Stand up

O nosso carro ainda era bonitinho no época. Saímos da festa de aniversário já meio tarde, e quando voltamos o estacionamento estava lotado. O cara que cuidava já estava meio bêbado e tinha deixado um carrão – uma dessas caminhonetes – atrapalhando a nossa passagem. De um lado o carrão e do outro lado uma parede que tinha um tanque de cimento. Apesar do Luiz ser um excelente motorista e o nosso carro pequeno, quase não havia espaço. Ele fez o que pode, mas não conseguiu evitar que a lateral do carro acertasse o tanque, e a cada manobra pra tentar desviar, ia riscando mais um pouco. Só depois que o estrago estava feito que o sujeito veio com a chave e tirou a caminhonete. Seria tanta dor de cabeça pra tentar que pagassem o prejuízo, pra provar que estava difícil de manobrar, que o cara estava bêbado e nós não e etc, que resolvemos deixar pra lá e voltar pra casa.

Deixamos pra lá mas voltamos putos. Estávamos naquele estágio de emputecimento que ninguém conseguia nem falar nada. Chegamos em casa sem tocar no assunto. Como não dava pra dormir daquele jeito, ligamos a TV. Estava passando Altas Horas e acho que foi a única vez na vida que vi o programa quando estava passando, e não alguns momentos memoráveis no youtube. Quem estava lá era o Leandro Hassum e ele começou a fazer o stand up dele falando sobre os alpinistas:
Mesmo resistentes no começo, começamos a rir. E quando o Leandro Hassum terminou, já estávamos melhor. Com a alma mais leve, desligamos a TV e fomos dormir.

O arranhão continua lá, serve pra afastar os ladrões.

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Esse comentário que recebi por e-mail é ótimo, não podia deixar de colocar aqui:

Seus posts no Caminhante Diurno são sempre ótimos, Caminhante. Novamente vou dizer: é uma pena que não abra mais a caixa de comentários. Sobre o post do estacionamento, me fez lembrar um momento histórico da vida de um grande amigo meu. Ele se chama Américo, e era um amigo meu do curso de veterinária que tinha graves dificuldades financeiras. Ele entregava a revista IstoÉ, e como sempre tinha a falcatrua como um de seus talentos máximos_ além do excepcional humor que o fazia ver esses pequenos detalhes como coisas simpáticas e triviais_, ele saía em sua motinha cg velha, todas as semanas, de madrugada, para entregar as revistas, e chegava à universidade sempre atrasado, de modos que sempre ficava de dependência em alguma matéria. Como eramos muito amigos, ele me dava uma IstoÈ toda semana. Ele se apaixonou por uma menina mais nova que ele, e que tinha um pai com fma de bravíssimo, e esse pai odiava o Américo. Uma vez, o Américo teve que se sentar ao lado d o pai da menina, na casa dela, enquanto essa não chegava da casa da avó ou de sei lá quem, e ele sentiu que o pai iria aproveitar a circunstância para dar o ultimato do relacionamento. Ficaram longos minutos em silêncio, o pai com a cara fechadíssima (o Américo mede 1,60, enquanto o pai um homenzarrão de 1,80). Daí começou na tv um filme do Roberto Benigni, O Monstro. A menina nada de chegar. Quando ela chega em casa, encontra o pai e o namorado quase nos braços um do outro, chorando de gargalhadas por causa do filme. A coisa resultou em casamento. O Américo teve uma sorte danada por um antigo conhecido do bairro ter-lhe telefonado oferecendo um emprego em Brasília com alto salário, e deixou de ser o pé-rapado de antigamente. Apenas não nos vemos mais, há dez anos.