei que era porque eu não tinha acesso àquele mundo. Se fosse a situação contrária, ela também ficaria impaciente com a maneira como passo horas olhando, imóveis, para telas brancas. Então nós tínhamos o nosso caminho, pouco alterado durante mais de uma década de convívio: íamos até o campinho de futebol, passávamos por uma rua de terra que contornava um terreno arborizado que servia de depósito, encontrávamos uma casa de esquina com vários cachorros e dobrávamos à esquerda, seguindo por um longo muro de um condomínio fechado. Quando a calçada do condomínio chegava ao fim, voltávamos pelo mesmo caminho.

Mas aquele caminho me servia para ir a outro lugares. Passando por ali, não lembro o motivo, encontrei com o dono da casa cheia de cachorros. Havia pitbull, pastor alemão, salsicha, vira-lata, todos esperavam o momento de latir quando eu passava por ali com a Dúnia. A pitbull estava com as tetas inchadas e o dono da casa me disse que ela havia acabado de dar a luz, e ficou deformada daquele jeito, que ele mandaria dar uma injeção que (pelo que eu entendi) secava as tetas. Acho que ele chegou a me perguntar se eu queria um filhote.

Esqueci o assunto. Na manhã seguinte, como sempre, estávamos eu e a Dúnia passando pelo caminho. Quando chegamos perto da casa, ela fez algo que nunca havia feito durante toda a vida e jamais voltaria a fazer: ela puxou a corrente e colou o focinho entre as grandes do portão. A casa parecia estar vazia e nenhum dos cachorros estava por ali. A Dúnia parou e aspirou longamente, com uma expressão indiscutível de prazer. Eu só entendi o que estava acontecendo por causa da conversa do dia anterior. Ela estava sentindo o cheirinho da vida, da maternidade, dos filhotes. O maravilhoso cheiro do novo.