Amizade e horas difíceis

Citar o acidente do André trouxe à tona algumas lembranças minhas e de outras pessoas. Dentre tantas coisas que me aconteceram, tantas escolhas que fiz, apenas hoje, sete anos depois, fui entender uma delas.

Eu tinha um grupo de amigas, com ex-colegas de faculdade. Não sei o que significava para elas, mas eu queria acreditar que amizades do estilo Sex and the City eram possíveis: mulheres diferentes, que compartilham suas vidas e se apoiam. Assim como na série, cada uma tinha um papel. Tinhamos a nossa Miranda, e as outras meninas tinham uma coisa casadoira como a Charlotte. Já eu, que nunca quis casar, era mais como a Carrie: a mais intelectual, pobrinha e sempre envolvida em relacionamentos impossíveis.

Uma dessas amigas era famosa por ser do tipo oral. Se nos pedia pra carregar um pacote enquanto se ajeitava, ela tranqüilamente nos deixava carregar as coisas dela, caso não reclamássemos. Tinha o costume de fazer aparições fulminantes entre seus mil e um compromissos e sempre deixava os trabalhos nas mãos dos outros. Tinha fama de ser arrivista social- o que eu pude comprovar quando comecei a namorar o Luiz e subitamente passei a ser convida pra sair com ela e o noivo, o que nunca tinha acontecido antes. Eu sabia que ela gostava de se aproximar de pessoas importantes, ignorava regras para conseguir o que queria e era insensível às necessidades dos outros. Mas, afinal, ela era do meu grupinho de amigas. E para ser amiga a la Sex and the City, eu era tolerante.

Aí aconteceu aquela coisa toda do acidente do André. Era assim: de manhã, cedo eu e minha mãe íamos até o hospital ter notícias dele. Quando voltavamos, eu atendia telefonemas das 10 às 23 h – isso sem falar da minha tia que estava no Canadá e ligava à cobrar de madrugada. Era raro o telefone passar mais de 30 min em silêncio. Eram ex-colegas da faculdade de jornalismo, atuais colegas da faculdade de biologia, pessoal do estágio, pessoal do CVV (onde ele era voluntário na época), parentes de Curitiba, parentes de São Paulo e parentes de Salvador. Todos exigindo relatórios diários. Mais do que isso: relatórios otimistas diários. Porque numa situação dessas, não tem novidade boa todo dia. Aí as pessoas tentavam arrancar de mim um otimismo e boas notícias que não existiam.

Chegou um ponto em que tudo isso encheu o saco, e pegamos uma secretária eletrônica que nunca tínhamos usado. O Luiz gravou uma mensagem pra gente, onde dizia que estavamos muito cansados e abalados; que a situação seguia estável e que quando tivesse alguma modificação no quadro, entraríamos em contato. Lembro bem que o fim da gravação dizia: por favor, respeite nosso silêncio. Nem todo mundo gostou, mas deu certo com a maioria.

Poucos dias depois, meu celular toca. Eu fui atender correndo, porque era o número que o hospital tinha para alguma emergência. Era aquela amiga, com as perguntas de praxe sobre o estado meu irmão. Aí eu falo:
– Nós colocamos um recado na secretária eletrônica pra filtrar os telefonemas. O telefone tem tocado o dia inteiro e eu estou esgotada.
– É, eu sei, eu ouvi.

Ou seja, ouviu e resolveu ligar para o meu celular para ter informações privilegiadas. Não aceitou não como resposta, achou que ela não era qualquer uma, passou por cima das regras pra conseguir o que queria. Como ela sempre fez. Eu, que conhecia todos os defeitos dela, nunca imaginei que um dia eles se voltariam contra mim. Dei a informação privilegiada que ela queria e nunca voltei ao grupinho.

4 comentários sobre “Amizade e horas difíceis

  1. O problema é que há maneiras e maneiras de ligar. Nesse caso, foi como se eu fosse o Plantão de Notícias Populares. Ela não estava nem aí pra como eu estava, ela queria apenas ter acesso às últimas novidades pra contar pros outros.

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  2. É fogo. Quando meu primeiro filho nasceu, estávamos cansados das visitas e, no último dia no hospital, deixamos na porta a placa: “Não entre, não perturbe”, algo assim.

    As pessoas abriam a porta e perguntavam: “Mas o que houve?”.

    Putz.

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